O álbum de estreia dos Alice in Chains, Facelift, foi o primeiro disco de ouro do grunge. O alternative rock à beirinha de varrer o mainstream.
Estamos em ’87, na longínqua cidade de Seattle. Quando uma banda de Sunset Strip ruma em digressão, muitas vezes nem se dá ao trabalho de lá passar: faz frio, está sempre a chover, não há público que justifique. E, contudo, há qualquer coisa a mover-se. Dá-se um pontapé numa pedra e sai de lá uma banda, tocando só porque sim, porque as hipóteses de vingar são remotas. É uma cena pequena e promíscua – bandas tocando para outras bandas em meia dúzia de clubes esconsos – mas a vitalidade rock’n’roll é inegável. O isolamento de Seattle joga a seu favor: não lhes resta outra hipótese senão serem eles próprios.
Jerry Cantrell é um desses miúdos que toca guitarra como se a sua vida dependesse disso. No espaço de algumas semanas perde a avó e a mãe, ficando sem família e sem casa. Dorme agora num sofá de um amigo. Numa festa, conhece Layne Staley, que, sabendo da sua situação, lhe oferece guarida no Music Bank, um antigo armazém reconvertido em salas de ensaio, aberto 24 horas por dia. No rodopio de sexo, drogas e rock’n’roll que é o Music Bank, depressa se forma uma profunda amizade – e cumplicidade estética – entre Staley e Cantrell. Os Alice in Chains, portanto.
E enquanto vão crescendo como banda, toda a cena musical de Seattle vai ganhando notoriedade. A culpa é da editora independente Sub Pop, que inventou um nome para a movida heavy rock da cidade – o grunge – e vendeu-o ao mundo como a “next big thing”. A estratégia foi hábil: conquistar primeiro os fazedores de gosto ingleses. Em ’89, John Peel começa a passar Nirvana, Mudhoney e Soundgarden no seu famigerado programa de rádio. Numa crónica no London Observer, Peel afirma que o grunge é a cena regional mais interessante desde que Detroit nos deu a Motown. No mesmo ano, a convite da Sub Pop, o Melody Maker publica um guia sobre a cena de Seattle.
Os ares do tempo jogam a favor do hype: depois de uma década de escapismo de plástico, ansiava-se por um retorno ao orgânico e verdadeiro. Começa então a corrida para as majors: primeiro, os Soundgarden; a seguir, os Mother Love Bone; por fim, os Alice in Chains. Graças à alta rotação de “Man in the Box” na MTV, foram os AiC que deram ao grunge o seu primeiro disco de ouro, a sua primeira entrada no Top 50 da Billboard e o seu primeiro hit single. O caminho para o terramoto de Nevermind estava agora escancarado.
Facelift é um grande disco – canções memoráveis umas atrás das outras -, apesar de apanhar os Alice in Chains ainda à procura da sua identidade. Os seus salpicos funk (“I Know Somethin About You”) e de hard rock à Guns (“Put You Down”) podem ser encantadores mas distraem a banda do seu desígnio. Só no tomo seguinte – o sepulcral Dirt – é que os Alice in Chains se cumpririam na íntegra, mas tudo o que os define já está presente em Facelift: os riffs pesados e lentos como chumbo a derreter; o misto de imaginação melódica com escuridão sabbathiana; o entrelaçar das vozes de Staley e Cantrell, quais Simon & Garfunkell do doom.
O ponto mais alto de Facelift é “Love, Hate, Love”, que vai crescendo devagar até toda a lava de sentimentos contraditórios se derramar no refrão: amo, odeio, amo outra vez. Não são as palavras que nos comovem (muitas vezes, elas escapavam-nos), é a voz trémula e torturada de Staley, sofrendo cada sílaba que enuncia. Mais do que uma estética A ou B, é esta profundidade emocional que define o grunge, este extravasar intenso de tristeza e raiva e confusão, esta antítese absoluta da superficialidade do hair metal. Para nós, então adolescentes, era maná que nos caía do céu: sentíamo-nos finalmente compreendidos e tínhamos finalmente uma música só nossa, que os nossos irmãos mais velhos não compreendiam. Que sorte foi a nossa, é o que vos digo.
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