sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

OS ALAMOS (3ªPARTE)


A ideia de fazer um conjunto musical de três guitarras eléctricas e bateria surgiu entre mim e Duarte Brás, caloiros acabados de chegar a Coimbra em 1961/62, eu de Angola e o Duarte dos Açores.

Conhecemo-nos na sede da AAC (Associação Académica de Coimbra), então ainda no “Palácio dos Grilos”, atrás dos “Gerais”, onde dávamos uns toques de viola na Tuna Académica e aprendíamos o acompanhamento à viola do Fado de Coimbra com o velho barbeiro da AAC.

O Duarte tocava e cantava bem músicas modernas de rock e country, por exemplo do Elvis, Paul Anka, Willie Nelson, Bob Dylan, porque na Ilha Terceira (sua terra natal) estava a Base Americana das Lajes e portanto havia muita e fácil divulgação desse tipo de música.

Comecei a acompanhá-lo nessas músicas, em dueto, improvisando os solos das mesmas. Com esse formato musical chegámos a tocar em algumas festas no Hotel Avenida durante o ano de 1962.

Com o aparecimento dos êxitos internacionais dos Shadows e Cliff Richard, Beatles, Byrds, Animals, Chats Sauvages, Chaussettes Noires, Richard Antonhy, Johnny Hallyday, Eddy Mitchell e outros do género, apercebemo-nos de que tínhamos que alargar o formato do nosso grupo e formar um conjunto que pudesse interpretar as músicas em voga desses famosos artistas.

Conversando com amigos e colegas, soube que o Nuno Figueiredo (meu colega nas Engenharias) tinha jeito para tocar bateria, além de a casa dele ter uma garagem onde podíamos ensaiar. O problema era comprar os instrumentos, amplificadores e microfones, assunto que ficou resolvido quando o pai do Nuno, entusiasmado pela ideia, se ofereceu para ser o “fiador” da compra a prestações dos instrumentos e equipamentos.

Assim nasceu o embrião do nosso conjunto, ainda “coxo” e sem nome. Faltava alguém que tocasse viola baixo e que de preferência tivesse a sua própria guitarra e alguém que cantasse músicas de baile, se possível italianas, pois estavam na moda, mas não eram do estilo do Duarte: Domenico Modugno, Pepino de Capri, Bobby Solo, Rita Pavone, Marino Marini, etc.

Já estávamos em 1963 e então soubemos que um recente caloiro das Engenharias, o Zé Veloso, tocava bem solo/ritmo/baixo e até tinha uma viola eléctrica. Era a cereja no topo do bolo que nos faltava!

Marcámos com ele uma audição na tal garagem e qual não foi o nosso espanto quando o Zé nos aparece todo convencido com a sua guitarra eléctrica “made in Ançã”: uma velha viola de cavilhas, com um auscultador de galena preso com fita adesiva à caixa, para captar o som para o amplificador.

Dispensámos o instrumento, ficámos com o Zé, arranjámos uma guitarra eléctrica emprestada e nasceu assim o conjunto a que chamámos Álamos, de início só um quarteto: guitarra-solo Luís Colaço (Phil), guitarra-ritmo e vocalista Duarte Brás, guitarra-baixo Zé Veloso e baterista Nuno Figueiredo. Juntámos ao grupo, por pouco tempo, um vocalista amigo do Nuno, “puto” de Medicina, especialista a cantar música italiana, o Zé Hermano Gouveia.

Uns meses mais tarde, ouvi um caloiro moçambicano de Engenharia, da “República dos 1000-y-onários”, o Xico Faria, cantar o “Only You”, dos Platters, com uma voz maravilhosa e um estilo sensacional. Logo aí o convidei para uma audição com os Álamos onde foi aceite por unanimidade, o que nos permitiu alargar o nosso reportório a outro tipo de música, dos Platters, Ray Charles, Elvis e outros artistas do género.

Foi esse quinteto (com o Zé Pereira à bateria em substituição do Nuno) que trouxe o nosso sucesso em Coimbra, Bailes de Finalistas do Liceu D. João III, bailes de Faculade, Baile de Gala e Chá Dançante das Queima das Fitas de 1964/65/66/67/68 e muitas outras cidades de Portugal, onde tocámos em Bailes de Finalistas de Liceus e Colégios, célebres Bailes de Carnaval de Loulé e de Torres Vedras, Bailes de Réveillon no Casino Estoril, Casino da Figueira, Casino da Póvoa, Clube de Leça, Clube da Covilhã e Pousada de Alpedrinha.

Além destes bailes e festas ainda tocámos durante um mês de verão no Hotel Savoy, do Funchal, no “Officer’s Mess Club” da Base Americana das Lajes (Açores) e com o Orferão Académico de Coimbra em várias cidades de Angola. Fizémos também “shows” na Televisão em programas dedicados à propaganda da Queima das Fitas de Coimbra.

No auge da nossa carreira tivémos a possibilidade de tocar na Suíça, numa conhecida estância turística de Inverno, mas nem sequer analisámos a proposta, pois estávamos todos em idade militar, com adiamento por motivo de estudos, e não nos seria certamente concedida licença militar para nos ausentarmos para o estrangeiro, tanto mais que havia um angolano e um moçambicano no grupo.

A partir de 1967 e até à dissolução dos Álamos em 1969 por combustão espontânea (cuja data nenhum de nós se recorda) e sem nenhuns problemas internos, houve várias mudanças no formato e no estilo musical do conjunto, que aproveitou a extinção do Conjunto Ligeiro do Orfeão Académico e do Conjunto Scoubidous, para integrar o Rui Ressurreição (órgão eléctrico), Tozé Albuquerque (piano e xilofone) e ainda Carlos Correia-Bóris (guitarra solo e vocalista, saindo Duarte Brás que formou o duo Duarte e Ciríaco). Deixaram o grupo nessa altura o Xico Faria (para a tropa) e o Zé Pereira (substituído pelo Luís Monteiro).

