O segundo álbum de Aphex Twin, Selected Ambient Works Volume II, é um clássico da música ambiente. Austero, assombroso e sublime.
No início dos anos 90, em Inglaterra, muitas raves tinham salas chill out onde a malta extenuada por maratonas de dança (movidas a ecstasy) poderia finalmente sossegar ao som de música ambiente (aninhados num pufe, bebericando um chazinho de menta). No início, os DJs destes portos de abrigo tocavam discos de ambiente da velha guarda – Brian Eno e afins – mas depressa surgiu uma nova electrónica, o chill out, desenhada com este propósito quase terapêutico. Se alguma desta música conseguia ser esteticamente interessante, o grosso dela era preguiçosa, demasiado funcional, serenidade a metro.
A reacção a esta pasmaceira pós-new age não tardou, sob a forma de uma música ambiente angustiante e sombria. É neste contexto que surge o segundo álbum de Aphex Twin, Selected Ambient Works Volume II, onde a evocação de paisagens desoladas e arrepiantes é o tom dominante. Lembram-se do planeta inóspito onde a tenente Ripley encontra o Alien? Daquela aridez estranha e tensa e inumana? É isso o disco.
Quantas notas são precisas para desenhar esse terror gélido e absoluto? Pouquíssimas, diz-nos Aphex Twin; quantas menos, melhor. Essa radical depuração – onde uma melodia se pode cingir a duas ou três notas – deixa-nos estarrecidos: como é possível exprimir tanto com tão pouco? O segredo está nas texturas assombrosas, no reverb fantasmagórico, na deformação dos timbres originais até tudo ser um lastro dolente, um eco longínquo de uma alma a quebrar. Os sintetizadores movem-se com uma frágil delicadeza, como se a mais leve brisa fosse o suficiente para tudo se desfazer em pó. As batidas ausentes ou discretas (há algumas excepções) ajudam ao silêncio entrar. A repetição hipnótica, com ínfimas variações a cada ciclo, embala-nos e dissolve-nos num nebuloso sonho acordado. A atmosfera é aqui absolutamente tudo, cinema para os ouvidos, pintura para a mente.
Os temas são instrumentais (a voz, quando aparece, é apenas mais uma textura) e nem título têm. Na ausência de pistas verbais, cada um faz a sua viagem unipessoal, projectando as suas próprias referências. Na trôpega mas espectral “#7” imaginámos um carrocel em ruínas assombrado por memórias longínquas; mas outros desenharão outros cenários, outras emoções.
Se a maior parte deste disco-duplo tem essa ambiência de ansiedade e horror, alguns temas são inesperadamente plácidos, como que denunciando a origem de todo este empreendimento: o chill out enquanto complemento da euforia do techno, as duas faces da mesma cultura rave. É o que sucede na lindíssima “#3”, que com apenas 5 notas repetidas como um mantra consegue ser doce e suave como um raio de sol de outono. Claro que estes ocasionais intervalos de calmaria só acentuam, por contraste, o negrume das demais faixas.
Aphex Twin sempre foi o menino bonito da electrónica gourmet, devido à sua elegância e extremo bom gosto. De tal maneira que até a malta do indie, sempre tão desconfiada em relação à música programada em máquinas, se rendeu ao seu encanto. Selected Ambient Works Volume II vai, porém, mais longe. Não é electrónica, nem música ambiente, é pura, puríssima poesia.
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