A obra-prima de Sinatra foi feita no hotel dos corações partidos com tons de breu e solidão.

Nos anos 40, estava Elvis a jogar ao guelas e os Beatles ainda de babete, já Sinatra era um ídolo pop, o primero da história a sê-lo, gerando fenómenos inéditos de histeria de massas, os primeiros passos dessa estranhíssima invenção do século XX chamada adolescência.

Porém, no virar da década, Frank cai em desgraça, com a imprensa moralista da época a escandalizar-se com os seus maus costumes. De um dia para o outro, o menino bonito das revistas vê todos os seus contratos cessados, sem poder gravar um disco, rodar um filme ou sequer dar um espectáculo.

Foi neste período sombrio da sua carreira que Sinatra e Ava Gardner se apaixonam, vivendo uma história de amor intenso e atribulado, digna de um guião de cinema.

Os abutres da imprensa continuaram a rondar as suas presas, debicando o pecado do adultério, e esfocinhando, após o casamento, novas bisbilhotices: as noitadas de copos, os arrebatamentos de ciúmes, as homéricas discussões. Os pombinhos não conseguiam viver sem o outro… nem com o outro, era a narrativa.

A novela continuou em tons de film noir. Se Ava Gardner era femme fatale nas salas de cinema, exige agora sê-lo também fora da tela, oferecendo ao seu querido Frank um divórcio e quatro tentativas de suicídio. Ainda bem. Com o seu coração destroçado, Sinatra tem finalmente o combustível emocional para fazer a sua obra-prima.

Mas como, se tinha sido proscrito por tudo e por todos? É aqui que aparece a Capitol Records, celebrando com Sinatra um generoso contrato e oferecendo-lhe os arranjos delicados de Nelson Riddle.

E assim nasce In the wee small hours, um dos primeiros álbuns conceptuais da história da pop. Antes, os LPs mais não eram do que conjuntos avulsos de canções, sem qualquer coesão temática ou estética a ligá-los. O exacto oposto de In the wee small hours, cujos velhos clássicos versam todos sobre corações partidos, unidos pela mesma ambiência noctívaga e melancólica que aparece na capa. Imaginamos Frank num clube de jazz, fumando a tristeza, com a cinza esquecida a cair no balcão, desenhando a copos de whisky a sua solidão, ouvindo Ava no trompete dolente que ao fundo chora…

Nunca a voz de Sinatra fora antes tão sincera, tão vulnerável, tão comovente. Por vezes, aquele timbre de ouro chega mesmo a fraquejar, embargado de emoção. No caminho, Frank inventa um novo arquétipo de masculinidade, a do durão sensível, despertando nas mulheres um misto de tusa e colo maternal. Muita criançada foi concebida ao som deste disco.

O seu canto é agora quase uma fala, avesso a exibicionismos, expressando com delicadeza e contenção tudo o que lhe dói no peito. O mesmo gosto depurado assoma nos arranjos de Nelson Riddle: o contrabaixo, a bateria e o piano pincelando um jazz lunar; os sopros e cordas oferecendo discretos sublinhados emocionais à voz magoada de Sinatra.

Frank nunca foi um cantor de jazz propriamente dito mas esteve muito perto disso em In the wee small hours. O seu fraseado reinventa as melodias e finta os tempos, dando uma nova vida às canções originais (tudo grandes clássicos, de Duke Ellington a Cole Porter). Sinatra reconheceu em Billie Holiday a sua principal influência e aqui percebe-se bem porquê.

O legado deste disco é enorme, inventando, 12 anos antes de Sgt. Peppers, o LP moderno; concebendo, 20 anos antes de Blood on the Tracks, o álbum de separação; criando as luzes de néon com que Tom Waits e Jorge Palma pintariam o lado errado da noite; e influenciando (em conjunto com outros crooners, como Chet Baker) um novo estilo de interpretação masculina: suave, vulnerável e introspectivo.

O segredo deste disco? Não há uma única nota por aqui que não saiba a madrugada e solidão.