domingo, 4 de setembro de 2022

Creedence Clearwater Revival – Willy and The Poor Boys (1969)


 

O quarto tomo dos Creedence Clearwater Revival, Willy and The Poor Boys, é o seu álbum mais coeso, conciliando os singles esmagadores do costume com um todo particularmente inspirado.

No ano em que o homem foi à lua os Creedence Clearwater Revival movem-se rápidos como um foguetão: aparecem no Ed Sullivan Show, são cabeças de cartaz em Woodstock e ainda arranjam tempo para publicar três belíssimos LPs, todos adorados pelo público e aclamados pela crítica. Confessamos a nossa preferência pelo último dos três, Willy and the Poor Boys.

A capa e o título do disco, remetendo-nos para o imaginário de uma jug band dos anos 20, são bem reveladores de toda a sua estética sulista de regresso às raízes. O instrumental “Poorboy Shuffle” – com toda a sua panóplia de instrumentos improvisados – é propositadamente artesanal, como se fosse tocado pelos próprios Willy and the Poor Boys, banda de esquina ficcional que dá nome ao disco.

O orelhudo single “Down on the Corner”, que ainda hoje acende pistas de dança, fala justamente dessa jug band de miúdos, espalhando felicidade no quarteirão em troca de um punhado de tostões. Toda a sua eficácia provém da simplicidade – na melodia memorável, no ritmo contagiante, nas palavras despretensiosas. O seu icónico cowbell transporta-nos de imediato para a América rural. A voz gravilhada de John Fogerty sabe a Mississippi com Alabama. Southern rock puro e duro, portanto.

Que uma banda de um subúrbio de San Francisco tenha “inventado” o southern rock tem o seu quê de ironia; mas para quem nunca se reviu na cena hippy de Haight-Ashbury – demasiado excêntrica para a sua mundivisão de homem comum – não havia outra solução se não procurar referências noutro lugar e noutro tempo: o mítico e idealizado sul profundo. Mais: os Creedence são os grandes heróis pop da working class americana. Springsteen antes do Springsteen…

O single “Down on the Corner” tem outra pérola do outro lado: a roqueira – e raivosa – “Fortunate Son”, uma das mais célebres canções de protesto da década de 60. Mais do que uma canção anti-guerra, é uma crítica aos privilégios de classe, amplificando assim a ressonância do protesto.

O rockabilly de “Don’t Look Now” – mais hillbilly do que rock – retrata a mesma consciência de classe sobre um ângulo diferente, contrastando-a com uma certa hipocrisia da contracultura, igualitária em teoria mas elitista na prática, desdenhosa do árduo trabalho manual.

O que nos leva à relação complexa e ambígua que os Creedence sempre tiveram com a contracultura, criticando as suas muitas contradições, ao mesmo tempo que não deixam de a integrar (como atestam os cabelos compridos da praxe, os joints mínimos garantidos e a sua presença em Woodstock). É essa duplicidade – os mais common people dos roqueiros cabeludos – que lhes dá um apelo tão abrangente, admirados por hippies e suburbanos ao mesmo tempo, tolerados até por rednecks…

A enérgica “It Come Out of the Sky” – rock’n’roll à Chuck Berry – é uma divertida sátira política. Cai um objecto não identificado no terreno de um agricultor, o que gera múltiplas tentativas de aproveitamento: o vice-presidente quer aumentar os impostos em Marte; a Igreja diz que é a vinda do Senhor; Reagan culpa os comunistas; a Casa Branca e o Vaticano disputam o objecto; mas no fim é o agricultor que ganha a parada, vendendo-o por dezassete milhões de dólares. O homem comum é mais esperto…

Duas canções sobre condenados têm também um subtexto vagamente político, sugerindo que o seu crime principal chama-se… pobreza. No blues rock “Feelin’ Blue” – deliciosamente sujo e hipnótico – o condenado à forca foi capturado sem qualquer mandato. Na tradicional “Midnight Special”, celebrizada por Lead Belly, os reclusos de um prisão duríssima do Texas – negros? pobres? – não vergam ainda assim: o comboio da meia-noite vem libertá-los, fingem acreditar…

Os Creedence regressam a Lead Belly com “Cotton Fields”, dando-lhe uma roupagem country da velha guarda, quase bluegrass. A recordação terna dos campos de algodão da infância omite as agruras implícitas.

Mesmo nestas duas covers, John Fogerty faz a sua magia, com arranjos originais e inspirados, e desdobrando a sua voz em bonitas harmonias vocais. John é um pequeno ditador, exigindo o monopólio sobre todo o processo criativo. A tirania surte bons efeitos a curto prazo – canções e discos maravilhosos – mas o ressentimento crescente dos outros membros iria ditar o fim da banda.

O instrumental groovy “Side O’ the Road” tem qualquer coisa de Booker T. & the M.G.s; e a sombria “Effigy” – que encerra o disco – rouba os acordes a “Hey Joe”. Quando se navega pela música das raízes, os furtos não são plágios, são homenagens.

Os Creedence não inventaram a roda. A partir de 1968, depois dos excessos psicadélicos dos dois anos anteriores, só havia um antídoto eficaz: o regresso às raízes. Foram Dylan e os The Band a dar o pontapé de saída, depois todos foram atrás, até os Beatles e os Stones. Na América, o back to the roots mais inspirado e popular foi o dos Creedence, uma máquina de singles demolidores para a rádio AM e de álbuns poderosos para as ondas FM. Willy and the Poor Boys foi o conjunto mais coeso do lote. Um pérola do southern rock vinda do norte da Califórnia…


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