Peter Joseph Andrew Hammill nasceu em nov/1948, em Ealing, bairro no oeste de Londres, na Inglaterra (está, portanto, com 76 anos). É uma das vozes mais únicas e influentes do Rock Progressivo. Foi figura central (principal compositor) no Van Der Graaf Generator (nós já destacamos 3 grandes álbuns da banda aqui nesta coluna: "Pawn Hearts", de 71, releia aqui; "Godbluff", de 75, releia aqui; "Still Life", de 76, releia aqui; e também já recontamos toda sua trajetória, releia aqui). Suas obsessões com o amor perdido, com a fé perdida, o tempo, o espaço e a própria existência sempre foram os pilares de seu trabalho, tanto com a banda, como em seus álbuns solos. Aliás, já fizemos aqui no blog uma série de postagens sobre a carreira solo de Peter Hammill (parte 1, parte 2, parte 3, parte 4 e parte final). Nesta carreira solo, ele lançou mais de 30 álbuns, sempre marcados por letras da mais alta percepção e uma recusa total à concessões. Há vários que certamente mereceriam maior destaque, mas irei hoje colocar foco na maravilhosa trilogia "Chameleon in the Shadow of the Night" (de 73) - "The Silent Corner And The Empty Stage" (de 74) - "In Camera" (também de 74), álbuns tão bons, se não melhores, do que muitos do grande Van Der Graaf Generator. Com a formação do VdGG contando com Hammill (vocais, violão/guitarra e piano), Hugh Banton (órgão), Guy Evans (bateria), David Jackson (sopros) e Keith Ellis (baixo, substituído por Nic Potter, em 1970), eles lançaram quatro álbuns altamente influentes: "The Aerosol Grey Machine", "The Least We Can Do Is Wave To Each Other", "H To He Who Am The Only One" e "Pawn Hearts", entre 1969 e 1971, antes de se separarem, pela primeira vez, em 1972.
Após a separação, Hammill mergulhou em sua carreira solo soltando uma série de álbuns provocativos, variados e, às vezes, completamente incríveis (contando inclusive com vários de seus ex-colegas de VdGG, o que acabou embolando a distinção entre o trabalho solo dele e de seu grupo). "Fool's Mate" (de 1971), embora inferior ao que viria, trouxe Hammill tomando os primeiros passos rumo à perfeição. O que fez "Fool's Mate" diferente do material do VdGG foi o repertório mais mainstream, baseado, na maior parte, em piano e violão acústicos. Ainda transmitindo a grandiosidade do VdGG, sem nunca ser previsível, "Sunshine" e "Imperial Zeppelin" eram destaques e demonstravam como ele próprio não se levava tão a sério (importante razão do porquê a música de Hammill envelheceu tão bem ao longo dos anos, diferentemente de muita coisa do universo Prog-Rock). Entretanto, as letras ainda não estavam tão sofisticadas e desenvolvidas (quanto iriam se tornar), o que era compreensível afinal era apenas sua estreia solo. "Chameleon In The Shadow Of The Night" (o disco seguinte, de mai/1973) contou com composições muito melhores e é hoje considerado um dos melhores álbuns solo de Hammill. Embora ainda tenha trago o artista no formato piano e violão acústico (muitas partes foram pré-gravadas por Hammill em sua própria casa e trazidas para o estúdio), a paixão transmitida em seus vocais é quase sem paralelo. Porém, o que separava Hammill dos outros Folk-Rockers do início dos anos 70 era o talento dele em injetar "Art Rock" em suas composições e cantar suas suaves canções de um jeito áspero, quase peçonhento. Algumas faixas (como "German Overalls" e "What's It Worth") soavam com um David Bowie bem do início, mas Hammill pulava para território roqueiro em "Rock And Rôle" (com um ótimo sax sujo). Algumas faixas ("German Overalls" e "In the End") relatavam a decisão de por fim ao VdGG, após uma experiência altamente cansativa, desgastante e moralmente baixa da banda na estrada. A produção direta (quase sem acréscimos de estúdio) ajudava a dar intensidade aos fortes arranjos (em dois terços, há praticamente um solilóquio musical, acústico e cerebral; no outro terço, há os colegas do VdGG). "Easy to Slip Away" seria uma canção que acompanharia Hammill por toda a carreira em shows. "Chameleon In The Shadow Of The Night" podia até ser considerado um álbum conceitual já que o tema "envelhecer" se repetia por todo o disco.
