Regido pelas mentes peculiares da dupla Scott Kelly e Steve Von Till, o Neurosis à princípio não dava nenhum indício de que chegaria onde está hoje. A princípio, um híbrido completamente tosco de crust punk com hardcore e crossover thrash, seu som foi pouco a pouco absorvendo incontáveis elementos de gêneros musicais dos mais diversos. Tamanha importância e reconhecimento estão distribuídos em uma das discografias mais geniais e fascinantes da história da música pesada como um todo.
Meu papel hoje é não apenas analisar todos os seus discos. Meu trabalho aqui é também criar interesse nas pessoas que são fãs de música pesada mas ainda não se embrenharam pelos lados mais alternativos e experimentais da música extrema que, com total certeza, é o campo mais frutífero do heavy metal na atualidade. Sem maiores embromações, vamos aos discos.
Pain of Mind [1987]
Definitivamente não comece a conhecer o Neurosis por aqui. Como citei anteriormente, a primeira fase da banda é completamente diferente do que fizeram em seu auge e pelo qual se tornariam reconhecidos. O que Pain of Mind traz é um som extremamente raivoso, calcado no crust punk e no hardcore/crossover. Scott Kelly vocifera as letras misantrópicas — única característica ainda presente na atualidade — com uma intensidade demente, enquanto o restante da banda executa seus instrumentos com uma pegada primitiva contagiante. Muitos fãs preferem pensar que este e o disco seguinte simplesmente não existem. Tremenda injustiça essa pois, apesar de não se compararem em qualidade com qualquer coisa que vieram a fazer no futuro, o conteúdo presente aqui é bom suficiente para não ser simplesmente relegado. Do tracklist, quero fazer menção a duas faixas em específico. A primeira delas é “Self-Taught Infection”. O timbre dos riffs nesta faixa seria uma espécie de padrão para o que fariam no futuro, transformando essa distorção de guitarra em sua marca registrada — pode compará-la com qualquer música de seus discos seguintes e comprovar o que estou dizendo –. A segunda menção é para “Black”. Destoando completamente do restante do registro, ela à princípio pode parecer apenas uma brincadeira à toa com o riff principal de “Simple Man” dos Lynyrd Skynyrd, mas que, mais para frente, demonstraria que as referências musicais da banda ultrapassam as barreiras do metal, indo até o folk. Interessante início de carreira que, apesar da péssima produção, mostra músicas de qualidade e uma banda com potencial inegável.
The Word as Law [1990]
O som ainda é bastante agressivo e um tanto unidimensional, mas já nota-se uma tremenda evolução musical da estreia para este disco. A banda limou aquele excesso de tosquice do crust punk e, no seu lugar, adicionou bem vindas doses de post-hardcore e faixas mais cadenciadas, aumentando e muito a apreciação do registro, retirando aquela impressão de similaridade entre as faixas. Novamente, é até vergonhoso querer comparar este com seus registros seguintes, mesmo que ele apresente algumas faixas com ideias muito interessantes. “The Choice”, por exemplo, nos apresenta mais da dinâmica de trocas vocais entre Scott Kelly, de vocais mais rasgados, e Steve Von Till, com seu timbre grave característico. A produção sofreu uma melhora tremenda deste para o anterior. A própria banda se propôs a produzir o registro, dando mais polimento aos instrumentos e adicionando tons mais etéreos a algumas linhas de guitarra. Novamente, acho injustiça que este trabalho seja relegado por boa parte dos fãs do Neurosis. Os padrões de faixas post-hardcore mescladas à sujeira do sludge deste disco fez escola nas bandas subsequentes do estilo, enquadrando o conteúdo de The World as Law como um registro influente e precursor do desenvolvimento sonoro da banda.
