A ideia de fazer um conjunto musical de três guitarras eléctricas e bateria surgiu entre mim e Duarte Brás, caloiros acabados de chegar a Coimbra em 1961/62, eu de Angola e o Duarte dos Açores.
Conhecemo-nos na sede da AAC (Associação Académica de Coimbra), então ainda no “Palácio dos Grilos”, atrás dos “Gerais”, onde dávamos uns toques de viola na Tuna Académica e aprendíamos o acompanhamento à viola do Fado de Coimbra com o velho barbeiro da AAC.
O Duarte tocava e cantava bem músicas modernas de rock e country, por exemplo do Elvis, Paul Anka, Willie Nelson, Bob Dylan, porque na Ilha Terceira (sua terra natal) estava a Base Americana das Lajes e portanto havia muita e fácil divulgação desse tipo de música.
Comecei a acompanhá-lo nessas músicas, em dueto, improvisando os solos das mesmas. Com esse formato musical chegámos a tocar em algumas festas no Hotel Avenida durante o ano de 1962.
Com o aparecimento dos êxitos internacionais dos Shadows e Cliff Richard, Beatles, Byrds, Animals, Chats Sauvages, Chaussettes Noires, Richard Antonhy, Johnny Hallyday, Eddy Mitchell e outros do género, apercebemo-nos de que tínhamos que alargar o formato do nosso grupo e formar um conjunto que pudesse interpretar as músicas em voga desses famosos artistas.
Conversando com amigos e colegas, soube que o Nuno Figueiredo (meu colega nas Engenharias) tinha jeito para tocar bateria, além de a casa dele ter uma garagem onde podíamos ensaiar. O problema era comprar os instrumentos, amplificadores e microfones, assunto que ficou resolvido quando o pai do Nuno, entusiasmado pela ideia, se ofereceu para ser o “fiador” da compra a prestações dos instrumentos e equipamentos.
Assim nasceu o embrião do nosso conjunto, ainda “coxo” e sem nome. Faltava alguém que tocasse viola baixo e que de preferência tivesse a sua própria guitarra e alguém que cantasse músicas de baile, se possível italianas, pois estavam na moda, mas não eram do estilo do Duarte: Domenico Modugno, Pepino de Capri, Bobby Solo, Rita Pavone, Marino Marini, etc.
Já estávamos em 1963 e então soubemos que um recente caloiro das Engenharias, o Zé Veloso, tocava bem solo/ritmo/baixo e até tinha uma viola eléctrica. Era a cereja no topo do bolo que nos faltava!
Marcámos com ele uma audição na tal garagem e qual não foi o nosso espanto quando o Zé nos aparece todo convencido com a sua guitarra eléctrica “made in Ançã”: uma velha viola de cavilhas, com um auscultador de galena preso com fita adesiva à caixa, para captar o som para o amplificador.
Dispensámos o instrumento, ficámos com o Zé, arranjámos uma guitarra eléctrica emprestada e nasceu assim o conjunto a que chamámos Álamos, de início só um quarteto: guitarra-solo Luís Colaço (Phil), guitarra-ritmo e vocalista Duarte Brás, guitarra-baixo Zé Veloso e baterista Nuno Figueiredo. Juntámos ao grupo, por pouco tempo, um vocalista amigo do Nuno, “puto” de Medicina, especialista a cantar música italiana, o Zé Hermano Gouveia.
Uns meses mais tarde, ouvi um caloiro moçambicano de Engenharia, da “República dos 1000-y-onários”, o Xico Faria, cantar o “Only You”, dos Platters, com uma voz maravilhosa e um estilo sensacional. Logo aí o convidei para uma audição com os Álamos onde foi aceite por unanimidade, o que nos permitiu alargar o nosso reportório a outro tipo de música, dos Platters, Ray Charles, Elvis e outros artistas do género.
Foi esse quinteto (com o Zé Pereira à bateria em substituição do Nuno) que trouxe o nosso sucesso em Coimbra, Bailes de Finalistas do Liceu D. João III, bailes de Faculade, Baile de Gala e Chá Dançante das Queima das Fitas de 1964/65/66/67/68 e muitas outras cidades de Portugal, onde tocámos em Bailes de Finalistas de Liceus e Colégios, célebres Bailes de Carnaval de Loulé e de Torres Vedras, Bailes de Réveillon no Casino Estoril, Casino da Figueira, Casino da Póvoa, Clube de Leça, Clube da Covilhã e Pousada de Alpedrinha.
Além destes bailes e festas ainda tocámos durante um mês de verão no Hotel Savoy, do Funchal, no “Officer’s Mess Club” da Base Americana das Lajes (Açores) e com o Orferão Académico de Coimbra em várias cidades de Angola. Fizémos também “shows” na Televisão em programas dedicados à propaganda da Queima das Fitas de Coimbra.
No auge da nossa carreira tivémos a possibilidade de tocar na Suíça, numa conhecida estância turística de Inverno, mas nem sequer analisámos a proposta, pois estávamos todos em idade militar, com adiamento por motivo de estudos, e não nos seria certamente concedida licença militar para nos ausentarmos para o estrangeiro, tanto mais que havia um angolano e um moçambicano no grupo.
