quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

10 discos essenciais: Elis Regina



Elis Regina Carvalho Costa nasceu em Porto Alegre, filha de Romeu Costa e Ercy Carvalho Costa. Durante boa parte da sua infância e adolescência, Elis morou com seus pais e o irmão caçula na Vila do IAPI, bairro operário da capital gaúcha. A partir dos sete anos, Elis dividiu as atividades escolares com as suas primeiras apresentações nas emissoras rádios de Porto Alegre. Em 1958, aos 13 anos de idade, assinou o seu primeiro contrato profissional com a Rádio Gaúcha para se apresentar no programa de Maurício Sobrinho.

Aos 16 anos, em 1960, foi ao Rio de Janeiro gravar o seu primeiro álbum, Viva A Brotolândia, pela gravadora Continental. Voltado para o público adolescente e recheado de rocks juvenis inspirados no estilo de Celly Campello (1942-2003), o disco foi um fracasso comercial. Sucedem-se mais três álbuns, Poema de Amor, pela Continental, Ellis Regina e O Bem do Amor, os dois últimos pela CBS. Assim como o primeiro disco, esses três não causaram nenhuma repercussão.

Embora tivesse quatro álbuns no currículo, a carreira de Elis ainda não deslanchara como ela queria. Seus discos foram gravados no Rio de Janeiro, mas Elis ainda residia na sua cidade natal. Elis percebeu que se quisesse ver a sua carreira dar um salto, a solução seria mudar-se para o Rio de Janeiro, lugar onde estavam as grandes gravadoras e a grande imprensa.

Foi então que em março de 1964, acompanhada do pai, Elis deixou Porto Alegre e partiu para o Rio de Janeiro, onde desembarcou no dia em que aconteceu o Golpe Militar que derrubou o presidente João Goulart (1919-1976). No Rio, Elis apresentou-se nas principais boates do famoso Beco das Garrafas, onde conhece figuras influentes do cenário musical carioca como Luis Carlos Miele (1938-2015), Ronaldo Bôscoli (1928-1994), Dom Salvador e Chico Batera. Ao mesmo tempo, frequenta programas de televisão como o do ator Paulo Gracindo (1911-1995), na TV Rio.

O ano de 1965 foi bastante produtivo para Elis Regina. Ela lança no início do ano Samba Eu Canto, seu primeiro álbum pela gravadora Philips e o primeiro disco da cantora a ganhar repercussão. A jovem cantora participa do I Festival de Música Popular Brasileira, da TV Excelsior, com a canção “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes. No mesmo ano Record, Elis Regina e Jair Rodrigues estreiam o programa O Fino da Bossa, na TV Record. O sucesso da dupla se estende nos discos: Elis e Jair lançam juntos três álbuns nos dois anos seguintes.

Em 1967, Elis Regina organiza em São Paulo, a polêmica “Marcha Contra a Guitarra Elétrica”, que tinha como objetivo, defender a música brasileira da invasão de influências musicais estrangeiras. Artistas como Geraldo Vandré, Zé Keti, Jair Rodrigues, Edu Lobo, Chico Buarque e até mesmo Gilberto Gil, também participaram da marcha.

Ainda em 1967, Elis se casa com o compositor e produtor musical Ronaldo Bôscoli. Desse casamento, nasce em 1970 o primeiro e único filho casal, João Marcelo Bôscoli.

No ano seguinte, em 1968, Elis Regina se apresenta no MIDEM (Mercado Internacional de Discos e Edições Musicais), em Cannes, abre-lhe as portas para oportunidades no exterior. Um ano depois, a cantora se apresenta mais uma vez no MIDEM. Durante a sua passagem pela Europa, Elis dois álbuns, Elis in London (na Inglaterra) e Elis & Toots (na Suécia), este último gravado com o gaitista belga Toots Thielemans (1922-2016).

