terça-feira, 4 de outubro de 2022

Arto Lindsay – Mundo Civilizado (1997)


 

Mundo Civilizado é um disco totalmente sedutor. Um toque de bossa, um cheirinho a eletrónica, uma pitada de art pop jazzístico, boas canções, e está feita a festa!

Andamos na senda de álbuns com números redondos. Ou, explicando melhor, buscamos grandes discos que já se escutam há, pelo menos, um quarto de século. Sempre é uma boa maneira de lhes darmos algum destaque, uma vez que merecem muito mais do que isso. Merecem tudo, aliás. São, em muitos casos, discos que nos acompanham desde que viram a luz do dia, amigos fiéis que nos adotaram para toda a vida. Mundo Civilizado é um desses casos, e o facto de fazer vinte e cinco anos no mês de maio, acabou por ser razão bastante para voltarmos a ele com o intuito de o revelar a quem não o conhece. Talvez o nome Arto Lindsay vos diga pouco, mas não desanimem: é também para isso que fazemos serviço público, aqui no Altamont. E só isso nos interessa, a partilha do pouco que gostamos e conhecemos.

Há já algum tempo que por aqui vamos dando destaque, e por várias vezes, ao músico que nasceu em Richmond, mas que também viveu no Brasil, facto que, na nossa opinião, foi o melhor que lhe poderia ter acontecido em termos musicais. No entanto, antes de se aventurar em nome próprio, foi fundador do grupo DNA (míticos exploradores sónicos da célebre no wave), assim como dos Ambitious Lovers, juntamente com Peter Scherer. Como se não bastasse, também integrou os The Golden Palominos e os The Lounge Lizards, a par de inúmeras outras colaborações. Foi e é um extraordinário produtor. Nada mau como currículo, sobretudo para quem, sempre de guitarra a tiracolo, dela não retira mais do que sons nada convencionais. É, como se sabe, um não músico que faz música de primeira água.

Mas fixemo-nos em Mundo Civilizado, o disco saído em 1997, no ano seguinte do igualmente extraordinário O Corpo Sutil (The Subtle Body). Nele encontramos onze temas, entre os quais, três versões: “Simply Beautiful”, “Mar da Gávea” (sublime, sublime, sublime, enorme momento do disco) e “Erotic City”, de Al Green, Lucas Santtana e Prince, respetivamente. As primeiras duas são simplesmente brilhantes, e a do pequeno génio de Minneapolis não lhe fica muito atrás, embora menos conseguida. É, talvez, o elo mais fraco de todo o disco, mas cresce a cada audição. Mundo Civilizado, no entanto, é um álbum muito conciso, muito unido em termos sonoros, deambulando através de sons por vezes próximos de algum drum n’ bass, samba estilizado mas malandro, pop pouco convencional, soul e jazz. Outra das suas interessantes características é ser um disco bilingue. As línguas inglesa e portuguesa (com sotaque brasileiro) conferem-lhe alguma curiosidade, coisa que acontece, aliás, em todos os seus álbuns em nome próprio. “Mundo Civilizado”, a canção-título do trabalho, é uma parceria com Marisa Monte, sua velha conhecida, uma vez que lhe produziu ou co-produziu Mais (1991), Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão (1994), Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000) e ainda o recente Portas (2021). “Titled” é um dos grandes trunfos e melhores momentos de Mundo Civilizado, samba matreiro e gingão, ótima parceria com Caetano Veloso, outro velho amigo com quem havia trabalhado na produção de Estrangeiro (1989) e Circuladô (1991). “Horizontal” e “Pleasure” são parcerias também, a primeira com Vinícius Cantuária e Melvin Gibbs, enigmática e inquietante, a segunda apenas com Cantuária, o ex-baterista da saudosa A Outra Banda da Terra, grupo que acompanhou Caetano Veloso durante um longo e fértil período da sua carreira. É um bonito samba, mais um, este com trejeitos bem tradicionais. A referir ainda “Embassaí”, serena e bela, nostálgica e dolente, um suspiro elegante como poucos, e “Clown”, mais uma parceria com Vinícius Cantuária (a quinta em todo o disco), igualmente delicada e tranquilizante. É dessa forma que Mundo Civilizado termina.

Fica assim feito o devido elogio a um dos mais bonitos e sedutores discos de Arto Lindsay, esse músico-não instrumentista e, mesmo assim, guitarrista sempre capaz de nos maravilhar e inquietar com as suas canções. E, uma vez que o texto é laudatório, façamos bem a coisa até ao fim, propondo a audição de um percurso em três momentos: os já mencionados O Corpo Sutil (The Subtle Body), Mundo Civilizado Noon Chill (1998). Verão que a sequência é deliciosamente imbatível!

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