O primeiro registo da nova promessa do indie britânico guarda algumas surpresas até para os fãs mais devotos, que os foram acompanhando desde o início. Eis agora For the First Time.
A ascensão dos Black Country, New Road não seguiu o rumo que costuma caracterizar a típica banda indie inglesa. Quantas bandas já vimos a atingirem estatutos desproporcionais da noite para o dia, e a desaparecerem na manhã seguinte (alguém se lembra dos Telegram?). Munidos apenas com dois singles muito bem recebidos, a banda foi fazendo crescer o seu culto através de performances na mesma cena musical onde bandas como black midi e Squid operam. Em outubro do ano passado, a banda anunciou o seu disco de estreia, For the first time, a ser lançado pela Ninja Tune, uma editora conhecida principalmente por editar música eletrónica. Mas a revelação maior foi a de que os singles que lhes deram tudo isso, “Athens, France” e “Sunglasses”, seriam regravados.
Aos primeiros segundos somos rapidamente puxados para um vórtice hipnotizante. “Instrumental” pode ter um título que deixa a desejar, mas é difícil pensar nisso quando somos apanhados na sua groove frenética. Uma simples linha de teclado alicerça a música que vai crescendo ininterruptamente até ao seu final gelado.
Segue-lhe “Athens, France” que foi castrada na regravação. Os seus riffs aracnídeos e obtusos estão intactos mas, desprovida de toda a sua neura e auto-flagelo a canção torna-se soturna e glacial. Mais madura, talvez, mas mais distante emocionalmente. “Sunglasses” ganha uma nova introdução mas também perde alguma da sua visceralidade. Em termos de entrega vocal, Isaac Wood não desilude. Ouve-se a dúvida na sua voz quando diz “I am invincible in these sunglasses”. A banda está bem oleada e o seu amadurecimento é patente na facilidade com que eles navegam entre as diferentes partes da música, seja no crescendo do primeiro verso ou na cacofonia da sua secção final, em que as erupções dissonantes do saxofone lutam com a persistência mecânica dos violinos sobre um rochedo de guitarras. Mais do que regravações, estas canções foram reimaginadas, para melhor ou para pior. Na era digital em que estas podem ser substituídas pelas suas versões originais, a controvérsia gerada à volta da matéria parece despropositada.
Se a influência da banda Slint não foi evidente até agora, a banda torna-a explícita quando menciona “the world’s second best Slint tribute act” em “Science Fair”, cujo título e a narrativa são também uma referência aos pioneiros de Kentucky. As vozes spoken-word, or ritmos irregulares e os linhas de guitarra atonais, tornam a comparação fácil. O septeto inglês, por via do seu virtuosismo e à formação musical dos instrumentistas, pega nessa influência e estica-a em todas as direções. Oiça-se por exemplo o anti-solo que ocorre a meio da canção, uma desconstrução da estrutura a que sessenta anos de rock nos habituou.

Ouvindo “Track X”, é difícil perceber porque é que não foi lançada como single de avanço para o disco. Talvez por ser a única música realmente nova (todas as outras já tinham sido pelo menos tocadas ao vivo ao longo dos anos). Independentemente do motivo, é notável por ser a única canção em que ouvimos o grupo a cantar e a harmonizar. A repetição do riff de guitarra aproxima a canção da música eletrónica. A atmosfera é mais calma, pacífica até, se isso for possível no mundo dos Black Country, New Road. Permite ao ouvinte respirar antes de “Opus” voltar a invocar os nossos instintos mais primitivos com o seu frenesim influenciado pela música árabe, conferindo ao álbum uma certa simetria.
Em várias entrevistas que anteciparam o lançamento deste trabalho, os Black Country, New Road frisaram que o objetivo deles com For the first time era capturar a banda nesta sua primeira fase inicial. Se foram bem sucedidos ou não, só eles saberão. O disco que nos deixaram é um monumento do rock e uma lufada de ar fresco num género que precisa desesperadamente disso.
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