A consagração de Elis Regina vem na década seguinte. O álbum Em Pleno Verão (1970), produzido por Nelson Motta, inicia um processo de transição que irá ampliar o arco musical de Elis, afastando a cantora da sua postura radical e nacionalista da década anterior, e a aproxima de novas referências musicais como soul music e o rock, o que só irá enriquecer a bagagem musical da artista conhecida não apenas pela voz inigualável, como também pela capacidade de interpretar canções nos mais diversos estilos. 

Os anos 1970 verão Elis lançar álbuns de uma qualidade artística e técnica fantásticas, como o aclamado Elis & Tom (1974), gravado por Elis em dueto com Antônio Carlos Jobim (1927-1994), e que traz a antológica “Águas de Março”. Enquanto isso, na sua vida particular, Elis separa-se de Ronaldo Bôscoli em 1972. Um ano depois, casa-se com o pianista César Camargo Mariano, músico de sua banda e com o qual terá dois filhos, Pedro Camargo Mariano e Maria Rita.

Em 1976, Elis lança outro disco avassalador, Falso Brilhante, álbum recheado de canções fantásticas como “Fascinação”, “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais”, as duas últimas de Belchior (1946-2017), que na voz de Elis, apresentou o cantor e compositor cearense ao mundo. No final da década, Elis Regina emociona o Brasil com “O Bêbado e a Equilibrista”, canção que virou o Hino da Anistia e que está presente no ótimo disco Essa Mulher, de 1979.

Em 1980, Elis estreia o show Saudade do Brasil, que irá render o álbum duplo de mesmo nome, e que contém canções gravadas em estúdio baseadas no repertório do espetáculo. No final do mesmo ano, Elis Regina lançou mais um álbum, Elis, pela EMI-Odeon, e o último que lançou em vida. Em 1981, Elis Regina separa-se de César Camargo Mariano, e inicia no mesmo ano um romance com o advogado Samuel Mac Dowell.

A carreira de Elis Regina foi interrompida em 19 de janeiro de 1982, quando seu namorado a encontrou caída no apartamento em que reidia, em São Paulo. Ela foi levada às pressas para o hospital, mas infelizmente chegou sem vida. A causa da morte teria sido uma overdose provocada pela mistura de cocaína e bebida alcoólica.

Abaixo, confira dez discos essenciais da discografia de Elis Regina.


Em Pleno Verão (Philips, 1970). Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, a música brasileira passava por uma grande transformação. Referências musicais estrangeiras como soul music, funk e rock eram somados ao nosso caldeirão musical, e isso já se fazia notado nos trabalhos de vários artistas como Roberto Carlos, Jorge Ben e Erasmo Carlos, por exemplo. Foi percebendo isso que ao produzir Em Pleno Verão, Nelson Motta pretendeu atualizar o trabalho de Elis Regina, afastando-a do radicalismo nacionalista que ela havia abraçado na década anterior. Embora conserve alguns traços das experiências dos discos anteriores, Em Pleno Verão foi uma espécie de disco de transição que já apresenta novas referências no trabalho de Elis. E neste caso específico, vale ressaltar a importância do papel do maestro e arranjador Erlon Chaves (1933-1974) neste disco. Elis faz incursão na soul music através das faixas “As Curvas da Estrada de Santos” (de Roberto e Erasmo Carlos) e “These Are The Songs”, esta última, em dueto com Tim Maia, autor da canção. Outro destaque do álbum é o samba “Vou Deitar E Rolar (Quaquaraquaqua)” (de Baden Powell e Paulo César Pinheiro) trazendo Elis Regina numa interpretação sensacional e divertida.

