Em plena ditadura militar reinante no Brasil, um conjunto musical formado por seis mulheres sedutoras, divertidas, debochadas e atrevidas, botou o país inteiro para dançar: As Frenéticas. Misturando disco music, rock, pop, marchinhas de carnaval e performances de palco inspirados nas divas do antigo teatro de revista dos anos 1940 e 1950, As Frenéticas foram um fenômeno musical de vida curta, mas que teve tempo suficiente para tratar sobre a liberdade feminina com muito bom humor e irreverência, numa época de repressão ditatorial.
A trajetória das Frenéticas começa em agosto de 1976, quando o jornalista e compositor carioca, Nelson Motta, estava prestes a abrir a casa noturna The Frenetic Dancin’ Days, no Shopping da Gávea, um recém inaugurado shopping center no Rio de Janeiro. A Frenetic Dancin’ Days era uma casa noturna diferenciada na época, trazia para o Brasil o conceito das discotecas, que já era uma realidade no exterior, mas uma novidade em terras brasileiras.
Para tornar o seu empreendimento atrativo já a partir da inauguração, Motta teve a ideia de na sua casa noturna, um grupo de garçonetes que servisse à mesa em trajes sensuais e maquiagens carregadas, mas que nas altas horas da noite, essas mesmas garçonetes parariam o serviço, subiriam ao palco para cantar três ou quatro músicas, e depois retornariam ao serviço.
Entrada da discoteca The Frenetic Dancin' Days, no Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro, em 1976. |
Nelson Motta convidou a sua jovem cunhada, Sandra Pêra, irmã da sua então esposa, a atriz Marília Pêra (1943-2015), para ser garçonete. Atriz em início de carreira e com alguns espetáculos teatrais no currículo, Sandra Pêra convidou mais três amigas suas oriundas do teatro, as também atrizes Regina Chaves, Leiloca Neves e Lidoka Martuscelli (1950-2016). Regina havia feito a montagem brasileira do musical Jesus Cristo Super Star, em 1973, do qual Sandra também participou. Envolvida com astrologia e yoga, Leiloca havia integrado o grupo de teatro e dança Dzi Croquettes, assim como Regina e Lidoka, esta última, a única paulista do grupo que estava se formando e a que tinha maior experiência com dança.
Se Lidoka era a mais talentosa bailarina do grupo, Dhu Moraes era a melhor e a mais experiente no ofício do canto. Além de já ter atuado em peças teatrais e musicais, Dhu havia integrado os conjuntos vocais Os Escarlates e Os Sublimes. Fechando o grupo de garçonetes cantoras, Edyr de Castro (1946-2019), que tinha no currículo, atuações no teatro, cinema e TV. Edyr era única que já era mãe, e havia recém se separado do cantor Zé Rodrix (1947-2009).
A Frenetic Dancin’ Days foi inaugurada em agosto de 1976, mas já havia um acordo com a direção de que seu período de existência seria curto, de apenas três meses. Mas no curto tempo que durou, aquela discoteca montada por Nelson Motta agitou as noites do Rio de Janeiro. Artistas, esportistas, celebridades, famosos em geral como Ney Matogrosso, Tônia Carrero (1922-2018), Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gal Costa, Sônia Braga entre tantos outros, frequentavam a Frenetic Dancin’ Days enquanto ela durou, não apenas para dançar ao som dos últimos sucessos da disco music, mas também para ver as apresentações das seis garçonetes, que davam uma pausa no serviço de mesas para subirem ao palco e cantar. Num curto espaço de tempo, aquelas garotas se tornaram a grande atração daquela casa noturna.
DJ Dom Pepe e Nelson Motta no agito da discoteca The Frenetic Dancin' Days. |
Após o fechamento da Frenetic Dancin’ Days, as garotas estavam desempregadas, mas decididas a prosseguirem juntas como um conjunto musical. No começo de 1977, passaram a ensaiar e a fazer algumas apresentações, até que um dia, graças ao apoio do produtor Liminha, gravaram uma fita demo e conseguiram um contrato com a gravadora Warner, que estava se instalando no Brasil.
