Os New Order a mostrarem-se ao mundo, já libertos dos Joy Division, com uma nova face e uma nova sonoridade.
As pessoas que vivem música como as que escrevem aqui no Altamont também são pessoas e, como tal, também têm as suas falhas inexplicáveis, guilty pleasures, embirrações irracionais, amores à primeira vista, paixões assolapadas que mais ninguém entende. Há quem veja nos Gift a melhor banda portuguesa, há quem vitupere os Vampire Weekend. Há quem tenha pavor dos Queen e quem se recuse a ouvir Pink Floyd. Há quem dance e cante ABBA em casa sozinho de cuecas e quem diga que os Prodigy são a banda mais branca do Universo. Há quem desdenhe o grunge e quem só ouça música dos anos 60. A razão nem sempre é vencedora em debates de gostos musicais, e eu tenho a certeza que não conseguirei explicar a ninguém como é que só em 2018, 35 anos depois do seu lançamento, este disco me entrou pelos poros adentro.
Quiçá foi pela eletrónica envolvida na coisa, sim, pode ter sido isso. Os sintetizadores e a batida envolvida eram o antagonismo total face às guitarras que eram a lei no reino onde me fiz apreciador de música e todos sabem como sou um menino bem comportado e cumpridor das leis vigentes. Por outro lado há sempre aquela vontade em acreditar que o que está a vivenciar é melhor do que o que passado, e portanto, se me fiz apreciador de música nos anos 90, sobretudo com o grunge, há que renegar a década que veio antes, pura e simplesmente dizer que é merda sem ouvir, tal como mandaram os deuses Cobain, Vedder, Stayley, Corgan e Cornell. Assim o fiz durante uns aninhos, lealdade acima do discernimento. Mas um gajo aos quarenta ganha nova perspectiva e portanto aqui estamos, a escrever sobre New Order.
Entra o ano de 2018, no qual agarrei, devorei, me deslumbrei ao som de Power Corruption and Lies. Aquele arranque de “Age of Consent”, o baixo de Peter Hook, seguido da bateria de Stephen Morris e um pouco mais à frente a guitarra e voz de Bernard Sumner, foram várias vezes momentos de arranque de viatura para outras paragens. Normalmente as outras paragens são longe, pelo que permitem a audição do disco até aos últimos acordes da sumptuosa “Leave Me Alone”, e o que seria uma viagem pacífica transforma-se numa noitada passada numa discoteca imaginária, potencialmente a consagrada Haçienda, sem a qual esta história seria necessariamente outra (ver “24 Hour Party People”).
Indo à história, bem, a história é bem conhecida, mas não vá o leitor ser alguém mais desatento, era uma vez uns tais de Joy Division, rapazes de Manchester, que faziam umas músicas porreiras, mas que em vésperas de uma tour americana de consagração ficaram sem o seu vocalista, Ian Curtis de seu nome, figura icónica e incontornável, cuja trágica perda será para sempre lembrada. O resto da banda decidiu continuar a fazer o que sabia melhor, contratando apenas um teclista (Gillian Gilbert) e dando voz ao guitarrista, Bernard Sumner. Se no primeiro disco, Movement, ainda se notavam laivos tardios e luto pela situação filha da puta em que se encontravam, ao segundo já soltaram a franga e mostraram ao que vinham. Queriam música para passar no acima referido Haçienda, clube (pessimamente) gerido por Tony Wilson, manager da banda e da editora Factory Records.
Mas antes de haver Power Corruption and Lies houve “Blue Monday”, lançado como um 12 polegadas, e que ostenta ainda hoje o título do 12 polegadas mais vendido de sempre. Enorme canção, que rebenta qualquer pista onde passe e que trouxe aos New Order fama e glória, bem como um buraco financeiro, já que a capa desenhada para o mesmo teve um custo altíssimo e por cada edição vendida a banda e a editora perdiam dinheiro. A canção não foi incluída no disco subsequente, permanecendo como single até ao lançamento de Substance em 1987.
A discografia da banda é um caos total, havendo várias versões das mesmas músicas em compilações diferentes, álbuns que no fundo são compilações, singles que ficaram esquecidos, pelo que é difícil analisar o seu trabalho somente baseado nos álbuns propriamente ditos, mas destes há que destacar Power Corruption and Lies como um dos seus melhores. Canções como “Ultraviolence”, “5 8 6”, “Your Silent Face” foram buscar influências aos Kraftwerk e Giorgio Moroder, acrescentando à base, guitarra ,baixo e bateria que a banda tinha nos Joy Division, conseguindo libertar-se dessa herança de uma forma clara. Mas, para mim, o apogeu do disco é mesmo a sua música final, “Leave Me Alone”, possivelmente uma ode a Ian Curtis e às suas dificuldades em integrar-se socialmente (“On a thousand islands in the sea / I see a thousand people just like me”) e ao seu fim (“But for these last few days, leave me alone”).
Uma nota final para relembrar a grande festa que foi o concerto de New Order no Paredes de Coura de 2019, que pode ser visto na íntegra aqui. Peter Hook já não está lá (criou o seu projecto em nome próprio mas que serve de fachada para tocar as canções de New Order e Joy Division) mas ainda assim foi excelente. Demorei a chegar aos New Order mas em boa hora o fiz – ainda tenho o resto da vida toda para os desfrutar e ter começado com este disco, logo seguido de concerto ao vivo e a cores, no local perfeito, serve para compensar o tempo perdido.
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