Ela (Philips, 1971). O processo de modernização no trabalho de Elis iniciado no álbum anterior prossegue em Ela, nono álbum de estúdio da cantora gaúcha. O flerte de Elis com a soul music americana persiste com “Black is Beautiful” (Marcos Valle - Paulo Sérgio Valle), canção que valeu à cantora a acusação por parte da ditadura militar de estar envolvida com o movimento dos panteras negras dos Estados Unidos. A canção “Ela”, composta por César Costa Filho e Aldir Blanc, e que dá nome ao álbum trata através de versos belíssimos sobre a solidão de uma mulher no seu apartamento. O álbum contém regravações sensacionais como “Cinema Olympia”(Caetano Veloso), “Golden Slumbers” (John Lennon – Paul McCartney) e uma versão agradável de “Estrada de Sol” (Antônio Carlos Jobim – Dolores Duran). Mas sem sombra de dúvidas, o grande destaque do álbum Ela é de longe o sambalanço de “Madalena” (Ivan Lins – Roberto Monteiro), canção através da qual Elis deu visibilidade a um Ivan Lins em início de carreira.


Elis (Philips, 1972). Primeiro álbum de Elis Regina após separar-se de Ronaldo Bôscoli, e ao mesmo tempo, marca a estreia do tecladista César Camargo Mariano, futuro marido da cantora. A partir deste disco, César Camargo passa a ser responsável pelos arranjos dos discos de Elis Regina. Em “Atrás da Porta”, Elis mostra toda uma carga dramática condizente com a letra escrita por Chico Buarque e Francis Hime. Com a bucólica “Casa do Campo”, de Zé Rodrix, Elis ajudou a dar visibilidade ao chamado rock rural, vertente roqueira brasileira que cruzava a música de raiz dos rincões do Brasil com folk rock. “20 Anos Blues”é um blues com traços jazzístico que mostra Elis cantando com grande desenvoltura  o gênero musical americano, sem abrir mão do estilo brasileiro de cantar. Elis, o álbum ainda contém “Nada Será como Antes” e “Cais”, ambas de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.

Elis
 & Tom (Philips, 1974). A gravadora Philips havia decidido um presente bastante especial a Elis pelos seus dez anos na companhia: gravar um disco com Antônio Carlos Jobim. O álbum foi gravado num estúdio em Los Angeles, nos Estados Unidos. A princípio, o disco tinha tudo pra dar errado por causa das implicações de Tom Jobim, fosse com os músicos da banda de Elis Regina, fosse com o próprio César Camargo. Apesar da tensão inicial, acabou o processo d gravação, e gerou verdadeiras pérola da música popular brasileira como as faixas “Águas de Março” (que Elis havia gravado no seu álbum anterior, mas sem grande repercussão), “Só Tinha de Ser Com Você” e “Inútil Paisagem”.

 

Elis 
(Philips, 1974). No mesmo ano que saiu Elis& Tom, foi lançado também este álbum, Elis, mais um que leva o nome da cantora. Neste álbum, Elis faz uma releitura bastante particular e intimista de “Travessia” (Milton Nascimento – Fernando Brant). “Ponta de Areia”, possui um andamento lento e arrastado, privilegiando a voz de Elis Regina. O samba “Amor Até O Fim” (Gilberto Gil), impressiona o emprego da guitarra e do baixo elétrico. Mas são duas canções da dupla Aldir Blanc e João Bosco que ganharam fama com Elis, o bolero “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, e o samba “O Mestre Sala dos Mares”, uma homenagem João Cândido (1880-1969), líder da Revolta da Chibata, um movimento de protesto promovido por marinheiros no Rio de Janeiro, em 1910.

 

Falso Brilhante
 (Philips, 1976), Elis Regina. No final de 1975, Elis Regina estreava no Teatro Bandeirantes, em São Paulo, o espetáculo Falso Brilhante, o qual contava a história da cantora gaúcha, desde o início da sua carreira até o alcance da fama. Motivada pelo sucesso do espetáculo, Elis gravou o álbum de estúdio Falso Brilhante. Elis selecionou dez músicas das pouco mais de quarenta canções do repertório do espetáculo para o álbum. Em Falso Brilhante, Elis mesclou compositores consagrados com outros pouco conhecidos até então. Foi através deste álbum que o compositor Belchior ganhou visibilidade através de “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida” em interpretações arrasadoras de Elis. “Fascinação”, “Quero”, “Gracias A La Vida” e “Tatuagem” são outros bons momentos do álbum.


