quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

“O Concreto Já Rachou” (EMI-Odeon, 1987), Plebe Rude

 


Em meados dos anos 1980, uma geração de bandas provenientes de Brasília começa a aparecer nas paradas radiofônicas de todo o Brasil, e racha o protagonismo de paulistas e cariocas no cenário roqueiro brasileiro. Bandas como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, Finis Africae, Detrito Federal entre outras, põem Brasília no mapa do rock brasileiro e mostram que a capital federal não era apenas o centro do poder que comanda o Brasil.

Mas essa projeção nacional que as bandas brasilienses tiveram não foi obra do acaso e muito menos foi pressão de algum grupo político sobre as gravadoras, muito pelo contrário. Foi consequência de um movimento de rock na capital federal que começou por volta de 1977, quando surgiu a primeira banda punk brasiliense, a Aborto Elétrico, e que no seu rastro, seguiram outras dezenas de bandas punks em Brasília. A partir da Aborto Elétrico, por exemplo, surgiram a Legião Urbana e Capital Inicial que mais tarde se tornariam bandas de rock famosas no Brasil.

A Plebe Rude foi uma de tantas bandas que surgiram na ebulição punk brasiliense. O grupo foi formado em Brasília em 1981, com Philippe Seabra (voz e guitarra solo), Jander Bilaphra (voz e guitarra base), André X (baixo) e Gutje Woortman (bateria). Depois de tocar nos principais locais do circuito de rock de Brasília, a Plebe Rude fez em setembro de 1982 a sua primeira apresentação fora do Distrito Federal, num festival de rock na cidade de Pato de Minas, estado de Minas Gerais. Quem abriu o show da Plebe Rude foi outra banda de Brasília, a recém criada Legião Urbana. Logo após as apresentações, os membros das duas bandas foram presos pela polícia por causa das letras contestatórias das músicas que tocaram, “Voto em Branco” (Plebe Rude) e “Música Urbana 2” (Legião Urbana). Porém, depois que soube que a duas bandas eram de Brasília, a polícia soltou os músicos temendo que aqueles jovens fossem filhos de políticos.

Entre 1983 e 1985, a Plebe Rude partiu para o sudeste onde foi tentar a sorte. A banda tocou em casas noturnas de Rio de Janeiro e São Paulo. Nessa época, os membros da Plebe Rude conhecem Herbert Vianna, vocalista e guitarrista dos Paralamas do Sucesso, banda que estava no topo das paradas de rádio graças ao álbum O Passo do Lui (1984). Através do apoio de Herbert, a Plebe Rude assina contrato com EMI-Odeon, mesma gravadora da qual os Paralamas faziam parte.

Plebe Rude no início da carreira, da esquerda para a direita: Jander Bilaphra,
Phillipe Seabra, André X e Gutje Woortmann.



E foi o próprio Herbert Vianna quem produziu o primeiro álbum da Plebe Rude, intitulado O Concreto Já Rachou, lançado em fevereiro de 1986. O álbum foi lançado pela EMI como mini-LP, um formato de 12 polegadas que a gravadora havia adotado, que continha poucas músicas e que deveria ser vendido a um preço menor que a de um LP convencional. Para esse formato, a EMI lançou álbuns de novas bandas como Zero, Lado B, Muzak e Finis Africae. No entanto, o que se viu foram lojas espertamente vendendo esses discos como LP comum.

Embora se trate de um disco de punk rock, O Concreto Já Rachou é um trabalho que musicalmente concilia simplicidade e sofisticação. As letras são bem construídas e fogem dos versos panfletários tão comuns em algumas bandas punks brasileiras. O tema das canções em sua maioria gira em torno de política, censura e desigualdade social. Contudo, os membros da banda eram bem nascidos, e que assim como os integrantes de outras bandas de Brasília, os integrantes da Plebe Rude, eram filhos de diplomatas e de funcionários públicos de alto gabarito.

O álbum começa com o maior sucesso da carreira da Plebe Rude, “Até Quando Esperar”, cuja introdução traz um som de violoncelo, instrumento nada comum no punk rock, e que é tocado nesta música pelo violoncelista Jaques Morelenbaum. A letra de versos fortes e alto teor político, traça uma crítica à desigualdade social brasileira e prega que a “plebe” (o povo) não deve esperar pela ajuda divina, mas ela mesma mudar essa situação opressora. A faixa estourou nas paradas de rádios de todo o Brasil e ganhou grande identificação por parte do público jovem.

