Quantas vezes as carreiras a solo são espaço de exploração ou descompressão para lá do que as obras que os músicos vão criando a bordo de coletivos aos quais estão associados. Se na verdade o percurso discográfico de Panda Bear (ou Noah Lennox se espreitarmos para o passaporte) começou com “Spirit They’re Gone, Spirit They’ve Vanished” (2000) assinado a meias com Avey Tare e o seguinte “Danse Manatee” (2001) surgiu juntando esses dois nomes ao do Geologist (Brian Ross Weitz), a verdade é que, a partir de “Campfire Songs” (editado em 2003) o percurso destes músicos, juntando ainda a bordo Deakin, se fez com epicentro nos Animal Collective, banda com sede de trabalho em Baltimore (EUA) que definiu não só uma das mais sedutoras e desafiantes obras que o universo indie nos deu a conhecer no início do século como assegurou com o sublime “Merriweather Post Pavilion” (de 2009) um dos títulos de referência da música do nosso tempo. Com vida feita em Lisboa desde 2004, Panda Bear foi desde então criando uma obra em paralelo assinada em nome próprio através da qual ora olhava para além das fronteiras das possibilidades criadas pela banda ora ensaiava até passos que a música do grupo poderia assimilar. De resto as visões hipnóticas criadas com a ajuda de samples que nasceram de “Person Pitch” (um disco de 2007 no qual sinto a presença da luz de Lisboa) pode ter representado o laboratório que permitiu aos Animal Collective evoluir dos promissores “Sun Tongs” e “Feels” (respectivamente de 2004 e 2005) para, com “Strawberry Jam” (2007) pelo caminho, chegar ao já referido álbum de 2009 que definitivamente consagrou o grupo e demarcou a sua linguagem única.

O percurso recente de Panda Bear passou, salvo em “Tangerine Reef” (de 2018) por todos os demais álbuns dos Animal Collective e por uma sucessão de discos e colaborações, entre as quais episódios de uma frutuosa colaboração com Sonic Boom. E eis que chega a 2025 com um álbum onde, depois do ensaio sobre as genéticas do psicadelismo (em “Reset”, de 2022, precisamente um dos momentos de diálogo com o ex-Spacemen3) se cruzam familiaridade e surpresa naquela que representa talvez a melhor coleção de canções da sua obra em nome próprio. Familiaridade porque não só estão aqui reunidos os quatro elementos dos Animal Collective, com Joshua Dibb (ou seja, Deakin) em particular evidência ao co-assinar a produção, como vocalmente o disco segue uma já clássica abordagem a um trabalho de harmonias que ecoa a velha (e grande) escola de uns Beach Boys. Surpresa pelo facto como, numa obra onde o desafio formal chegou a “desconstruir” (palavra meio gasta, eu sei) a própria estrutura da canção, o disco apresenta uma sucessão de pérolas formalmente herdeiras dos mais clássicos livros de estilo da canção popular. De escrita cuidada, com moldagem criativa, cenicamente rica em timbres e marcas de identidade, plenas de luz na sequência inicial, mergulhando pela melancolia com o avançar do alinhamento, as canções de “Sinister Grift” surgiram num tempo de mudança na vida pessoal do músico.
De certa forma um “break up album”, este novo disco de Panda Bear fixa ecos de um tempo num espaço que, se por um lado fala de perda e separação, por outro nota a existência de alicerces sólidos, detalhe que a presença da filha Nadja Lennox, em português, em “Anywhere But Here” ajuda a desenhar. É um disco que traduz verdade e vulnerabilidade, porém a eventual fragilidade emocional, força motriz por detrás de muitas destas palavras e melodias, ganha forma num edifício delicadamente seguro. É lugar comum dizer que a dor pode ser chama inspiradora. Neste caso deu-nos o mais belo dos discos de Panda Bear.
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