Elis
 (Philips, 1977), Elis Regina. Este álbum teve a difícil missão de suceder o aclamado Falso Brilhante. O disco conta com a participação especial de convidados ilustres como a de Milton Nascimento em “Morro Velho” tocando violão ovation, e em “Caxangá, com o mesmo instrumento citado e também com uma viola de dose cordas. Falando em “Caxangá”, esta canção foi composta especialmente para Elis. Ivan Lins aparece tocando piano acústico e fazendo vocais de apoio em “Qualquer Dia” e “Cartomante”. Mas a faixa mais famosa deste álbum é “Romaria”, escrita por Renato Teixeira, e que virou um clássico do cancioneiro brasileiro na voz de Elis Regina.


Essa Mulher (Warner, 1979), Elis Regina. O álbum Essa Mulher marca a estreia de Elis Regina na gravadora Warner, recém instalada no Brasil. Começa “Cai Dentro” (Baden Powell), um samba animadíssimo, cheio de naipe de metais e que traz também o toque refinado do piano de César Camargo Mariano. A faixa que dá nome ao disco, é uma bela canção romântica composta por Joyce, e que traz uma reflexão sobre a experiência e o desafio da mulher no casamento, onde ela tem que ser uma esposa dedicada e ao mesmo tempo sexualmente atraente para o marido. No lindo samba-canção “Basta de Clamares Inocência”, de Cartola, Elis canta as dores de quem sofreu de amor por alguém que não valia nada. Elis está impecável na romântica “Altos e Baixos”, de Suely Costa e Aldir Blanc. Como em todo disco de Elis, há sempre uma canção arrebatadora, e a do disco Essa Mulher é “O Bêbado e a Equilibrista”, composta por  João Bosco e Aldir Blanc, canção que a princípio, era uma homenagem ao personagem Carlitos, Charles Chaplin (1889-1977), mas que acabou ganhando um outro significado, e virou o hino pela liberdade e contra a ditadura militar.

Saudade do Brasil (Warner, 1980). Primeiro e único álbum duplo de estúdio de Elis Regina, Saudade do Brasil traz versões gravadas em estúdio de canções que fizeram parte do espetáculo de mesmo nome que Elis Reginou apresentou naquele ano de 1980, no Canecão, no Rio de Janeiro. Dentre as canções do repertório, destacam-se versões fantásticas na voz de Elis Regina para “Maria Maria” e “Canção da América”, ambas de Milton Nascimento e Fernando Brant, e “Alô, Alô Marciano, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, esta última, uma das músicas mais tocadas nas programações de rádio no Brasil em 1980. 



Elis (EMI-Odeon, 1980). Quando deixou a Philips, em 1977, Elis assinou contrato com duas gravadoras, a EMI-Odeon e a Warner, mas a cantora acabou optando em migrar para Warner, deixando a EMI-Odeon a ver navios. Assim que terminou contrato com Warner, após Saudade do Brasil, a EMI cobrou de Elis o disco que ela devia. A cantora prometeu e cumpriu o trato com este álbum, que embora gravado num prazo curto, resultou num trabalho simples, mas muito bem acabado. Faixas como o funk pop “Aprendendo a Jogar” (Guilherme Arantes), “O Trem Azul” (Lô Borges e Ronaldo Bastos) e “Vento de Maio” (Telo borges e Márcio Borges), são as mais conhecidas do disco. Nomeado Elis, o disco tem uma inclinação pop e dava indícios de qual direcionamento musical Elis poderia ter tomado na década de 1980, caso não tivesse morrido em janeiro de 1982.


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