"The Silent Corner And The Empty Stage" (de fev/1974) foi outro ótimo trabalho (talvez o melhor esforço solo dele). Instigante, com letras questionadoras ("Forsaken Gardens" e "A Louse Is Not A Home" colocavam em cheque as premissas fundamentais da sociedade moderna), os vocais de Hammill perscrutando as profundezas e alcançando os céus, indo do áspero ao delicado num toque, o disco era sempre muito efetivo e ainda tinha "Rubicon", uma linda canção de amor. A (estranha/bizarra) capa era feita por Bettina Hohls (da banda alemã de psicodelia Ash Ra Tempel), assim com já havia sido a foto central de "Chameleon...". Contando com todos os ex-colegas do VdGG (e a participação especial de Randy California, guitarrista do Spirit, em "Red Shift"), "The Silent Corner..." trouxe ainda "Modern", uma faixa que seguiria a carreira de Hammill em concertos. Espécie de álbum perdido do VdGG, envolto em sentimentos melancólicos e nos vocais emotivos, embrulhava o ouvinte com uma sensação triste e nostálgica. O mais sinfônico dos álbuns solos de Hammill, "Wilhelmina", "The Lie (Saint Theresa de Bernini)", "Forsaken Gardens" e "A Louse Is Not A Home" (com mais de 12 minutos) eram pérolas do Rock Progressivo, faixas de arrepiar. Acredito que seja até natural um fã do VdGG se perguntar: se Hammill era o líder criativo da banda e aqui solo ele seguiu o mesmissímo estilo e ainda trouxe todos seus ex-companheiros para tocar junto, então por que não considerá-lo um álbum da banda? Bem, este raciocínio é compreensível. Para não iniciados, é preciso saber que Hammill é chegado em surpresas com toda sua dedicação ansiosa, sem humor, para desafiar noções de gosto e contenção. Música para almas frágeis/incomuns, com camadas delirantes, canto frenético (e experimentando o alcance), espiritualidade incendiária, observações filosóficas/místicas, letras perturbadoras (com Hammill exorcizando fantasmas existenciais), muita dramaticidade/ardência. Sim, audição perturbadora, mas não sem recompensas substanciais. Os vocais selvagens e as letras comoventes de Hammill são, de fato, um "acquiring taste" (algo estranho a demandar gradual aceitação), porém iniciados/fãs do VdGG irão amar este álbum, um tesouro por ser muito próximo do estilo/som dos álbuns clássicos da banda (provavelmente o disco com o som mais VdGG que Hammill fez solo).
A trilogia foi completada com "In Camera" (de jul/1974), o quarto disco solo, em que grande parte gravado em fitas 4-pistas no estúdio caseiro de Hammill. Ele apenas pegou as fitas, levou-as ao Trident Studios e adicionou elementos (como a bateria de Guy Evans, seu colega do VdGG; camadas de sintetizadores etc). O álbum trouxe uma atmosfera dark, gótica, claustrofóbica, letras apocalípticas cheias de imagens religiosas e discussões existenciais. "Gog", particularmente, era intensa e demoníaca, com vocais agressivos, harmonias grandiosas e um ritmo poderoso. "Magog", a última faixa, que vinha acompanhada de um sax assombrado (de David Jackson), era quase música concreta, sinistra, cheia de zumbidos, barulhos percussivos e vocais tratados. Outras faixas como "Ferret And Featherbird" e "Again" eram bem mais leves, quase doces, porém tristes e evocativas (mais representativas do trabalho de Hammill). Outro álbum incrível (aclamado como um de seus melhores) trazendo o artista num alto nível de complexidade, exorcizando fantasmas, desafiando sua singular arte. Esta primeira grande fase solo de Hammill ainda teve os álbuns "Nadir's Big Chance", de fev/1975, e "Over", de abr/77.








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