“Proteção”, a faixa seguinte, também ganhou grande execução nas rádios brasileiras. Assim como as outras músicas do álbum, “Proteção” foi escrita quando o Brasil já estava na reta final da ditadura militar. A música retrata como o autoritarismo faz uso de forças públicas como a polícia, para oprimir aqueles que pensam diferente usando como justifica uma suposta segurança ao cidadão. Na verdade, é garantir os interesses do autoritarismo em se manter no poder.

Embora não tenha alcançado a mesma popularidade de “Até Quando Esperar” e “Proteção”, “Johnny Vai À Guerra (Outra Vez)” chegou a ter uma popularidade modesta. O título foi tomado emprestado de um título de um filme do diretor Dalton Thumb (1905-1976), Johnny Got His Gun, de 1971, que no Brasil se chamou exatamente Johnny Vai À Guerra. Nesta música, Phillipe Seabra canta a ilusão de um jovem que ingressa nas Forças Armadas para lutar em guerras estúpidas e mal sabe se voltará vivo.

O ator Timothy Bottoms numa cena do filme Johnny Got His Gun, no Brasil foi
Johnny Vai À Guerra. Filme inspirou a Plebe Rude a compor a música
"Johnny Vai À Guerra (Outra Vez)".

“Minha Renda” abre o lado B de O Concreto Já Rachou, e faz uma crítica carregada de ironia a artistas que se vendem em troca de fama e dinheiro, pouco se importando com a música. Escrita pela Plebe Rude quando a banda estava em início de carreira, “Minha Renda” traz um verso que é uma provocação a Herbert Vianna, citando o cantor dos Paralamas do Sucesso como um artista “vendido”: “Eles trocam minhas letras, mudam a harmonia / No compacto está escrito que a música é minha / Já sei o que vou fazer pra ganhar muita grana / Vou mudar meu nome para Herbert Vianna”. Mal sabia a Plebe Rude que cerca de dois anos depois, era justamente Herbert Vianna quem viabilizaria a contração da banda pela EMI e que ele seria o produtor do primeiro disco do quarteto. E o mais interessante: apesar da provocação, Herbert fez questão que banda mantivesse o verso provocativo a ele mesmo.

A próxima faixa, “Sexo E Caratê”, é a menos interessante do disco. É um punk rock de ritmo veloz, “claustrofóbico”, com uma leve aproximação à new wave. Os versos tratam sobre a programação entediante e de um romance desencontrado via ligação telefônica. Quem faz participação especial é Fernanda Abreu, que na época, ainda era integrante da Blitz.  

“Seu Jogo” possui uma das melhores letras do álbum. Fala sobre drogas e de como o indivíduo viciado se torna um “refém” delas. Destaque fica para o naipe de metais, que conta com a participação de George Israel, do Kid Abelha, tocando o seu inconfundível saxofone.

“Brasília” é um tributo que a Plebe Rude presta à cidade natal do quarteto. A letra descreve a capital federal, o seu cotidiano e seus costumes. Phillipe Seabra e Jander Bilaphra se dividem no canto e contracanto.

Apoiado no sucesso radiofônico de “Até Quando Esperar” e “Proteção”, O Concreto Já Rachou teve um sucesso comercial surpreendente para um disco de punk rock. O álbum vendeu 200 mil cópias. O disco seguinte, Nunca Fomos Tão Brasileiros, não repetiu o sucesso do álbum anterior, mas emplacou pelo menos dois sucessos, “Censura” e “Nunca Fomos Tão Brasileiros”.

Faixas

Lado A

1 - "Até Quando Esperar" (André X/Gutje/Philippe Seabra)

2 - "Proteção" (Philippe Seabra)

3 - "Johnny Vai À Guerra" (Outra Vez) (Plebe Rude)

 

Lado B

4 - "Minha Renda" (Philippe Seabra/Plebe Rude)

5 - "Sexo e Karatê" (Jander Bilaphra/André X)

6 - "Seu Jogo" (André X/Gutje/Philippe Seabra/Jander Bilaphra)

7 - "Brasília" (Plebe Rude)


Plebe Rude: Phillipe Seabra (voz e guitarra-solo), Jander Bilaphra (voz e guitarra-base), André X (baixo) e Gutje Woortmann (bateria).


"Até Quando Esperar" 
(videoclipe original)

"Proteção"
(videoclipe original)

Johnny Vai À Guerra"

"Minha Renda"

"Sexo e Karatê"

"Seu Jogo"

"Brasília"

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