segunda-feira, 3 de novembro de 2025

CRONICA - SPRING | Spring (1971)

 

No início da década de 1970, o Reino Unido vivenciava uma explosão musical. O rock progressivo, emergindo da cena psicodélica, ramificou-se em estilos sinfônicos, jazz-rock, pastorais e folk-progressivos. Bandas como King Crimson, Genesis e Jethro Tull exploraram novos territórios sonoros, enquanto uma infinidade de grupos menores e mais underground experimentavam com mellotron, flauta, saxofone e harmonias vocais cuidadosamente elaboradas.

Foi nesse contexto que surgiu o Spring, formado no final dos anos 60 em Leicester, reunindo músicos ingleses e galeses. A formação incluía Pat Moran nos vocais e mellotron, Ray Martinez na guitarra, Adrian Moloney no baixo, Pick Withers na bateria e Kips Brown no órgão, piano e mellotron.

Entre 1970 e 1971, a banda Spring gravou seu primeiro e único álbum no famoso Rockfield Studios, no País de Gales. Lançado pela RCA Neon em 1971, o álbum foi produzido por Gus Dudgeon, conhecido por seus trabalhos com Ten Years After, David Bowie e, principalmente, Elton John.

Ao ouvi-lo, este LP se destaca das produções de rock progressivo inglês da época. Considerado um dos álbuns mais influenciados pelo Mellotron daquele período, Spring oferece um rock progressivo que está longe de ser espetacular se comparado a bandas como Yes, Genesis ou King Crimson. Não há exibições instrumentais ou suítes extensas, mas sim um prog direto, porém sofisticado, que se concentra principalmente na estética e nas emoções. Cada faixa é uma pequena peça bucólica e melancólica, onde os arranjos e a atmosfera substituem o virtuosismo ostentoso. Por vezes, lembra-se de bandas como Moody Blues ou Barclay James Harvest. Isso fica claro na faixa de abertura, "The Prisoner (Eight By Ten)", que desenvolve uma atmosfera que remete ao Genesis, com toques de flauta, e cenários que evocam renascimento, ocasionalmente suavizados por momentos sombrios, sem jamais resvalar para o delírio cavalheiresco.

A guitarra, no entanto, não se assemelha em nada à exuberante execução de Robert Fripp, Steve Howe ou Steve Hackett. O toque de Ray Martinez é sutil e preciso, perfeitamente adequado ao caráter refinado do álbum. Seu fraseado econômico, quase moderno, já prenuncia certas características do neo-prog dos anos 80, onde o instrumento serve principalmente para realçar a atmosfera, em vez de ocupar o centro do palco. Contudo, em "Golden Fleece", uma faixa épica de folk-rock, a guitarra torna-se mais expressiva, por vezes até incisiva, mantendo sua profundidade emocional, amplificando o poder e a poesia da canção.

A voz de Pat Moran não é exatamente extraordinária ou virtuosa, mas seu timbre enigmático e velado contribui plenamente para a magia de Spring . Mais do que um canto vistoso, é uma presença penetrante que permeia cada faixa e acentua a atmosfera suave e melancólica do álbum. Em "Grail", por exemplo, o refrão, equilibrado e quase frágil, é profundamente comovente, evocando uma nostalgia pungente que permanece muito tempo depois da audição. Cada nota parece suspensa, amplificando a emoção e a poesia da composição. Provavelmente a canção mais bonita deste vinil. Por outro lado, a dramática e sombria "Shipwrecked Soldier", introduzida pela atmosfera pseudomedieval de "Boats", revela outra faceta dos vocais de Pat Moran. Muito mais assertiva, denuncia a guerra e traz uma tensão e gravidade que contrastam com a delicadeza das peças mais bucólicas, mantendo-se, ao mesmo tempo, comedida e sem jamais buscar romper barreiras, o que se alinha perfeitamente com a intenção artística do grupo.

Por fim, o som geral também é singular. Com seu órgão e mellotron onipresentes, Spring mantém um toque retrô típico do início dos anos setenta. Mas, ao mesmo tempo, seus arranjos etéreos e sofisticados, o trabalho de guitarra discreto e a atenção meticulosa às harmonias quase prenunciam o soft rock californiano do final da década de setenta (Ambrosia, Toto ou até mesmo certas passagens de Al Stewart). Essa mistura de instrumentos vintage e uma abordagem moderna confere ao álbum um charme atemporal, uma ponte entre épocas. A faixa final, “Gazing”, uma verdadeira obra-prima, ilustra perfeitamente essa ambivalência, combinando nostalgia com frescor sonoro.

No restante do álbum, encontramos atmosferas variadas que demonstram a inventividade do grupo. O country vibrante de "Inside Out", pontuado por sinos etéreos, traz uma energia rítmica inesperada, enquanto a breve "Song To Absent Friends (The Island)", com seus sabores desencantados, desdobra uma poesia melancólica e contemplativa, reforçando o equilíbrio entre leveza e seriedade neste LP singular.

Esta magnífica obra não alcançou o sucesso esperado devido à falta de divulgação. Cada membro seguiu projetos diversos, a maioria dos quais permaneceu confidencial. Apenas Pick Withers emergiu da obscuridade, tornando-se o primeiro baterista do Dire Straits.

O que resta é um álbum que, embora tenha passado despercebido em seu lançamento em 1971, agora se destaca como uma joia esquecida do rock progressivo britânico. Entre camadas de mellotron, guitarra delicada e vocais intrigantes, o álbum oferece um universo sonoro rico e refinado, onde a emoção se desdobra sem ostentação. De faixas como a suave e melancólica "Grail" a números mais intensos como "Shipwrecked Soldier", o equilíbrio entre leveza e gravidade demonstra a inventividade da banda.

Em grande parte ignorado na época, este LP merece ser redescoberto hoje, tanto pela sutileza de seus arranjos quanto pelo poder discreto de sua atmosfera. Uma obra que transcende o tempo e continua a cativar com sua sensibilidade e charme único.

Títulos:
1. The Prisoner (Eight By Ten)
2. Grail
3. Boats
4. Shipwrecked Soldier
5. Golden Fleece
6. Inside Out
7. Song To Absent Friends (The Island)
8. Gazing

Músicos:
Adrian 'Bone' Maloney: Baixo;
Pick Withers: Bateria;
Ray Martinez: Guitarra, Mellotron;
Kips Brown: Piano, Órgão, Mellotron;
Pat Moran: Vocal, Mellotron

Produção: Gus Dudgeon




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