Sob o nome As Frenéticas, uma alusão à discoteca onde o grupo começou, as meninas lançaram o primeiro single, “A Felicidade Bate A Sua Porta”, música composta por Gonzaguinha. Embora já tivesse sido gravada pelo próprio Gonzaguinha (1945-1991) em 1973 para o seu álbum Luiz Gonzaga Jr., “A Felicidade Bate A Sua Porta” ganhou com as Frenéticas uma versão em ritmo disco music arrasadora, e que logo entrou para as paradas de rádio. Não demorou muito paras as meninas gravarem o primeiro álbum.
Em março de 1977, o primeiro e auto intitulado álbum das Frenéticas era lançado. O álbum trazia “A Felicidade Bate A Sua Porta”, lançada anteriormente como single. Porém, a faixa que estourou nas rádios desta vez foi “Perigosa” com seus versos provocantes: “Eu sei que eu sou bonita e gostosa / Eu sei que você, me olha e me quer”.
Produzido por Liminha e com direção artística de Mazola, Frenéticas, o álbum, mostra um repertório diversificado, que não se restringe a disco music, estilo ao qual as Frenéticas ficariam bastante vinculadas. Além de disco music, o álbum traz as Frenéticas cantando rock, pop, bolero e marchinhas de carnaval com muito humor e deboche, de uma forma que as integrantes empregam toda a experiência no teatro que elas tiveram.
O álbum abre com o hit “Perigosa”, um rock’n’roll cuja letra foi escrita por Nelson Motta e musicada por Rita Lee e Roberto de Carvalho. A letra maliciosa e o mesmo tempo libertária, ressalta a autoconfiança sexual da mulher, mostrando que ela tem voz, tem desejos, tem vontade própria e tem o poder de sedução, independentemente da cor, classe social ou tipo físico.
Uma curiosidade sobre a música “Perigosa”, é que originalmente, a letra escrita por Nélson Motta terminava com os versos: “Eu vou fazer ficar louco, muito louco”. Após termina-la, Motta enviou a letra para Rita Lee musicar. Quando Rita devolveu a letra musicada numa fita cassete, ela escreveu um bilhete acrescentando uma frase ao final da letra: “dentro de mim”. A pequena frase, aparentemente inofensiva, fez toda a diferença no sentido final da letra: “Eu vou fazer ficar louco, muito louco / Dentro de mim”.
As Frenéticas, no sentido horário: Regina Chaves, Sandra Pêra, Lidoka Martuscelli, Leiloca Neves, Dhu Moraes e Edyr de Castro. |
A ideia de Rita Lee era muito boa, mas Nélson Motta temia que a letra fosse vetada pela Censura Federal por associar os versos finais a um ato sexual. Para evitar que a letra fosse vetada ou tivesse a frase suprimida, Motta fez uso de uma estratégia para dribla um possível veto. Sabendo que para aprovar uma música na Censura Federal, era desnecessário enviar a música gravada, bastando enviar apenas a letra escrita, Nélson redigiu no papel a letra de “Perigosa” colocando a frase sugerida por Rita Lee no começo da música, o que deu o seguinte sentido: “Dentro de mim / Eu sei que eu sou / bonita e gostosa”. Com esse sentido até inocente, a letra foi aprovada pela Censura Federal sem o menor problema. Porém, quando as Frenéticas foram gravar no estúdio, a música foi gravada com a frase no final, do jeito que Rita Lee havia sugerido e de como ficou imortalizada. E assim, Nélson Motta, Rita Lee e as Frenéticas driblaram a Censura Federal.
Na sequência, as Frenéticas fazem uma releitura de “Quem É”, uma canção originalmente gravada pelo cantor Osmar Navarro (1930-2012) em 1959, nos primórdios do rock brasileiro. As Frenéticas fizeram uma nova versão da canção, mas mantendo o estilo das baladas românticas dos anos 1950. Contudo, elas injetaram vocais cheios de teatralidade e irreverência.
“Vingativa” é uma canção que remete aos boleros cafonas de versoss passionais e melodramáticas. A letra trata sobre uma mulher que sofreu nas mãos do homem que tanto amava, mas que agora, está disposta a se vingar dele. O arranjo da música é muito bem elaborado, e dão suporte para as Frenéticas cantarem os versos exagerando propositadamente na dramaticidade. A letra de “Vingativa” foi escrita por Wagner Ribeiro, autor dos textos do grupo teatral Dzi Croquettes, do qual algumas das Frenéticas fizeram parte.
