quarta-feira, 1 de março de 2023

“Só Se For A Dois” (PolyGram, 1987), Cazuza

 


Após o elogiado primeiro e homônimo álbum solo (popularmente conhecido como Exagerado), de 1985, Cazuza(1958-1990) entrou nos estúdios da gravadora Som Livre no segundo semestre de 1986 para gravar o seu segundo álbum solo, sob a produção de Ezequiel Neves (1935-2010) e Jorge Guimarães. Tudo transcorreu bem, as gravações foram finalizadas até que um dia, a Som Livre anunciou que iria cancelar o seu elenco de artistas e dedicar-se apenas às trilhas sonoras das novelas da TV Globo, emissora à qual a companhia pertence. A única exceção, foi Xuxa, apresentadora que tinha um programa infantil de grande audiência na Globo, o Xou da Xuxa, lançava discos pela Som Livre que vendiam milhões de cópias. Era uma verdadeira “mina de ouro”. Todos os outros cantores e bandas foram dispensados pela Som Livre, inclusive Cazuza. Nem mesmo o fato do cantor ser filho do diretor e fundador da Som Livre, João Araújo (1935-2013), livrou Cazuza da lista de dispensados da gravadora.

Contudo, não faltaram propostas de outras gravadoras para contratar Cazuza. De todas as propostas, o ex-vocalista do Barão Vermelho aceitou a da PolyGram (hoje Universal Music) com a qual assinou contrato. Como o material do segundo álbum já estava todo gravado, tudo que a PolyGram teve que fazer foi apenas prensar e distribuir no mercado as cópias do álbum. Assim, sob o título de Só Se For A Dois, o segundo álbum solo de Cazuza chegou às lojas em março de 1987.

“Só Se For A Dois” é a primeira faixa do álbum, e a quem dá nome a ele. É uma canção com texto forte que fala sobre amor, diversidade, respeito e convivência entre as diferenças. Para Cazuza, a felicidade, o amor e a liberdade, têm que ser vivenciados ao lado de alguém que amamos: “As possibilidades de felicidade / São egoístas, meu amor / Viver a liberdade, amar de verdade / Só se for a dois”.

A saída de Cazuza do Barão Vermelho, em 1985, provocou um rompimento de amizade entre o ex-vocalista e os membros da banda. Porém, em 1986, Cazuza e Barão Vermelho reataram amizade quando se encontraram nos bastidores de um programa da TV Globo. Desse reencontro, Cazuza e Roberto Frejat reataram também a parceria musical que rendeu novas canções. Algumas dessas canções foram gravadas por Cazuza para o seu segundo álbum. “Ritual” é uma delas, uma canção que trata sobre aproveitar a vida, não perder tempo com coisas pequenas, viver a realidade e encarar os desafios.

Cazuza e Roberto Frejat: parceria reatada.

“O Nosso Amor A Gente Inventa (Uma Estória Romântica)” é a canção mais famosa do álbum. A letra, escrita por Cazuza, foi baseada num drama vivido por um amigo seu com o fim de um relacionamento amoroso. Os versos da canção tratam sobre desilusão, ressentimento e esquecimento. Todo o amargor de um final difícil e traumático de um relacionamento, Cazuza conseguiu traduzir em versos como os do início da canção: “O teu amor é uma mentira / Que a minha vaidade quer / E o meu, poesia de cego / Você não pode ver”. O destaque nesta canção fica no final da música, com o belo solo vocal de Solange, vocal de apoio de Cazuza.

Composta por Cazuza e Frejat, “Culpa De Estimação” é um rock que trata de maneira bem-humorada sobre a culpa, apresentada na música como se fosse uma pessoa. A culpa é tratada como alguém inseparável, que segue o personagem da canção onde quer que ele vá, dá palpite em tudo, e ao mesmo tempo consola e aconselha. A bissexualidade de Cazuza está sutilmente presente nos versos: “Não sei se o nome dela é Eva ou Adão / É religiosa por formação / A minha culpa de estimação”.

O lado A da versão LP de Só Se For A Dois termina com o blues rock “Solidão Que Nada”. Para escrever a letra da canção, Cazuza se inspirou nas aventuras amorosas do baixista de sua banda, Nilo Romero. Em todas as cidades em que Cazuza e banda passavam, Romero conquistava uma namorada, trocava número de telefones. Eram amores efêmero, urgentes, vivenciados em quartos de hotéis ou saguões de aeroportos. “Solidão Que Nada” foi regrava pelo Kid Abelha em 1994 para o álbum acústico Meio Desligado, numa versão que teve bastante execução em rádio, mais até do que a versão original de Cazuza.