Souls at Zero [1992]
Aqui a coisa começou a ficar séria. Mais desenvoltos e com muitas ideias e influências para colocar em seu som, o Neurosis foi na sede para os estúdios e saiu de lá com um petardo incrível e seu primeiro clássico. Muito mais bem resolvido e esteticamente mais bem elaborado, Souls At Zero são 70 minutos de músicas ambiciosas construídas por camadas e mais camadas de elementos musicais a serem desbravados pelos ouvintes. Algumas mudanças são fáceis de serem notadas. Temos aqui um disco com mais de uma hora e faixas que passam facilmente dos 8 minutos de duração. O extremo oposto da urgência dos dois primeiros registros. A longa duração das peças musicais, entretanto, é um fator que fica em segundo plano. A enormidade de influências estilísticas, indo do rock psicodélico ao sludge e música tribal, criam um panorama rico e, ao mesmo tempo, caótico. A bateria ritualística e seu ritmo hipnótico mesclam-se habilmente às guitarras dissonantes e ao baixo descomunal. Scott Kelly e Steve Von Till mostram seus desenvolvimentos profissionais aqui. Saem os berros gratuitos e vocais toscos para dar espaço a vocalizações agonizantes que estão ali por um propósito: dar vida às composições cheias de melancolia e niilismo do registro. A lírica do disco também merece um destaque à parte. Agressivas ao descreverem a desesperança quase misantrópica para com o mundo, ajudam a aumentar em muito a estética depressiva e atmosférica das faixas. O disco possui seus deslizes quanto à produção (à cargo de Bill Thompson), um tanto sem pegada e por vezes sem profundidade. Todavia, isso não diminui o tamanho do impacto e da importância para a pavimentação do gênero atmospheric sludge metal, talvez o mais proeminente em novas bandas atualmente. Se tivesse de indicar uma porta de entrada ao som do Neurosis, este seria o escolhido, tanto pelo caráter experimental mais brando, quanto pelas excelentes faixas que estão aqui registradas.
Enemy of the Sun [1993]
Em seu quarto trabalho de estúdio — o último pelo selo Alternative Tentacles, o qual a banda rompeu relações após uma treta por direitos autorais com Jello Biafra –, a banda continuou arriscando artisticamente. Para ajudar a lapidar as ideias e colocar da maneira mais correta o som dos caras em um disco, recorreram ao renomado produtor Billy Anderson — que já tinha no currículo discos de peso, como Houdini, do Melvins e Sleep’s Holy Mountain, do Sleep –. Cito a produção pois é a característica que mais se sobressai logo nos primeiros segundos da introdução de “Lost”, a epopeica faixa de abertura do trabalho. Instrumentos com timbragem mais regulada, som mais cheio e na cara. Isso colabora e muito para atenuar a atmosfera pesada que já começava a ser trabalhada no disco anterior. Liricamente os temas permanecem inalterados. Letras sobre depressão e misantropia entoadas por vocais sofridos e angustiados. A diferença na utilização de elementos e instrumentos diversos mostra-se muito mais bem dosada e melhor incorporada às músicas aqui. “Raze The Stray” abre com cânticos e orquestrações dramáticas, que transmutam-se para uma torrente de riffs pesadíssimos e baixo cavalar. Enquanto muitas bandas usam em suas faixas trechos puramente orquestrais que não casam necessariamente com o metal, em Enemy of the Sun vemos o uso sábio destes elementos, sem que um sobressaia-se ao outro. Não pense, porém, que o disco traz alguma espécie de sofisticação ou que se trata de um disco sinfônico. São faixas densas, pesadas, em sua maioria de ritmo arrastado e que trazem referências claras dos pioneiros do sludge metal mais experimental, em especial a fase inicial do Melvins. O uso ostensivo de elementos de noise, samples e até drones em algumas passagens ajudam a intensificar o clima atmosférico do registro, onde isso fica bastante evidente nas faixas mais curtas, que servem mais como interlúdios entre uma peça mais longa e outra. O auge do disco é provavelmente “Cleanse”. É uma faixa completamente inesperada para um disco de heavy metal. Não há guitarras, baixos e vocais. Tribal e ritualística, temos uma longuíssima sessão de 15 minutos de pesadas percussões entrecortadas por throath singins, gemidos e grunhidos amedrontadores em uma composição que é pesada não por características de uma faixa de heavy metal, mas sim pela intensidade de sua atmosfera. De maneira concisa, Enemy of the Sun preparou o terreno para a consagração artística que seria o passo seguinte.
