O Unseen volta às origens e traz-nos um disco de boom-bap cru difractado pela lente de Four Tet.
Madlib (Otis Jackson Jr. no bilhete de identidade) passou grande parte da sua carreira a trabalhar ao lado de outros artistas, muitas vezes construindo os melhores discos da carreira de ambos. Madvillainy (com MF DOOM) e Pinata (com Freddie Gibbs) são discos verdadeiramente invejáveis no panteão do hip-hop. Em 2021, e talvez pela primeira vez na sua carreira, os papéis são invertidos… mais ou menos. A produção é toda do músico californiano. No entanto, os beats crus foram editados, processados e arranjados pelo produtor Four Tet o que, em teoria, resultaria num disco com uma atmosfera mais eletrónica e hipnotizante.
Infelizmente esse não é o caso. A sua presença é patente no interlúdio que inicia o álbum, mas o tempero que Four Tet lhe confere mal se faz sentir. Um ritmo quebrado aqui, um uso expressivo de reverb ali, mas é preciso chegar à sétima música (o disco tem dezasseis) para se ouvir nitidamente o seu papel aqui: as vozes fantasmagóricas e reverberantes, os drops e toda a atmosfera hipnotizante de “Hopprock” permitem-nos ouvir a mão do produtor britânico.
Não que Madlib não tenha a capacidade de carregar um disco sozinho: os sintetizadores monstruosos em “The New Normal” são uma agradável surpresa na sua paleta musical e todo o instrumental faz de cama músical às vozes sampladas de “Road of the Lonely Ones” é, de certa forma, a conclusão lógica do percurso musical do californiano. O resto do álbum consiste em beats muito mais simples, como “Hang Out (Phone Off)” e a sua bassline vintage e, como não podia deixar de ser, uma homenagem ao seu irmão musical, J Dilla.
Com a presença ténue de Four Tet, o que sobra é “apenas” um bom disco a solo de Madlib, um que talvez não faça o maior sentido em 2021. Se tivesse sido lançado em 2002 ou 2003, seria sem dúvida celebrado como a continuação do seu trabalho na área do hip-hop. Hoje, particularmente depois da sua colaboração jazzística com o baterista Karriem Riggins, Sound Ancestors é um disco fora do seu tempo, um revisitar do passado em vez de um return to form. Dado o quão prolífico e proficiente Otis Jackson Jr. é, não há qualquer motivo para receio. Até os mestres tropeçam de vez em quando.
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