Cazuza em sessão de fotos para o álbum Só Se For A Dois.


Abrindo o lado B, “Completamente Blue”, uma música que faz referência em seus versos à solidão nos grandes centros urbanos, em contraste à liberdade que os tempos modernos nos proporcionam. Embora se trate de um pop rock, “Completamente Blue” possui uma acentuação funk na sua linha de baixo e na levada da bateria.

O deslumbramento com a fama é um dos temas abordados em “Vai À Luta”, parceria de Cazuza e Rogério Meandra. A música ao mesmo tempo tece uma crítica àquele tipo de gente que se alimenta do fracasso dos outros. Os versos finais são uma célebre frase do jornalista Millôr Fernandes (1923-2012): “Os fãs de hoje, são os linchadores de amanhã”.

Em “Quarta-feira”, Cazuza faz um jogo de sedução nos versos, tendo como cenário, alguma praia ensolarada do Rio de Janeiro no meio da semana. A sedução pode envolver paixões perigosas: “Talvez você caia / Na minha rede um dia / Cheia de cacos de vidro”. Ou beijos ardentes com gosto de bala de hortelã: “E o galã não vê / Que é bombardeado com balas de hortelã”.

O amor intenso, vivenciado com total entrega, sem preocupações com o que virá depois, é cantando por Cazuza em “Heavy Love”, um rock veloz e pesado. Encerrando o álbum, “Balada do Esplanada”, um blues acústico baseado num poema de Oswald Andrade (1890-1954) que trata sobre um menestrel que foi morar com sua amada no Hotel Esplanada, onde ele tenta fazer uma balada para ela, mas não consegue.

O jornalista Millôr Fernandes, autor da frase "os fâs de hoje, são os
linchadores de amanhã", inserida por Cazuza na canção "Vai À Luta".

Para celebrar o lançamento do álbum Só Se For A Dois, Cazuza fez uma temporada de duas semanas no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro. Cazuza queria uma produção impecável, e o investimento para tanto foi alto. Por causa disso, Cazuza selou um pacto com o casal de empresários que gerenciava a sua carreira, Rosa e Mário Almeida, em que caso a temporada fosse um fracasso, o prejuízo seria dividido entre os três. A temporada foi um fracasso, e Cazuza tomou uma decisão quanto ao pacto: assumiu todo o prejuízo. Decidiu cobrir o prejuízo usando o dinheiro ganho no contrato com a PolyGram, não só cobriu a parte do pacto que lhe cabia como também a do casal de empresários, que estava prestes a vender o carro para pagar as outras duas partes do acordo. 

Um mês após o lançamento do álbum, Cazuza fez um teste e descobre era portador do vírus da AIDS, o HIV. Depois de passar por um processo de tratamento na Clínica São Vicente, Cazuza parte para Boston, nos Estados Unidos, onde dá prosseguimento ao seu tratamento no New England Medical Center, a base de AZT, uma novidade no tratamento dos portadores do vírus da AIDS.

De volta ao Rio de Janeiro, em dezembro de 1987, Cazuza deu início às gravações do seu terceiro álbum, Ideologia, trabalho que consagrou Cazuza. A pouca divulgação do álbum por parte da gravadora não impediu que Só Se For A Dois tivesse um desempenho comercial razoável, vendendo cerca de 250 mil cópias, muito por conta de “O Nosso Amor a Gente Inventa” ter tocado bastante no rádio.

A sua condição de soropositivo e o processo de recessão econômica que o Brasil atravessava, influenciariam Cazuza a partir de então, tornando-o um artista mais maduro, porém mais crítico e ácido nas letras. Naquele momento, estrelas do rock brasileiro atiravam pesado contra a classe política da época, como os Titãs com os hits “Lugar Nenhum” e “Desordem”, do álbum Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas (1987), e a Legião Urbana com o seu “Que País É Este”, do álbum Que País É Este – 1978/1987 (1987). Possivelmente, Cazuza se mostrou estimulado pelos colegas e decidiu também expressar a sua fúria e indignação no álbum Ideologia, dando o seu recado por meio da faixa-título, “Brasil” e “Boas Novas”, embora tivesse preservado o romantismo ao qual havia se dedicado em Só Se For A Dois.

