O álbum que pôs os Dirty Projectors no mapa, fazendo a ponte entre o vanguardismo erudito dos primeiros discos e o melodismo pop dos seguintes.
Dirty Projectors é Peter Longstreth (os anexos são escolhidos a dedo mas vão mudando), um tipo que tem tanto de irritante como de estupidamente talentoso. Peter estudou música em Yale, sabe mesmo da poda, mas o facto de se julgar o Stravinsky do indie não ajuda a gostarmos dele. No início, tínhamos a tarefa facilitada: os seus discos eram tão impenetráveis que ninguém os conhecia. Tudo mudou com Bitte Orca, o sítio onde o vanguardismo erudito dos primeiros trabalhos (bah!) se encontra com o melodismo pop dos seguintes (viva!). Atirem-lhes flores ou pedras (ambas, se quiserem); o que deixou de ser possível foi continuar a ignorá-los.
O que mais chama a atenção em Bitte Orca são as harmonias das vozes femininas: três vozes doces mas dissonantes, celestiais mas perversas (um convite ao mal, impossível de recusar). Tudo é orquestrado com uma precisão fascista e ensaiado à Captain Beefheart: dezoito horas por dia, meses a fio, até não haver um miligrama fora do sítio. O contraste entre o falsete excêntrico de David e a perfeição malévola dos coros é metade do encanto do disco.
A profusão de estilos em Bitte Orca é desconcertante: dedilhados folkie à Led Zeppelin III, riffs matemáticos de rock progressivo, guitarradas africanas (Ali Farka Touré style), quartetos de cordas a armar ao pingarelho, batidas electrónicas de R&B contemporâneo. Uma estética comum garante, porém, coerência ao conjunto. Bateria possante destacada na mistura? Confere. Elegância culta dos coros femininos? Afirmativo. Clareza cristalina da produção? Presente. Guinadas rítmicas tipo arritmias cardíacas? Porta-aviões ao fundo.
Há muito que Brooklyn era a capital do indie mas 2009 foi o seu ano mais importante. De uma só assentada, três bandas até então obscuras (Animal Collective, Grizzly Bear e Dirty Projectors) fazem as suas obras-primas, abrindo férteis sulcos criativos em várias direcções. Falamos da electrónica onírica e colorida de Merriweather Post Pavilion, da folk grandiosa e dissonante de Veckatimest, do afro-rock-meets-philip-glass de Bitte Orca. Os rumores foram-se dissipando. As notícias da morte do indie… um pouco exageradas.
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