Through Silver in Blood [1996]
Em todos os sentidos, um disco definitivo. Após ensaiar e experimentar uma gama de possibilidades, obtendo em sua grande maioria resultados acima da média, o Neurosis, novamente em parceria com o produtor Billy Anderson e sob a tutela de uma nova gravadora, agora a Relapse Records, souberam exatamente o tipo de som que fariam para seu próximo passo. De certa maneira, houve uma mudança geral de abordagem em relação aos seus discos passados. A influência de folk tornou-se mais tímida. Em seu lugar, elementos industriais claramente vindos do Godflesh dominaram a sonoridade de Through Silver in Blood de uma forma avassaladora. O que já era ameaçador, desta vez tornou-se caótico e imersivo. Unem-se em um wall of sound riffs de guitarras distorcidos, linhas de baixo pulsantes e estrondosas, efeitos industriais e farto uso de white noise, preenchendo cada possível espaço da audição. As estruturas das músicas mudaram seu foco de maneira precisa e acertada. A bateria apresenta-se mais percussiva e menos óbvia, retirando influências de ritmos tribais e até por vezes empregando elementos que fazem-na mesclar-se aos efeitos industriais. Isso aumenta o senso de imersividade a níveis incríveis. A produção que Billy Anderson empregou é mais um dos pontos certeiros de um registro impecável. Colocando todos os instrumentos em um mesmo nível de volume, o resultado é um maior caráter atmosférico, sonoridade que ajudou a definir de vez os pilares para o crescente atmospheric sludge metal. Cada faixa do registro é uma surpresa, cada qual com suas particularidades e elementos próprios. Desde o caos apoteótico da faixa título à dramaticidade de sua principal faixa, “Locust Star“, provavelmente a mais conhecida da carreira do Neurosis, muito provavelmente por conta de sua execução no festival Ozzfest, o qual a banda declarou ter entrado para o setlist apenas para ter o prazer de tocar em um mesmo cast do Black Sabbath. Tenha em mente que é um disco deveras complexo de absorver em poucas audições. O disco necessita de calma e atenção para que todas as suas ideias sejam digeridas por completo. Seguindo esse conselho, duvido muito que não reconheça a verdadeira mudança de paradigmas que se criou após o lançamento deste disco, um dos mais importantes da história do heavy metal, sem medo de dizer nenhuma besteira.
Times of Grace [1999]
Enquanto Through Silver in Blood presava pela sonoridade caótica, encorpada e lotada de elementos industriais que criavam um wall of sound cheio de peso e raiva, Times of Grace traz estes mesmos sentimentos de peso e raiva, mas com um foco sonoro ligeiramente diferente. Uma mudança significativa foi a troca de produtores. Sai Billy Anderson e entra a influente figura de Steve Albini, que ficaria responsável pela produção de todos os discos lançados pela banda daqui em diante. Talvez a palavra que melhor resume Times of Grace seja “organicidade”. Por ser um disco menos intenso nas colagens e efeitos industriais a lá Godflesh, as músicas tomaram um rumo mais palatável. Não que isso seja um fator que conte pontos a favor ou contra os discos anteriores, mas é uma mudança de abordagem muito interessante de se observar. Estão aqui provavelmente os riffs mais inspirados de toda a carreira da banda, tendo em vista que o foco dos trabalhos anteriores não era pela criação de riffs, mas pelas passagens atmosféricas de levadas mais post-rock. Por ser um disco mais equilibrado — entre o sludge mais clássico, o post-rock e o industrial atmosférico –, é talvez o que melhor apresenta todas as facetas sonoras já experimentadas pelo Neurosis em toda sua carreira. Há o lado mais pesado em “The Doorway”, dona de um riff arrasador, os famosos experimentos industriais em “Under the Surface” e as costumeiras longas faixas dramáticas, representada por “The Last You’ll Know”, composição que mostra de maneira sublime como criar um equilíbrio ideal entre o sombrio e o melódico, entre a fúria e a beleza — com um trecho de gaita de fole para arrematar tudo. É talvez o disco mais bem dosado e equilibrado, além de preferido por boa parte dos fãs do grupo e outra porta de entrada muito interessante para os trabalhos do Neurosis.
Curiosidade: Este disco foi planejado para ser ouvido simultaneamente a outro disco. O disco em questão é o Grace, lançado pelo projeto Tribes of Neurot, basicamente o mesmo time que compõe o Neurosis, mas que possuía um foco nos experimentos com ritmos tribais e dark ambient. A carreira do Tribes of Neurot é simultânea a alguns discos do Neurosis, à exemplo do disco Through Silver Transmission, lançado simultaneamente ao Through Silver in Blood. Porém, deixo o Tribes of Neurot como tema para uma futura matéria.