Para a memória e para a estória dos Álamos ficam três coisas muito importantes: uma amizade estreita e fraternal entre os seus membros que perdura até hoje; um testemunho audio de três discos em vinil de 45 r.p.m, o 1º dos quais de qualidade medíocre; um grande grupo de fiéis amigos e colegas (a nossa velha e incondicional claque de apoio de Coimbra) que periodicamente reunimos em convívio ao som de boa música dos anos 60/70, com fartas comidas e bebidas e, claro está, fados de Coimbra para encerrar, em especial a Balada da Despedida do VI ano Médico, cujo genial autor e intérprete foi Fernando Machado Soares.


SONOPLAY - SON 100.001 - 1969

Cantiga da Manhã - Canção À Maneira De Saudade, Conforme Poema De El-Rei D. Diniz - Roteiro De Lisboa - As Barcas

Poemas de Maria Teresa Horta, música de Nuno Filipe e acompanhamento dos Álamos.

Direcção e arranjos de Rui Ressurreição, técnico de som Moreno Pinto.

Ver o poema "Roteiro De Lisboa" nos comentários de "Zé Freire" .





SONOPLAY - SP 20.002 - 1969

Peter And Paul (Rui Ressurreição/I. Motta) - Flip Side (Carlos Correia)

Colaborações de JF Beaudet (engenheiro de som), Moreno Pinto (técnico de som), Carlos Guitart (direcção artística) e Carlos Fernandes (capa).

Este é o terceiro e último disco dos Álamos.



Foi a poucos metros do Teatro Gil Vicente, em Coimbra, que vi pela primeira vez tocar Carlos Paredes. Foi por alturas de 1965, numa tarde de convívio na Associação Académica de Coimbra, num espaço coberto que dava para o jardim interior.

O espectáculo tinha aberto com os Álamos. Tocámos os Chatos Selvagens, os Beatles e o mais que era repertório de um conjunto yé-yé dos anos 60, casacos de couro por cima das golas altas pretas, guitarras eléctricas em riste, gingando em uníssono à boa maneira dos Shadows, enquanto o Chico Faria cantava "The Young Ones" e as colegas punham os olhos em alvo ao som do "I Can't Stop Loving You.

Foi o sucesso do costume. Os Álamos eram mesmo um caso de popularidade.

A seguir veio o Paredes! Sem casacos negros, sem passes, sem câmaras de eco. Tocou como só ele... não há palavras! Na minha qualidade de estrela de rock and roll, senti-me pequenino, ridículo, desimportante.

A sensação de orfandade artística foi tão grande que ainda hoje me dói o recordá-la. As guitarras eléctricas tinham sido abafadas pela guitarra do Paredes!

Carlos Paredes tinha uma forma de tocar muito própria, inimitável, que infelizmente deixa pouca escola. Nem é guitarra de Coimbra nem de Lisboa. É guitarra do Paredes.

Mas a guitarra com que o Carlos Paredes tocava era uma guitarra de Coimbra feita para seu pai Artur e rejeitada por este. Diz o seu construtor que a guitarra foi rejeitada por ter tido originalmente um pequeno defeito de construção, logo reparado, que em nada lhe afectava a sonoridade ou a resistência. Mas Artur enjeitou-a... e Carlos aproveitou para fazer dela a companheira de uma vida! E que companheira...

Pessoalmente, gosto mais da música do Carlos. Os seus acordes "com assinatura", as suas dissonâncias, a sua melancolia não piegas, a sua docilidade selvagem têm o condão de me acalmar e excitar ao mesmo tempo.

Mas a guitarra de Coimbra deve muito mais ao Artur, já que foi ele o grande responsável pela configuração que o instrumento tem hoje. Foi ele que na década de 20 reinventou a guitarra de Coimbra e a emancipou da de Lisboa.

Artur Paredes queria uma guitarra capaz de produzir sonoridades que só ele antevia naquela época. Para tanto, levou o mestre João Pedro Grácio a alterar-lhe substancialmente a anatomia, ao nível do braço e da caixa de ressonância. Alterou-lhe a afinação, tornando-a mais grave. Por isso a guitarra de Coimbra afina mais baixo que a de Lisboa. Mas fez mais. Revolucionou a forma de a tocar, a técnica. E o resultado foi tal que, de instrumento essencialmente vocacionado para linhas melódicas, trinados e rodriguilhos, a guitarra de Coimbra se transformou num instrumento nobre, capaz de desenvolver acordes completos e dissonâncias muito próprias.

Diz Afonso de Sousa, guitarrista contemporâneo de Artur Paredes, que a guitarra deixou de ser tocada longitudinalmente (percorrendo-se individualmente cada corda ao longo do braço), para ser tocada transversalmente (combinando várias cordas de uma só vez, em acorde ou arpejo). E veja-se, como exemplo do seu génio, a Balada de Coimbra, uma canção que não é do Artur mas que ele transpôs para a guitarra de forma tão magistral que ninguém depois dele ousou tocá-la de forma diferente.

Mas o curioso desta história é que, à semelhança do seu filho Carlos, Artur Paredes era futrica, ainda que a Academia o considerasse como um membro seu e ele actuasse regularmente nas digressões da Tuna e do Orfeon, mesmo depois de ter ido viver para Lisboa.

No fado como no futebol, um bom futrica nunca está a mais numa equipa de estudantes.

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