sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Brian Eno – The Ship (2016)

Sou um admirador incondicional de Brian Eno e da sua vasta obra, mesmo quando grava (ou gravou) discos que considero de menor ou até mesmo residual interesse. É um mago, um pioneiro, um artista multifacetado, sempre uns bons quilómetros à frente dos seus pares, sempre visionário, sempre desbravador dos caminhos tortuosos da música e dos sons que a edificam. Não somente como autor em nome próprio, mas também como parceiro de outros, e até mesmo como produtor. Num tempo ceifante como este em que vivemos, terrível para os grandes nomes da música, a existência de Brian Eno é, desde logo, um conforto, um motivo adicional de contentamento, e também um sinal claro de que um novo disco de Eno nunca nos engana(rá). Tem sido quase sempre assim, e a esperança gerúndia que a marca Eno faz crer, leva-nos a nunca duvidar da qualidade de sua próxima obra. Claro que há quem o prefira dos tempos (e dos modos) de Here Come The Warm Jets (o seu disco de estreia a solo, em 1974), de  Tiger Mountain (By Strategy) (também de 74, e para mim o melhor disco de Eno na sua faceta de criador de canções), ou até mesmo de parte de Before And After Science (1977), embora outras, e são também muitas e acérrimas, mostrem maior apreço pela versão mais ambiental do mesmo autor, onde discos maiores como No Pussyfooting (em colaboração com Robert Fripp, de 1973) Discreet Music (1975) ou Ambient 1: Music For Airports (1978) se destacam claramente. No entanto, e mesmo sabendo que a versatilidade de Eno não se esgota nas obras citadas (e por isso não resisto a mencionar mais uma, a “avant la lettre” My Life In The Bush Of Ghosts, de 1981, em parceria com a cabeça falante David Byrne), o que nos chega neste momento às mãos é The Ship, álbum que baralha e volta a dar (no que a expressão tem de melhor, acreditem) todo um passado e toda uma memória sonora que dele fomos construindo durante largas décadas, agora elegantemente revisitada.

The Ship é um disco dividido em duas grandes partes, a primeira com o mesmo título do álbum e a segunda designada por “Fickle Sun” que, por sua vez, se desmembra em três andamentos: “Fickle Sun”, “The Hour Is Thin” e “I’m Set Free”, cover dos eternamente saudosos The Velvet Underground. Parece-me claro (mas falo de uma clareza nebulosa, com alguma opacidade, mas mesmo assim repleta de uma vastíssima limpidez) que este The Ship, trabalho inspirado pelo afundamento do Titanic, é uma obra densa, que descobre na voz e nos efeitos que surgem a partir dela, um universo sonoro de enorme beleza, como se a voz de Eno pudesse, ela mesma, criar um universo paralelo às normais estruturas da composição musical. A voz como centro sonoro de tudo quanto existe!, parece-me uma possível e justa interpretação do que se ouve em The Ship, o primeiro tema do disco. E assim, em seu redor, outras vozes se elevam, outras ainda se reduzem, aumentando e minimizando amplitudes espaciais que se transformam em dilatadas paisagens sonoras, lençóis de sons que envolvem aquele que as escuta. Adivinham-se os silêncios anteriores a estes sons, e os ruídos burilados que chegam até nós vindos do vazio das profundezas surpreendem pela beleza trágica que encerram.

Na segunda faixa do disco, no andamento “Fickle Sun (i)”, ouvimos um poema dito pelo ator Peter Serafinowicz, criado por um software de nome Markov Chain Generator, capaz de produzir linhas e linhas de texto sequencial, mas também ruídos de maquinaria, excertos dormentes de velhas canções da primeira guerra mundial entre muitas outras coisas sem nome e sem lugar, como se estivessem perdidas no espaço. Tudo em pouco mais de dezoito minutos de inquietação…

Outro momento de grande interesse, talvez o maior de todos, sobretudo para os mais acostumados e amigos do formato canção, reside nos últimos cinco minutos e vinte segundos do disco, através do conhecidíssimo “I’m Set Free”, do álbum homónimo dos The Velvet Underground. A canção de Lou Reed permanece intacta na sua deslumbrante graciosidade, e a voz de Brian Eno dá-lhe a tonalidade perfeita para que este The Ship acabe com delicadeza e circunstância.

Reitero, para terminar este discurso, a ideia inicial destas linhas: ouvir Brian Eno é sempre um grande prazer! Se for ouvido em condições de exceção, como seria bom que acontecesse, o deleite será ainda maior. Permitir que The Ship se afunde, de forma distinta e requintada dentro de si, pode ter um impacto saudavelmente devastador!



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