A Sun That Never Sets [2001]
Na época de seu lançamento, foram vários os fãs que não receberam bem as mudanças sonoras propostas por este disco. Não foram necessários muitos anos, porém, para que fossem reconhecidas as inovações e qualidades mostradas neste que é um dos mais fascinantes discos lançados pela banda. O registro mantém a parceria com o produtor Steve Albini, que foi o responsável pela produção do Times of Grace. É difícil prever o quanto da mão de Albini há em A Sun That Never Sets, pois este é, certamente, o disco mais pessoal e introspectivo da discografia dos californianos. Apenas para dar um norte, Steve Von Till e Scott Kelly possuem carreiras solos exclusivamente focadas em música folk — que recomendo expressamente ambas, incluindo aí o disco de covers em homenagem ao lendário Townes Van Zandt. Essa predileção pelo estilo já era utilizada de longa data desde o primeiro disco, mas de forma muito mais tímida. No geral, as composições aqui apresentam um peso muito maior destas influências folk, deixando de lado quase que por completo as estruturas punk/hardcore. Ganhou-se, com isso, um teor atmosférico muito grande, em faixas cheias de nuances, beneficiadas pela utilizações mais intensas de instrumentos diversos, ao contrário da enorme massa sonora criada pelas distorções de guitarras e pelos samples e efeitos digitais. As faixas mais longas foram as mais beneficiadas por esta mudança estética. Se por um lado elas eram o grande desafio para ouvintes iniciantes, elas tornaram-se, agora, o maior atrativo do registro todo. O post-rock, outra influência mais que óbvia da banda, ganhou destaque absoluto, muito por conta do enfoque nas passagens instrumentais e longos devaneios acústicos e climáticos. O legado deixado por esta tomada de riscos foi ficando cada vez mais claro pela quantidade de bandas que utilizariam referências deste disco, e isto para o bem e para o mal. “From the Hill” e seu antagonismo entre vocais agonizantes e instrumental sutil, por exemplo, foi descaradamente copiada por toda e qualquer banda primária de sludge que se aventurou a desbravar os caminhos mais atmosféricos do estilo. “Stones from the Sky”, talvez a faixa mais lembrada do disco todo e ponto máximo do álbum, também serviu de influência para futuros músicos, sendo o Minsk os aprendizes mais bem sucedidos. Controverso em seus primeiros anos de vida, A Sun That Never Sets foi, aos poucos, ganhando status de cult entre fãs e crítica. No fim das contas, é outro acerto absurdo, mostrando que o quinteto ainda tinha capacidade criativa de sobra para colocar em suas obras.
Neurosis & Jarboe [2003]
As expectativas para o encontro entre uma das bandas mais inquietas e uma das maiores vozes da música experimental moderna eram enormes. O resultado do encontro, porém, parece não corresponder completamente a tamanha expectativa. Colocando Neurosis & Jarboe frente à frente com os trabalhos anteriores tanto de um, quanto do outro, fica claro que é um registro menor na discografia de ambos. Apesar de trazer vários experimentos sonoros com drones e noise dos discos mais famosos da Jarboe — recomendo, para dar uma contextualizada, os discos Sacrificial Cake, de 1995, e Anhedoniac, de 1998 — junto da sonoridade mais reconhecida do Neurosis (riffs distorcidos, bateria criativa e passagens atmosféricas), a impressão que as faixas passam é de que, mesmo que a união de ideias tenha sido homogênea, o produto final acabou saindo apático e sem novidades suficientes. Jarboe mostra-se em ótima forma e entrega seu costumeiro vozeirão grave, cheio de cinismo e interpretações duras. Instrumentalmente também o disco é muito bem construído e bem produzido, com uma pegada pesada e clima industrial — talvez um dos méritos é o disco ser extremamente denso e opressivo –. O grande problema mesmo reside na qualidade geral das composições. Nenhuma apresenta novidades bombásticas ou trechos que tirem o fôlego do ouvinte. Entre músicas com potencial claro, mas mal desenvolvidas (“Within”) e outras que não sabem exatamente a que vieram (“Taker”), Neurosis & Jarboe acaba como um desempenho mediano, que não incomoda em momento algum, mas que mantém vívido no ouvinte a incômoda impressão de que “poderia ter sido melhor”.
The Eye of Every Storm [2004]
O ciclo básico de toda banda de rock é característico: ter um início ainda tímido, sem muitas qualidades, mas com potencial, desenvolver sua sonoridade até chegar em seu ápice criativo, experimentar com elementos distintos — por vezes, desagradando seus fãs –, até que, finalmente, você sinta a necessidade de retornar à suas origens, ao seu som mais característico e familiar. The Eye of Every Storm é uma espécie de retorno do Neurosis a sua sonoridade mais característica, depois de dois discos onde saíram sem medo de sua zona de conforto. Diferente do que se espera deste tipo de investida, ou seja, material reciclado e abaixo do esperado, o conteúdo de The Eye of Every Storm é absurdamente acima da média. Tanto é que crítica e público não furtam-se em coloca-lo no mesmo patamar de seus maiores clássicos. Não chego a considera-lo um álbum fantástico, tanto que é que raramente o escolho quanto pretendo ouvir algo da banda. Mesmo assim, sei reconhecer suas particularidades. De cara, nota-se um som mais esparso e que deixa o lado post-rock sobressair-se frente às texturas sludge. Noto muitas semelhanças com Souls at Zero, tanto no estilo das composições, com riffs menos densos e menor utilização de elementos industriais, quanto pela atmosfera de suspense que permeia todas as faixas do disco, beneficiada pela utilização de sintetizadores Moog em algumas faixas, dando um aspecto muito particular às composições. A influência folk do A Sun That Never Sets foi deixada quase que por completo de lado. O que se tem aqui são 70 minutos de um disco seguro de suas escolhas e uma banda afiada em sua execução prática. O único ponto que me chama a atenção negativamente é o desempenho vocal de Scott Kelly. Provavelmente para dar um tom mais dramático, seus vocais não raro mostram-se com um aspecto cansado e apático frente às boas composições do disco. Em suma, The Eye of Every Storm é outro êxito crítico da banda ao conseguir reunir em suas composições todos os aspectos mais característicos de sua sonoridade, com um resultado geral acima da média.