A partir de 1967 e até à dissolução dos Álamos em 1969 por combustão espontânea (cuja data nenhum de nós se recorda) e sem nenhuns problemas internos, houve várias mudanças no formato e no estilo musical do conjunto, que aproveitou a extinção do Conjunto Ligeiro do Orfeão Académico e do Conjunto Scoubidous, para integrar o Rui Ressurreição (órgão eléctrico), Tozé Albuquerque (piano e xilofone) e ainda Carlos Correia-Bóris (guitarra solo e vocalista, saindo Duarte Brás que formou o duo Duarte e Ciríaco). Deixaram o grupo nessa altura o Xico Faria (para a tropa) e o Zé Pereira (substituído pelo Luís Monteiro).
Para a memória e para a estória dos Álamos ficam três coisas muito importantes: uma amizade estreita e fraternal entre os seus membros que perdura até hoje; um testemunho audio de três discos em vinil de 45 r.p.m, o 1º dos quais de qualidade medíocre; um grande grupo de fiéis amigos e colegas (a nossa velha e incondicional claque de apoio de Coimbra) que periodicamente reunimos em convívio ao som de boa música dos anos 60/70, com fartas comidas e bebidas e, claro está, fados de Coimbra para encerrar, em especial a Balada da Despedida do VI ano Médico, cujo genial autor e intérprete foi Fernando Machado Soares.
Cantiga da Manhã - Canção À Maneira De Saudade, Conforme Poema De El-Rei D. Diniz - Roteiro De Lisboa - As Barcas
Poemas de Maria Teresa Horta, música de Nuno Filipe e acompanhamento dos Álamos.
Direcção e arranjos de Rui Ressurreição, técnico de som Moreno Pinto.
Ver o poema "Roteiro De Lisboa" nos comentários de "Zé Freire" .
Peter And Paul (Rui Ressurreição/I. Motta) - Flip Side (Carlos Correia)
Colaborações de JF Beaudet (engenheiro de som), Moreno Pinto (técnico de som), Carlos Guitart (direcção artística) e Carlos Fernandes (capa).
Este é o terceiro e último disco dos Álamos.
O espectáculo tinha aberto com os Álamos. Tocámos os Chatos Selvagens, os Beatles e o mais que era repertório de um conjunto yé-yé dos anos 60, casacos de couro por cima das golas altas pretas, guitarras eléctricas em riste, gingando em uníssono à boa maneira dos Shadows, enquanto o Chico Faria cantava "The Young Ones" e as colegas punham os olhos em alvo ao som do "I Can't Stop Loving You.
Foi o sucesso do costume. Os Álamos eram mesmo um caso de popularidade.
A seguir veio o Paredes! Sem casacos negros, sem passes, sem câmaras de eco. Tocou como só ele... não há palavras! Na minha qualidade de estrela de rock and roll, senti-me pequenino, ridículo, desimportante.
A sensação de orfandade artística foi tão grande que ainda hoje me dói o recordá-la. As guitarras eléctricas tinham sido abafadas pela guitarra do Paredes!
Carlos Paredes tinha uma forma de tocar muito própria, inimitável, que infelizmente deixa pouca escola. Nem é guitarra de Coimbra nem de Lisboa. É guitarra do Paredes.
Mas a guitarra com que o Carlos Paredes tocava era uma guitarra de Coimbra feita para seu pai Artur e rejeitada por este. Diz o seu construtor que a guitarra foi rejeitada por ter tido originalmente um pequeno defeito de construção, logo reparado, que em nada lhe afectava a sonoridade ou a resistência. Mas Artur enjeitou-a... e Carlos aproveitou para fazer dela a companheira de uma vida! E que companheira...
Pessoalmente, gosto mais da música do Carlos. Os seus acordes "com assinatura", as suas dissonâncias, a sua melancolia não piegas, a sua docilidade selvagem têm o condão de me acalmar e excitar ao mesmo tempo.
Mas a guitarra de Coimbra deve muito mais ao Artur, já que foi ele o grande responsável pela configuração que o instrumento tem hoje. Foi ele que na década de 20 reinventou a guitarra de Coimbra e a emancipou da de Lisboa.
Artur Paredes queria uma guitarra capaz de produzir sonoridades que só ele antevia naquela época. Para tanto, levou o mestre João Pedro Grácio a alterar-lhe substancialmente a anatomia, ao nível do braço e da caixa de ressonância. Alterou-lhe a afinação, tornando-a mais grave. Por isso a guitarra de Coimbra afina mais baixo que a de Lisboa. Mas fez mais. Revolucionou a forma de a tocar, a técnica. E o resultado foi tal que, de instrumento essencialmente vocacionado para linhas melódicas, trinados e rodriguilhos, a guitarra de Coimbra se transformou num instrumento nobre, capaz de desenvolver acordes completos e dissonâncias muito próprias.
Diz Afonso de Sousa, guitarrista contemporâneo de Artur Paredes, que a guitarra deixou de ser tocada longitudinalmente (percorrendo-se individualmente cada corda ao longo do braço), para ser tocada transversalmente (combinando várias cordas de uma só vez, em acorde ou arpejo). E veja-se, como exemplo do seu génio, a Balada de Coimbra, uma canção que não é do Artur mas que ele transpôs para a guitarra de forma tão magistral que ninguém depois dele ousou tocá-la de forma diferente.
Mas o curioso desta história é que, à semelhança do seu filho Carlos, Artur Paredes era futrica, ainda que a Academia o considerasse como um membro seu e ele actuasse regularmente nas digressões da Tuna e do Orfeon, mesmo depois de ter ido viver para Lisboa.
No fado como no futebol, um bom futrica nunca está a mais numa equipa de estudantes.
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