Faixas

Lado A

  1. “Só Se For a Dois” (Rogério Meanda/Cazuza)
  2. “Ritual” (Frejat/Cazuza)
  3. “O Nosso Amor a Gente Inventa” (Uma Estória Romântica) (Rogério Meanda/Cazuza/Rebouças) 
  4. “Culpa de Estimação” (Frejat/Cazuza)           
  5. “Solidão que Nada” (George Israel/Cazuza/Nilo Romero)" 

Lado B

  1. “Completamente Blue” (Rogério Meanda/George Israel/Nilo Romero/Cazuza)"       
  2. “Vai à Luta” (Cazuza/Rogério Meanda)
  3. “Quarta-Feira” (Zé Luís/Cazuza)"      
  4. “Heavy Love” (Frejat/Cazuza)             
  5. “O Lobo Mau da Ucrânia” (Cazuza/Rogério Meanda/Nilo Romero/Rebouças/Moraes/Ezequiel)"         
  6. “Balada do Esplanada” (Cazuza/Adaptação: Oswald De Andrade)" 



“Só Se For a Dois”

“Ritual”

“O Nosso Amor a Gente Inventa”

“Culpa de Estimação”

“Solidão que Nada”

“Completamente Blue”

“Vai à Luta”

“Quarta-Feira”

“O Lobo Mau da Ucrânia”

“Balada do Esplanada”

“O Nosso Amor a Gente Inventa”
(videoclipe oficial para 
"Fantástico", TV Globo, 1987)

“Mama Africa” (EMI, 1983), Peter Tosh

 


Peter Tosh não teve o seu sexto álbum de estúdio, Wanted Dread & Alive, de 1981, a repercussão que o cantor imaginava. Foi o último trabalho de Tosh pelo Rolling Stones Records, selo daquela famosíssima banda comandada por um certo Mick Jagger. Mas a repercussão desejada por Tosh veio com o álbum seguinte, Mama Africa, considerado o álbum mais comercial da discografia do cantor jamaicano.

Lançado em abril de 1983, Mama Africa alia o discurso politizado e engajado de Tosh com uma sonoridade acessível e dançante. Mama Africa agrega referências de ska, pop, jazz e pop tornando o álbum musicalmente bastante agradável. Não à toa, foi álbum melhor sucedido de Tosh fora da Jamaica. Além de músicas até então inéditas, Mama Africa trouxe três regravações, duas delas da época em que Tosh era membro dos Wailers, “Stop The Train” e “Maga Dog”, e uma releitura em versão reggae para um clássico do rock”n’roll criado por Chuck Berry, “Johnny B. Goode”. Mama Africa conta com participações bastante relevantes para a qualidade do álbum como  a do trio vocal jamaicano The Tamlins, e de duas duplas de baixista e baterista renomadas, Carlton Davis e Lebert Morrison, e da antológica Sly Dunbar & Robbie Shakespeare.

Com o álbum Mama Africa, Peter Tosh teve a maior ascensão comercial na sua carreira. 

A faixa-título é quem abre o álbum, e é uma espécie de diálogo entre o negro e a sua terra-mãe, África, em que o filho distante procura por notícias da mãe, de como ela está, além de descrever todas as suas virtudes. Embora seja uma música de ritmo alegre e dançante, os versos refletem as dores, as mágoas e as cicatrizes do passado do povo negro que fora arrancado da terra natal africana para servir de mão de obra escrava nas colônias europeias no continente americano.

“Glass House” traz como lema aquele velho lema: “não faça com outro o que não quer que faça contigo”. Isso fica evidente nos versos: “Harm no man / Let no man harm you / Do unto others / As they would do to you” (“Não prejudique nenhum homem / Não deixe nenhum homem prejudicar você / Faça aos outros / Como eles fariam para você”).

Peter Tosh foi ao continente africano para fazer shows, e conheceu de perto as mazelas do povo africano, cuja realidade o inspirou para fazer “Not Gonna Give It Up”, em que o astro reggae canta pela liberdade do povo africano: “I said that I been up there / Aand I've seen poverty beyond compare / I know slave drivers just don't care / They just don't care” (“Eu disse que estive lá / E eu vi a pobreza sem comparação / Eu sei que os senhores de escravos simplesmente não se importam”).

Encerrando o lado A do álbum, “Stop The Train”, antigo sucesso dos Wailers que ganhou uma releitura de Tosh numa versão mais moderna, que funde reggae e R&B com inspirações no som da Motown.

