Rastakraut Pasta pode ser uma refeição indigesta. Mas, por outro lado, sabendo dar-lhe o tempo que merece, tornar-se-á gourmet, eventualmente, assim se molde o gosto do ouvinte aos sons que o álbum encerra. Para esses, Rastakraut Pasta será sempre um pitéu.
Julian Cope escolheu-o para constar na sua lista dos 50 melhores discos de sempre de krautrock. Se for curioso ou freguês do estilo, procure por Krautrocksampler nos ares da net e encontrará o que procura, inclusive em várias línguas. E se o incrível homem por detrás dos longínquos The Teardrop Explodes o disse, então o archdrude terá razão. Saibamos encontrar e entender esse tesouro, uma vez que nem sempre, no meio dessa meia centena de discos, os diamantes estão ao alcance de todos, sobretudo numa primeira audição. Talvez seja o que acontece com Rastakraut Pasta. Dando a devida atenção aos sete (estranhos) momentos do álbum, então tudo se tornará mais simples, mais fácil, embora não sejam nunca simples nem fáceis os seus propósitos. Estávamos no final de 1979 quando se iniciaram as gravações de Rastakraut Pasta. No início da década seguinte, o disco foi lançado pela Sky Records, uma espécie de herdeira da mítica Brain Records, editora de Hamburgo que muito fez pelo estilo que começou a emergir nos finais da década de sessenta.
Dieter Moebius, uma das duas cabeças pensantes dos alemães Cluster, uniu-se ao famoso engenheiro de som Conny Plank, e ambos decidiram aventurar-se em novos e maquinais enredos sonoros electrónicos, como não poderia deixar de ser. Estava-lhes no sangue, e o sangue criativo fervilhava, esboçando uma suave piscadela de olhos ao reggae. O Rasta do título indicia o que aqui dizemos, mas enganam-se aqueles que pensarem que esse som quente vindo da distante ilha caribenha contaminou e submergiu a frieza das máquinas alemãs. Tal coisa não aconteceu, nem sequer foi a primeira vez que essa impensável aproximação tomou lugar. Basta recordar o álbum Flow Motion, dos CAN, para percebermos que não foi inédita essa partilha sonora. Curioso, sem sombra de dúvida, é o facto de Holger Czukay, membro dessa distinta banda da cidade de Colónia, ser parte ativa de dois temas de Rastakraut Pasta.
Rastakraut Pasta é um álbum relativamente curto. Trinta e cinco minutos, e está feita a farra. Farra estranha, esquisita, singular, esquiva, pouco conforme a qualquer outra coisa existente. Talvez essa seja uma das suas grandes virtudes. Basicamente instrumental, o álbum abre com “News”, e nela ouvem-se vozes quase impercetíveis, em várias línguas, enroladas por sons que parecem desajeitados, mas que irrompem a meio desse discurso noticioso. Bem bonito, sem dúvida. Na faixa seguinte, a que dá nome ao álbum, alguma tonalidade reggae aparece (assim como também em “Missi Cacadou”), mas sempre disfarçada por camadas de outros sons e batidas avulsas. No entanto, o conjunto dessas faixas soa terrivelmente bem, e se o ouvinte conseguir aguentar o embate dessas estranhas composições, então terá uma vida um pouco mais facilitada na rodela B do vinil. Mas primeiro, há ainda que passar pelo freakout de guitarras e vozes que é “Feedback 66”, a terceira composição de Rastakraut Pasta. “Two Oldtimers” é pura magia. Hipnótica como poucas, aqui estamos em território mais amigo, lembrando passagens de Zuckerzeit (1974) ou Sowiesoso (1976), duas obras maestras do kraut alemão. “Solar Plexus” é uma paragem lunar, um instante onírico repleto de pequenos fantasmas amigos. Não assustam, antes estimulam a atenção de quem os recebe pelos ouvidos e pela cabeça. E, entretanto, quase sem darmos conta, a derradeira “Landebahn” diz-nos adeus da forma mais tranquila e gentil possível.
Uma nota final para a bonita capa do álbum, um trabalho do próprio Moebius. A edição mais recente em vinil data de 2010, e é muito fácil de encontrar nas páginas da ótima Bureau B, editora independente de Hamburgo. O seu catálogo é um luxo, assim como luxuriante é este álbum que hoje vos sugerimos.
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