O amor dos Black Keys aos blues, em 11 covers a tresandar, no bom sentido, ao delta do Mississippi
Para onde ir quando já se foi mais longe do que alguma vez se havia imaginado? Esta é uma das questões que podemos usar para tentar situar onde estão hoje em dia os Black Keys, que em vinte anos de carreira e ao longo de dez discos já foram bluesmen puristas, rockers sulistas, nova esperança indie ou fazedores de hinos mainstream com El Camino, de 2011, e o seu omnipresente “Lonely Boy”.
Não sabemos se para responder ao enérgico album anterior – Let’s Rock (2019) – ou aos números redondos de duas décadas de carreira, o décimo disco do duo (Dan Auerbach na voz e guitarra e Patrick Carney na bateria) decide olhar para trás, mesmo para a origem. A origem da banda, claro, mas também a origem do próprio rock n roll: os blues eléctricos. Delta Kream surge assim com muito pouco espalhafato para uma banda que enche estádios com facilidade: são onze covers de clássicos de blues do delta do Mississippi, sem qualquer tema que possa ser um óbvio single de sucesso, gravados ao longo de duas sessões que, durante um fim de semana, não ultrapassaram um total de dez horas de gravação.
Delta Kream é marcado pela sombra de dois homens, e não são os Black Keys. RL Burnside e Junior Kimbrough compuseram sete dos 11 temas, e trazem a curiosidade de não serem necessariamente figuras tutelares do blues clássico, tendo conhecido mais popularidade nos anos 90 e já depois de longuíssimas carreiras, quando os jovens Auerbach e Carney andavam a aprender a tocar. No caso de Kimbrough, os Black Keys já haviam feito várias versões de músicas suas, aliás. E as ligações não ficam aí. Para compor a “banda” para esta gravações, foram convidados Eric Deaton, baixista da banda de Kimbrough, e Kenny Brown, o guitarrista do conjunto de RL Burnside.
É este o quarteto que, no estúdio caseiro de Auerbach, em Nashville, se atirar a temas que, para todos os músicos, são território não apenas familiar, mas sagrado. O resultado é extremamente orgânico e satisfatório, nunca soando a uma banda moderna a fazer uma cópia de clássicos dos blues. Ao longo desta hora de música, somos transportados para um qualquer bar de blues numa beira de estrada, em cujo palco homens abençoados mais com talento do que com sorte tocam para afugentar os seus problemas. O tempo é quase sempre lento, mas não arrastado, com os licks de guitarra e o baixo expressivo de Deaton a manter sempre um flow constante e envolvente. Como se o próprio Mississippi passasse à porta do dito bar, lenta mas inexoravelmente, sempre em frente.
Delta Kream é um excelente disco de blues, ao mesmo tempo contemporâneo e clássico, com a sua textura e a sua quente temperatura a recomendarem que seja consumido por inteiro, deixando a música insinuar-se até nos conquistar.
Este disco não trará um único novo fã aos Black Keys, mas claramente esse não foi o objectivo. Pode, curiosamente, desiludir quem andar ainda à espera de um El Camino parte 2 ou até, em sentido contrário, reconciliar a banda com os fãs dos discos mais antigos e mais fiéis à sua raiz blues.
Mas o melhor é esquecer o resto, e disfrutar de Delta Kream pelo que é: uma bela companhia, sem pretensões que não sejam homenagear a origem, curtir tocar estes temas e deixar-nos uma hora de verdadeiro suor do blues americano.
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