O lado B de Mama Africa começa com a regravação de “Johnny B. Goode”, o maior sucesso da carreira de Chuck Berry. Se na versão original, Johnny é um jovem caipira analfabeto que se torna um fenômeno da guitarra, na versão de Peter Tosh, Johnny é um jovem jamaicano que também é analfabeto e exímio guitarrista, mas que sonha ser um astro do reggae. O grande destaque da faixa são os incríveis solos de guitarra de Donald Kinsey, que deu um tom roqueiro nesta versão reggae sensacional de “Johnny B. Goode”.

"Johnny B. Goode", um clássico do rock'n'roll de Chuck Berry (foto),
ganhou uma versão reggae com Peter Tosh, e virou também um clássico do
ritmo musical nascido na Jamaica.


“Where You Gonna Run” trata sobre a vida estressante e problemática do mundo moderno. A música possui uma sutil levada funk e os vocais de apoio femininos bem ao estilo da soul music americana. Merecem destaque a ótima performance do naipe de metais.

Em “Peacy Treaty”, Tosh relembra o acordo de paz firmado em 1978, na Jamaica, para tentar conter a onda de violência que assolava a, mas que dois anos depois se mostrou um verdadeiro fracasso. Com um refrão repetitivo, “Feel No Way” é um reggae de apelo radiofônico, e conta com os belos vocais de apoio do trio The Tamlins.

O álbum termina com mais uma regravação de uma canção antiga dos Wailers, “Maga Dog”, que começa com latidos de cachorro. “Maga Dog” possui uma linha de baixo pulsante e robusta, que se mostra presente por toda a música.

Peter Tosh numa turnê em 1983.

Mama Africa foi o único álbum da discografia de Peter Tosh a figurar no Top 50 do Reino Unido. O fato ser também o álbum da carreira de Tosh com melhor desempenho comercial fora da Jamaica, se deve muito pelo sucesso alcançado pela regravação de “Johnny B. Goode”. Tosh conseguiu a proeza de transformar uma música que já era um clássico do rock num clássico do reggae.

Após a turnê mundial de Mama Africa, Tosh entrou numa fase de autoexílio na África, afastando-se do cenário mundial da música por cerca de três anos. Nesse período, travou embates nas renegociações com gravadoras que distribuíam seus discos. Tosh participou de alguns eventos contra o regime apartheid ainda vigente na África do Sul.

Em 1987, Peter Tosh lança No Nuclear War, álbum com o qual o astro jamaicano do reggae retoma a carreira artística. Porém, em 11 de setembro do mesmo ano, três assaltantes invadiram a residência de Tosh, e mataram a tiros o cantor e mais dois amigos seus. Outras três vítimas presentes conseguiram sobreviver. Mesmo morto, Peter Tosh foi agraciado postumamente, na edição do Grammy de 1988, com o prêmio de “Melhor Álbum de Reggae” por No Nuclear War.

Todas as faixas foram compostas por Peter Tosh, exceto as indicadas.

Lado 1
  1. "Mama Africa"
  2. "Glass House"
  3. "Not Gonna Give It Up"
  4. "Stop That Train" 
Lado 2 
  1. "Johnny B. Goode" (Chuck Berry)
  2. "Where You Gonna Run" (Donald Kinsey)
  3. "Peace Treaty"
  4. "Feel No Way"
  5. "Maga Dog"

  


Ouça na íntegra o álbum Mama Africa
(incluindo versões estendidas de
"Johnny B. Good", 
"Where You Gonna Run" e de 
"Mama Africa" como faixas bônus)


"Johnny B. Goode" 
(videoclipe oficial)

“Closer” (Factory, 1980), Joy Division

 


Quando ainda estava na turnê do seu aclamado álbum de estreia, Unknown Pleasure, em 1979, a banda Joy Division já tocava nas suas apresentações algumas músicas que fariam parte do segundo álbum, Closer, que só seria lançado no ano seguinte. As canções eram “Atrocity Exhibition”, “Passover”, “Colony” e “Twenty Four Hours”, as quatro contando muito com a presença da guitarra de Bernard Sumner, refletindo a influência da crueza musical de Unknown Pleasure.