Given to the Rising [2007]
Em nenhum outro disco a banda soou mais post-rock quanto aqui. Apesar das intensas características do estilo nos discos anteriores, vemos aqui composições descaradamente post-rock em essência e que caberiam sem maiores dificuldades em um disco do Isis, por exemplo. E isto não é um fator negativo, pois apesar de claramente a banda focar suas composições no peso e agressividade do sludge, algumas de suas composições mais célebres também apresentam um equilíbrio — em alguns casos, um domínio completo — do post-rock frente às guitarras pesadas e a brutalidade e frieza do industrial. A gravação do registro dosou melhor aquele som mais esparso do registro antecessor, dando mais destaque ao baixo de Dave Edwardson e às timbragens mais limpas de guitarras, cabendo a Noah Landis preencher os espaços das músicas com elementos de dark ambient. Apesar de estar longe da performance e faceta mais folk de A Sun That Never Sets, é com aquele disco que este aqui guarda suas boas semelhanças. “Fear and Sickness”, por exemplo, empresta traços daquela sonoridade mais melancólica para sua estrutura, obtendo resultados muito agradáveis de se acompanhar. “To the Wind”, por sua vez, vai sem dó no lado post-rock em uma faixa com passagens de sintetizadores estupendas e um clima contemplativo muito interessante — uma faixa que poderia ser enquadrada sem maiores cerimônias como uma balada, mesmo com seus contornos agressivos no meio da faixa –. Scott Kelly dessa vez convence novamente com vocais mais firmes e melhor orientados aos contornos mais contemplativos das faixas, ao contrário do que demonstrou no disco anterior. Seja por qual motivo bizarro que seja, Given to the Rising não angaria carinho semelhante quanto seus discos mais clássicos. É um disco muito acima da média, longe de ser um clássico, mas que novamente mostra que a banda ainda estava disposta a arriscar fora dos limites musicais por eles próprios impostos.
Honor Found in Decay [2012]
Aconteceria uma hora ou outra, isso era fato. Depois de discos praticamente irretocáveis, algum deslize seria cometido em algum momento. Não que Honor Found in Decay seja horrível ou que não mereça grandes atenções. É um bom registro, tem seus bons momentos, mas fica apenas nisso: entrega um material competente, mas que não empolga o suficiente para ficar marcado na memória do ouvinte. Há um retorno muito perspicaz de sonoridades mais sombrias produzidas por efeitos industriais e riffs mais distorcidos. Steve Albini novamente traz sua habilidade na produção, entregando talvez um dos resultados mais concisos se comparado aos trabalhos anteriores em que assumiu a produção. Se fosse para comparar com algum álbum anterior — mesmo que fazer isso seja um erro –, diria que sua sonoridade se encontra entre o Times of Grace e o Enemy of the Sun, mas com algumas diferenças importantes. Primeira delas: falta pegada à grande parte do disco. Por mais que as estruturas sejam familiares a quem já passou pela audição dos álbuns anteriores até este aqui, é notável que as músicas carecem de certa profundidade, e isto é um problema unica e exclusivamente da qualidade geral das composições. Por esse motivo, ouvir as características longas composições de mais de 10 minutos passou de uma experiência única ou, por vezes, contemplativa, para uma experiência enfadonha ou até mesmo entendiante. Os bons momentos ficam por conta das faixas que vão mais diretamente ao ponto, caso de “We All Rage in Gold”, ótima composição sludge com a singular habilidade da banda para criar faixas melancólicas. “Bleeding the Pigs”, por sua vez, possui todo um clima dark space — se é que isso realmente existe — em uma faixa muito agradável de se apreciar. O restante apresenta tudo aquilo que um fã de Neurosis esperaria da banda, mas de maneira um tanto apagada e por vezes previsível demais. Bom registro, mas que deve ser uma de suas últimas escolhas na hora de conhecer mais a fundo a discografia dos californianos.