A balada “Vida Frenética” é uma canção ao estilo dixieland, vertente do jazz tradicional de Nova Orleans, e que foi muito popular no início do século XX. Composta pelo guitarrista Luiz Sérgio Carlini, da banda Tutti Frutti, “Vida Frenética” conta um pouco do que é a filosofia de vida de uma frenética: viver a vida com liberdade e sem se preocupar com o que os outros dizem.
O repertório do álbum de estreia das Frenéticas contou com colaborações de Rita Lee e Gonzaguinha. |
O sexteto carioca se aventura no rock’n’roll no pot-pourri “Exército do Surf / Let Me Sing / O Gênio / Bye Bye Love”. “Exército do Surf” é uma versão em português de "L'Esercito del Surf", gravada em 1964 pela francesa Catherine Spaak, cuja versão em português fez sucesso no Brasil na voz de Wanderléa nos anos 1960. “Let Me Sing” foi o primeiro sucesso de Raul Seixas, em 1973, enquanto que “O Gênio” foi gravada originalmente por Roberto Carlos em 1966. “Bye Bye Love” é um rockabilly que ficou conhecido com a dupla Everly Brothers, em 1957.
A salsa “Pessoal e Intransferível” traz versos que faz uma reflexão sobre a responsabilidade dos nossos atos. Nas duas faixas seguintes, as Frenéticas caem na folia carnavalesca com “Fonte da Juventude”, uma marchinha que satiriza as mulheres que gastam uma fortuna para se manterem jovens, enquanto que “Cantores do Rádio”, é uma regravação de um antigo sucesso da “era de ouro” do rádio brasileiro, gravada originalmente em 1936 como um dueto pelas irmãs Carmem Miranda (1909-1955) e Aurora Miranda (1915-2005).
O clima de discoteca retorna na reta final do álbum com “Tudo Bem, Tudo Bom??? ou Mesmo Até...” faixa boa e dançante, mas com um título nada atraente. A faixa é um tanto quanto autobiográfica, serve como um “cartão de vistas” das Frenéticas em forma de música: “Prazer em conhecer / Somos as tais Frenéticas / Que um anjo doido fez / A gente se encontrar no Dancin’ Days”.
O álbum chega ao fim com “A Felicidade Bate A Sua Porta”, lançada em single antes do álbum. Os versos trazem uma carga de esperança e otimismo, num Brasil ainda imerso numa ditadura e que ainda duraria mais alguns anos para acabar. Embora a versão de Gonzaguinha seja animada, a versão das Frenéticas é mais divertida e dançante.
Através do sucesso das faixas “Perigosa”, “A Felicidade Bate A Sua Porta” e “Tudo Bem, Tudo Bom??? ou Mesmo Até...”, o álbum Frenéticas vendeu mais de 250 mil cópias, o que concedeu às Frenéticas o seu primeiro Disco de Ouro.
Apesar do êxito comercial do seu primeiro álbum, o melhor ainda estava por vir para o sexteto carioca. Em 1978, As Frenéticas se tornariam um fenômeno pop com o megahit “Dancin’ Days”, música que foi tema de abertura da novela homônimo exibida pela TV Globo, e que estourou nas paradas radiofônicas, incendiou as pistas das discotecas e festas de sábado à noite de norte a sul do Brasil.
Faixas
Lado A
- “Perigosa” (Rita Lee - Roberto de Carvalho - Nelson Motta)
- “Quem É?” (Osmar Navarro - Oldemar Magalhães)
- “Vingativa” (Wagner Ribeiro de Souza)
- “Vida Frenética” (Luis Sérgio Carlini)
- “Exército Do Surf” (J. Pattacini – Megel, versão: Neusa de Souza), “Let Me Sing” (Raul Seixas), “O Gênio” (Getúlio Côrtes), “Bye Bye Love” (F. Bryant - B. Bryant)
Lado B
- “Pessoal E Intransferível” (Nelson Motta)
- “Fonte Da Juventude” (Rita Lee)
- “Cantores Do Rádio” (João de Barro (Braguinha) - Lamartine Babo - Alberto Ribeiro)
- “Tudo Bem, Tudo Bom??? ou Mesmo Até...” (Liminha (Arnolpho Lima Filho) - Ronan Soares - Rubens Queiróz)
- “A Felicidade Bate A Sua Porta” (Luiz Gonzaga Jr.)
Frenéticas: Dhu Moraes, Edyr de Castro, Leiloca Neves, Lidoka Martuscelli, Regina Chaves e Sandra Pêra