No entanto, essa crueza perderia espaço ou pelo menos o protagonismo na sonoridade do Joy Division, a partir do começo de 1980, quando a banda adotou os sintetizadores. O produtor Martin Hannett - o mesmo que havia produzido o álbum de estreia do quarteto inglês – estimulou o guitarrista Bernard Sumner a usar sintetizadores, como o Transcedent 2000 e o ARP Omni 2. Além disso, incentivou o baterista Stephen Morris a fazer uso dos efeitos eletrônicos da bateria eletrônica. “Isolation”, “Heart And Soul”, “The Eternal” e “Decades”, foram compostas após o Joy Division ter adotado os sintetizadores. Com a adoção dos sintetizadores, o grupo alemão Kraftwerk e o cantor David Bowie (na fase do álbum Low, de1977), se tornaram importantes referências para o Joy Division.

A frieza da sonoridade eletrônica agregada ao som cru e angustiante que a banda já praticava, se tornaram a moldura perfeita para as letras melancólicas e enigmáticas do vocalista e letrista Ian Curtis. Esse casamento sonoro consolidaria o estilo próprio da Joy Division em fazer música, e que se tornaria uma grande influência no cenário pós punk que estava vigente naquele momento, bem como influenciaria gerações de bandas e artistas que viriam futuramente.

O guitarrista e tecladista da Joy Division, Bernnard Sumner, observa o produtor Martin Hannet  manipulando
os sinterizadores Transcendent 2000 e ARP Omni 2 no estúdio de gravação.
Sob produção de Martin Hannett, as gravações de Closer ocorreram entre 18 e 30 março de 1980, no Britannia Row Studios, em Londres, Inglaterra. Na época, o Britannia Row Studios pertencia ao Pink Floyd, os mesmos estúdios onde o grupo gravou os álbuns Animals (1977) e partes de The Wall 1979).

Apesar da boa avaliação do público e da crítica ao álbum de estreia e da projeção que a Joy Division começava a conquistar na mídia, nos bastidores, as coisas não iam nada bem. Os problemas não eram com a banda em si, mas com Ian Curtis. Desde a segunda metade de 1979, a vida de Ian Curtis atravessa por uma verdadeira “montanha russa” de conflitos pessoais que acabaram interferindo na banda. Problemas que iam desde saúde mental à crise conjugal.

Na época da turnê de Unknow Pleasure, Ian Curtis teve as suas primeiras convulsões em pleno palco. Exames médicos detectaram que Ian Curtis era portador de epilepsia, e desde então o artista passou a tomar medicamentos cada vez mais pesados, o que com o tempo, acabou afetando o seu estado emocional, tornando-o uma pessoa mais reservada do que já era, mais deprimida, e em alguns momentos, mais ríspida. O resultado disso, é que Curtis procurava uma fuga através do álcool, do cigarro e de remédios. As convulsões afetaram a confiança de Curtis em subir ao palco como também as finanças da banda: não foram poucos os shows cancelados por causa do agravamento da saúde mental do vocalista.

Ian Curtis, vocalista da Joy Division: portador de epilepsia, sofria
convulsões em pleno palco nos shows da banda.


Ao mesmo tempo, o casamento de Ian Curtis com Deborah Curtis começava a ruir, apesar do nascimento da filha do casal, Natalie. O seu romance extraconjugal com a jornalista belga, Annik Honoré, gerou uma grande crise no casamento do vocalista, que culminou no pedido de divórcio por parte de Deborah. Curtis por sua vez, carregava na alma o peso da culpa por amar outra mulher e trair a esposa com quem tinha uma filha pequena.

Como se isso não bastasse, Ian Curtis ainda vivenciava outro tormento: a possibilidade de sucesso da Joy Division. A primeira turnê americana da Joy Division estava agendada para maio, possibilitando ao quarteto inglês uma grande visibilidade. O que para os seus companheiros foi motivo de comemoração e de sonhar com voos mais altos profissionalmente, para Curtis tornou-se um pesadelo. O vocalista, que já andava angustiado com o seu problema de saúde nos shows pela Europa, temia ter convulsões nos shows da turnê americana e envolver não só a si, mas toda a banda num grande constrangimento, e desta vez, do outro lado do Atlântico. Por causa dos seus problemas pessoais, ele chegou manifestar o desejo de deixar a banda, e mudar-se para a Holanda e lá abrir uma livraria.

