sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Coldplay – Music of the Spheres (2021)


Em Music of the Spheres, os Coldplay atingem finalmente o pico do seu processo de infantilização e de estrelas do TikTok.

Há poucas bandas mais conscientes do seu rumo e do seu papel na música popular do que os Coldplay. Quando apareceram na viragem do século com o melodicamente inspirado mas algo xaroposo Parachutes, com a sua inescapável “Yellow”, eram ainda uns garotos imberbes fascinados com o que estavam a tentar fazer. Eram vagamente aborrecidos mas tinham jeito para umas canções catitas, um pouco à semelhança dos igualmente britânicos Travis, que reinavam na mesma altura. Ao disco seguinte, A Rush of Blood to the Head, já estamos perante uma banda inebriada pelo sucesso e confiante nas suas capacidades, crescendo para se tornar num mastodonte pop-rock. X&Y, de 2005, é o disco musicalmente mais conseguido da banda, não perdendo o seu toque pop mas apostando em composições mais complexas e mais ricas.

Depois disso, começa o processo de degradação de um grupo consumido pelo seu ego e em busca da sua própria relevância, que os levou a uma série de más decisões artísticas e outros tantos grandes sucessos comerciais.

Ao quinto disco, Mylo Xyloto, de 2011, o primeiro sinal sério de que algo de muito errado se estava a passar. Uma guinada “artística”, um conceito balofo e pretensioso que contaminou desde o som à imagem dos músicos, e um mergulho ao estilo tão em voga da horrível EDM. Nesse disco, a banda de Chris Martin mostrou que, no seu desespero por se manter relevante comercialmente, estava disposta a qualquer coisa, até a tornar-se numa espécie de Steve Aoki de trazer por casa.

Agora, dez anos depois e com vários discos pelo meio, os Coldplay concretizam esse caminho, em todo o seu esplendor. O objecto em causa é Music of the Spheres, que conta com uma das piores capas de sempre da história da música gravada. E o pior é que o que vem lá dentro não é melhor. Antes pelo contrário.

O sonho dos Coldplay desde há mais de uma década é ser a maior banda do planeta, uma espécie de U2 para o século XXI. Mas o “problema” não é só esse. É que os Coldplay não querem só ser a maior e mais bem sucedida banda da sua geração: querem ser a cena mais fixe e mais quente sempre, o que significa que estão agora a cantar para os filhos dos seus primeiros fãs, em 1996. O resultado disto – que já tinha sido visto em Mylo Xyloto mas sem tanta eloquência no desastre como agora – é que os Coldplay andam sempre à procura da última cena, da última moda, da última fórmula comercialmente bem sucedida. E nunca foi isto tão evidente como em Music of the Spheres.

Todo o disco é impregnado dos tiques de produção tão em voga nos dias de hoje, com vocais tratados, batidas electrónicas, excesso de truques e efeitos, numa orgia de produção que faz toda a música que se ouve na Cidade FM saber ao mesmo: é normal, foi tudo cozinhado no mesmo tacho, que nem sequer é lavado entre pratos.

Esta busca de ser relevante para os pré e adolescentes de hoje resulta nas participações de coisas como Selena Gomez ou os famosos sul-coreanos BTS, a boys band comercialmente mais bem sucedida de sempre (também anda por lá o Jacob Collier, para dar alguma credibilidade, mas deve ter ido ao engano). Juntem-se canções cujo nome é apenas um ou outro emoji, e estamos conversados.

Em termos de música, que é coisa que por aqui não abunda, temos sobretudo essa pop electrónica indistinta, entrecortada com laivos de hip-hop de pacote, que domina a rádio FM onde apresentadores jovens dizem banalidades sempre com uma voz de extraordinário entusiasmo. Há baladas soft-rock, claro, menos inspiradas que outras que os Coldplay já fizeram. Há cânticos de futebol, numa espécie de hino não oficial de um torneio de futebol para a geração woke. Há o piscar de olho óbvio a movimentos como a defesa dos direitos dos homossexuais ou do Black Lives Matter, sem os quais esta côrte aos miúdos não estaria de todo completa. E há, um pouco por todo o lado, brincadeiras de produção que o hiperactivo Chris Martins quer que nos estejam permanentemente a chamar a atenção, como uma criança irritante na Fun Zone do Colombo.

Há por lá duas ou três canções pop que são ou serão grandes sucessos de rádio/TikTok/instagram/(inserir aqui a última grande cena da moda). Para quem ouve música à procura de alma, de autenticidade ou de alguma coisa minimamente real, não há aqui nada para consumir. Mas há certamente material para danças de 30 segundos no telemóvel ou para anúncios de automóveis.

Sejamos francos: nunca ninguém esperou nem os próprios Coldplay prometiam que iam mudar o mundo. Mas é interessante ver uma banda evoluir, crescer e, até, envelhecer. Mas estes rapazes recusam-se a fazê-lo, porque não lhes basta encher facilmente qualquer estádio do planeta para plateias de trintões ou, deus os livre, quarentões. Querem ser a banda mais fixe e mais na moda de todos os momentos. E isso é, francamente, cansativo e um pouco ridículo.

Os Coldplay, com este lamentável Music of the Spheres, tornaram-se naqueles tipos mais velhos que insistem em ir “espalhar magia” à festa dos adolescentes, vestidos com os skinny jeans que não lhes ficam bem há uns bons dez anos. Chris Martin, com toda a sua filosofia oriental barata e comprada na Natura, é um Peter Pan dos tempos modernos. Recusa crescer, mas isso era capaz de lhe fazer bem.

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