Quando Bruce Springsteen decidiu seguir uma carreira a solo, no início dos anos 70, o “Boss” já havia tocado em várias bandas. O percurso foi-se fazendo em bandas como os Earth e os já mais conhecidos Steel Mill, até que, em meados de 1971, começou a plantar as primeiras sementes daquela que viria ser a E Street Band, a banda que o viria a acompanhar em grande parte da carreira.
Foi com ela que Bruce se lançou a solo, com este álbum de estreia, Greetings from Asbury Park, N.J. Uma estreia que, ouvida hoje, soa particularmente auspiciosa, reveladora de alguém que, ainda que se estivesse a estrear na sua carreira a solo, tinha já uma visão clara daquilo que queria trazer ao mundo da música e ao rock norte-americano em particular. Isso torna-se particularmente evidente olhando para o que lhe seguiu: nesse mesmo ano (1973) lançou o seu segundo álbum, The Wild, the Innocent & the E Street Shuffle, apenas dois anos antes de se começar a impor com estrondo no panorama musical do país, com Born to run (1975), que daria o mote para aqueles que foram, em minha opinião, os 9 anos de ouro da sua carreira musical (período terminado em 1984, com Born in the U.S.A.).
Já vamos às nove canções que tornam esta estreia muito melhor do que o crédito que lhe foi dado à data. Note-se, para já, outra coisa: a matéria de que o disco é feito é um combo folk-rock semi-desgovernado (bem à medida do seu compatriota Bob Dylan, que, por essa altura, estava também ele a explorar o universo norte-americano de uma forma que abria todas as perspetivas sobre os géneros em que o colocávamos) mas sempre cuidadamente controlado, feito de canções precisas que se serviam dos mais variados instrumentos (piano, teclas, saxofone and so on) para não deixar a sua música presa nas linhas de guitarra que tão bem conhece (essa sempre foi, arrisco, uma das razões pela qual a sua música foi tão absurdamente incompreendida, tantas vezes rotulada de foleira e de pop oriented — veja-se o que muitos disseram sobre os seus trabalhos da década seguinte).
Os singles “Blinded by the Light” e “Spirit in the Night” (compostos depois do líder da Columbia, que editou o disco, lhe ter dito que faltavam singles ao esboço inicial do álbum) são disso exemplo, como o são “Growin’ up”, “For you” — tema com um verso de entoação bem Dylanesca (“Cause I’ve broken all your windows and I’ve rammed through all your doors”) ou a esquisóide (em bom) “It’s so hard to be a saint in this city” (com uma linha de piano elétrico que tenuamente evoca de novo o seu compatriota, fase 65).
Há, também, canções mais desoladas, mais próximas daquele que seria o seu registo em “Nebraska” (editado nove anos depois), por exemplo. Ouça-se, por exemplo, a inconfundível harmónica (somada à sua inconfundível voz) em “Mary Queen of Arkansas”, onde nos atira deliciosamente os versos “Well, I’m just a lonely acrobat, the live wire is my trade / I’ve been a shine boy for your acid brat and a wharf rat of your state”. Ouça-se o piano solitário de “The Angel”, o saxofone a introduzir “Spirit in the Night”.
Greetings from Asbury Park, N.J. é o início de tudo e é, insisto, um início absolutamente claro e consciente, de quem sabia já ao que vinha e de quem sabia, também, o que ainda não o esperava. “I came for you, for you, I came for you / But you did not need my urgency”, canta, em “For You” com palavras a interromperem-se umas às outras e uma atmosfera singular que lhe serve de ambiente. Greetings from Asbury Park, N.J. é um belíssimo álbum, a que o tempo só fez justiça. Caiu como uma pedrada no charco na indústria norte-americana, por mais que as águas pouco se tenham movido.
E é um álbum que, como os grandes trabalhos de Springsteen, recusa fórmulas simplistas de género, se apropria de tudo o que puder para criar um registo ao mesmo tempo preciso e expansivo. Greetings from Asbury Park, N.J. tem sobretudo a qualidade invulgar num álbum de estreia de soar muito menos a uma emulação de referências anteriores que a um manifesto sonoro próprio e claríssimo. Com ele, Springsteen encontrou uma voz própria. O que se seguiria, meus amigos, era a História a ser feita.

Sem comentários:
Enviar um comentário