Num ato de desespero por não aguentar o sentimento de culpa por trair a esposa, a depressão e a epilepsia, Ian Curtis pôs fim à própria vida ao enforcar-se na cozinha de sua casa com uma corda de varal, no dia 15 de maio de 1980, um domingo, véspera da viagem para os Estados Unidos para a primeira turnê do Joy Division naquele país. Pouco antes de dar fim à própria vida, Ian Curtis havia ouvido o álbum The Idiot, de Iggy Pop.

Joy Division se apresentando na Universidade de Birmingham,
em 2 de maio de 1980.  Foi a última apresentação ao vivo da banda,
duas semanas antes de Ian Curtis suicidar-se. 

Ian Curtis havia tentado o suicídio em abril de 1980, ao ingerir vários comprimidos do medicamento para a sua doença, mas conseguiu escapar. Na segunda tentativa, Curtis conseguiu o que desejava.

Closer foi lançado em 18 de julho de 1980, exatamente dois meses depois da trágica morte de Ian Curtis. Como infeliz coincidência, a capa do álbum é a fotografia da tumba da família Appiani, no Cimitero Monumentale di Staglieno, em Gênova, na Itália. A fotografia para a capa, feita pelo fotógrafo Bernard Pierre Wolff, em 1978, já havia sido aprovada por todos membros da banda, inclusive pelo próprio Ian Curtis. O projeto gráfico é de Martin Atkins e Peter Saville. Originalmente, não havia qualquer referência nas versões LP de qual era o lado A e B. A edição brasileira de Closer incluiu “Love Will Tears Us Apart”, o maior sucesso da banda que fora lançada apenas em single, um mês antes do lançamento de Closer.

Tumba da Família Appiani, no Cimitero Monumentale di Staglieno,
em Gênova, na Itália, serviu de capa para o álbum Closer.

O segundo e último álbum da Joy Division começa ao som de uma bateria em ritmo marcial e repetitivo, acompanhado por ruídos e sons sujos de guitarra, que dão início à faixa “Atrocity Exhibition”, música inspirada num livro homônimo de J.G.Ballard (1930-2009), escritor inglês de quem Ian Curtis era fã. O interessante nesta música é que o baixista Peter Hook é quem toca guitarra e o guitarrista e tecladista Bernard Sumner é quem toca o baixo.

A faixa seguinte, “Isolation”, possui um ritmo mais acelerado e dançante, e é um prenúncio do caminho musical que será tomado pelos membros da banda após o fim da Joy Division. Na letra de “Isolation”, Curtis é bastante confessional em relação ao estado emocional que passava, afirmando que se vergonha das coisas que tem feito, e da pessoa que havia se tornado, provavelmente uma alusão ao sentimento de culpa pelo adultério que cometia. “Isolation” possui uma linha de baixo marcante e pulsante característico de Peter Hook, e teclados produzindo um som estridentes na reta final da música, e uma bateria eletrônica contagiante. Curiosamente, não há guitarra nesta faixa.

“Passover” é mais uma canção confessional de Ian Curtis presente em Closer, e nas suas entrelinhas, parece fazer referência ao do seu casamento com Deborah Curtis: “This is the crises I knew had to come / Destroying the balance / I'd kep”. (“Esta é a crise que eu sabia que viria / Destruindo o equilíbrio / que eu mantinha”).

Assim como “Atrocity Exhibition”, “Colony” é outra canção do álbum que possui referência literária. O título é uma alusão a Na Colônia Penal, novela escrita por Franz Kafka (1883-1924), em 1914, mas publicada em 1919. O riff pesado e agressivo de guitarra e a bateria inquieta embalam o canto agressivo de Ian Curtis, que canta os versos sobre desespero e solidão numa colônia penal, que na canção poderia ser uma metáfora para a vida conjugal de Curtis ou à sua doença.

Franz Kafka, autor de Na Colônia Penal, obra literária que inspirou
a música "Colony", da Joy Division.

Com uma bateria num ritmo robótico executado por Stephen Morris, “A Means To An End” possui musicalmente uma inclinação pop. É “A Means To An End” quem fecha o que pode ser considerado o lado A de Closer. A música parece uma canção de despedida, em que Curtis demonstra ter perdido a confiança em alguém. Os versos dão indícios de que Curtis se refere a um relacionamento que se desgastou, chegou ao fim, nesse caso o seu casamento com Deborah Curtis. Ainda assim, Curtis parece guardar algum sentimento bom que viveu com a esposa: “We fought for good - stood side by side / Our friendship never died”(“Nós lutamos para o bem - ficamos lado a lado / Nossa amizade nunca morreu”). Uma curiosidade é que “Cedo”, da Legião Urbana, poderia ter sido inspirada “A Means To An End”.

