Superwolves é um disco íntimo e especial, das penas dos amigos Bonnie Prince Billy e Matt Sweeney.
Matt Sweeney, sobretudo guitarrista mas acima de tudo um músico, é um freelancer da guitarra, com reputação ganha no underground e dólares ganhos a tocar para Adele ou Iggy Pop. Bonnie Prince Billy é Will Oldham, figura mítica da mais desalinhada indie americana, que vai deambulando de projecto em projecto, de nome em nome, sem nunca pisar exactamente o holofote da fama. São amigos e parceiros musicais de longa data. Dois solitários, sem grupo fixo, que claramente tiram gozo da companhia um do outro. E quando isso nos dá música, é verdadeiramente especial.
O disco de estreia desta dupla – intitulado Superwolf – surgiu em 2005, por via da sempre recomendável Drag City Records. Esse álbum foi bem recebido e ganhou estatuto de culto. Depois disso, cada um foi à sua vidinha, ainda que sempre encontrando-se, tocando, conversando, rindo. O sucessor, este Superwolves, chega 16 longos anos depois. Porquê? Apenas porque sim. Esta malta tem vidas ocupadas e ambos tinham consciência que o novo volume da sua história gravada em comum teria de ser especial, teria de fazer sentido.
O processo é simples de enunciar. Oldham (que no último ano esteve entretido a gravar magníficos covers com Bill Callahan) escrevia as letras e mandava-as a Sweeney; este respondia com música, que depois iam afinando em conjunto. Sem pressão de lado algum, o disco ficou pronto quando tinha de ficar, aproveitando a maré vaza da pandemia. “Esta é possivelmente a música menos forçada que alguma vez fiz”, explicou Sweeney numa entrevista conjunta recente ao excelente Aquarium Drunkard.
O resultado é uma conversa íntima em 14 músicas. Não porque haja um registo epistolar ou de conversação, ou sequer um tema unificador, mas pela vibração caseira e quente do registo. A base central é a voz de Prince Billy (e também a de Sweeney, muitas vezes em subtis harmonias); a guitarra eléctrica de Sweeney tocada de forma exímia mas contida, como se de uma acústica se tratasse (com o seu peculiar estilo que lembra um Marc Ribot mais melódico); e coros femininos discretos para, aqui e ali, darem o lift necessário. Praticamente não há arranjos de cordas nem percussão, e mesmo o baixo não aparece sempre. O resultado é um disco com muito espaço, sem pressas, sem stress algum, sem procurar encher tudo obsessivamente para impressionar o ouvinte.
Esta espécie de indie-country-alternativa-qualquer coisa é, claro, a praia de Will Oldham, mas estamos de forma muito evidente perante uma parceria entre iguais. A paleta sonora e a mala de truques de Sweeney permite-lhe ir a qualquer lado, e Superwolves não é um registo monótono. O tom dominante é relativamente lento, da escola confessional de singer-songwriter, mas há espaço para ir a vários sítios (ouça-se a reluzente guitarra tuareg de Mdou Moctar em “Hall of death”, uma mistura de Graceland com o country americano). O nível médio é muito equilibrado, mas destacamos o arranque estrondoso com “Make worry for me”, toda ela ameaça e mistério; a beleza serena e clássica de “Good to my girls”; a elegância sóbria de “I am a youth inclined to ramble”; a solidão de “My popsicle” ou a acústica “Resist the urge”.
As letras de Oldham são, como sempre, crípticas e dadas a diferentes interpretações, algumas delas propositadas. Mas ouvimos cada palavra, entregue com convicção e solenidade, como se de verdades universais se tratassem.
Superwolves não é um disco imediato. Se a EDM tão em voga é desenhada para prender a atenção de um mentecapto com novos truques a cada três segundos, aqui estamos perante um cozinhado lento mas delicioso. Vamos sentindo o cheiro, sentamo-nos, bebemos um copo, conversamos um pouco, fumamos, contamos umas piadas, perguntamos pela família. Como um bom whisky, o resultado leva tempo e não é óbvio, Conquista-nos pouco a pouco, leva-nos a descobrir os seus segredos, até se tornarem nossos também.
Este não é um álbum para ouvir e ficar imediatamente enamorado. Esse amor nunca dura. Superwolves vai ganhando terreno, insinuando-se nos nossos ouvidos e no nosso cérebro pouco a pouco, com cada nova audição, que é sempre recompensada.
São apenas dois tipos com muitos quilómetros de estrada e pó nas roupas. São dois amigos à conversa e que, com o tempo e a convivência, nos vão deixando participar, confiando-nos os seus segredos. Superwolves, sem ser espampanante e efusivo, é um dos discos mais originais e especiais dos últimos tempos.
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