“Heart And Soul” dá início ao que pode ser considerado o lado B de Closer. Ian Curtis parece cantar dentro de uma caverna. Em alguns versos, Curtis se mostra enigmático e ao mesmo tempo bastante claro no que diz: “The past is now part of my future / The present is well out of hand” (“O passado é agora parte do meu futuro / O presente está bem fora de controle”).

Em “Twenty Four Hours”, Curtis se mostra desesperançoso com o futuro: “Just for one moment I thought I'd found my way” (“Só por um instante pensei que encontraria meu caminho”). Ao final da canção, demonstra um desespero revelador: “Gotta find my destiny, before it gets too late”(“Tenho que achar meu destino antes que seja tarde demais”).

A faixa seguinte, “The Eternal”, é talvez a canção com o arranjo melhor elaborado do álbum, e é provavelmente a faixa mais triste. Os sintetizadores criam os efeitos de chiado, bem como é responsável por todo o clima etéreo, melancólico e funesto da canção. A morte se faz presente não apenas na base instrumental, mas também sutilmente nos versos: “Procession moves on, the shouting is over / Praise to the glory of loved ones now gone”. (“Procissão continua, a gritaria acabou / Louvar para a glória dos amados que agora já foram”).

O ritmo prossegue lento e melancólico com “Decades”, faixa que provavelmente é a que encerra Closer. Nesta faixa, os sintetizadores executados por Sumner também desempenham um papel importante, criando toda uma atmosfera musical claustrofóbica que casa muito bem com a letra escrita por Curtis, na qual ele enxerga um futuro sem esperança, sem rumo.

Joy Division, da esquerda para a direita: Peter Hook, Ian Curtis,
Stephen Morris e Bernard Sumner. 

Ao ouvir Closer e analisar as letras de algumas de suas canções, chama atenção como os seus companheiros de banda não perceberam as pistas deixadas por Curtis nos versos, o desespero que o vocalista estava sofrendo e as possibilidades de suicídio. Closer é na prática, uma espécie de “carta de despedida” em forma de um disco de canções. Os colegas de banda só vieram perceber as mensagens nas entrelinhas dos versos tempos depois da morte de Ian Curtis.

Embora as canções verbalizassem o desabafo do vocalista, elas eram ao mesmo tempo um grito de socorro. Talvez Curtis se sentisse incapaz emocionalmente de pedir ajuda aos companheiros da maneira convencional, e o fez através de canções. Os companheiros por sua vez, não conseguiram decodificar os versos que expressavam a despedida daquele jovem artista que partiu desta vida apenas 23 anos de idade.

Com a morte de Ian Curtis, a Joy Division chegou ao fim como banda. Dois meses após a morte de Curtis, os membros restantes da antiga banda voltaram a ensaiar juntos para um novo projeto, o New Order. Apesar de ter durado tão pouco tempo e de não ter alcançado o nível de popularidade da banda que a sucederia, a Joy Division influenciou gerações de bandas e artistas que vieram após o seu fim, como Smashing Pumpkins, Radiohead, Interpol, Franz Ferdinand e The Killers. No Brasil, a Legião Urbana teve bastante influência da Joy Division, e o seu vocalista, Renato Russo, o mais fiel discípulo de Ian Curtis no rock brasileiro.

Faixas

Todas as faixas são de autoria de Ian Curtis, Peter Hook, Stephen Morris e Bernard Sumner.

Lado 1
  1. "Atrocity Exhibition"
  2. "Isolation"
  3. "Passover" 
  4. "Colony"
  5. "A Means To An End"            
Lado B           
  1. "Heart And Soul"        
  2. "Twenty Four Hours"              
  3. "The Eternal" 
  4. "Decades" 

Joy Division: Ian Curtis (vocal, guitarra e escaleta), Bernard Sumner (guitarra, baixo e sintetizadores), Peter Hook (baixo, violão e baixo de seis cordas) e Stephen Morris (bateria, bateria eletrônica e percussão)


"Atrocity Exhibition"



"Isolation"


"Passover"


"Colony"



"A Means To An End"



"Heart And Soul"


"Twenty Four Hours"



"The Eternal"



"Decades"



"Love Will Tears Us Apart"
(videoclipe oficial)

Destaque

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