Música de dança para doutorados. Electro-gangsta para quem não sabe distinguir cocaína de farinha maizena.
No início do milénio houve uma explosão de pop electrónico, saudosista dos anos 80, mas indo muito para lá do pastiche, misturando o analógico com o digital, e enxertando tudo com uma sensibilidade indie. Duas bandas destacam-se sobre as demais: os LCD Soundsystem na América e os Hot Chip em Inglaterra.
O álbum de estreia dos londrinos será sempre o nosso favorito. Não tem êxitos, nem ateia pistas de dança, mas possui algo mais raro: o dom de nos comover. Não se deixem enganar pela electrónica vintage, nem pelo sotaque delicado de quem estudou em Cambridge: Coming on Strong é música soul. Por debaixo da palidez, e dos óculos grandes, há sentimentos, talvez mesmo uma alma.
O falsete de Taylor, frágil e tocante, parece um pássaro a tremer de frio. O barítono de Goddard: um tronco a cair em cima do pássaro a tremer de frio. Os teclados dolentes foram comprados na loja dos chineses. As batidas melancólicas: programadas num computador de brincar. Tudo é imperfeito e inacabado. Como um barco de papel numa poça de chuva.
As letras são espirituosas mas sinceras, uma carta de amor à música negra americana: “Sou como o Stevie Wonder mas consigo ver. Estou farto dos filhos da puta que mandam o Prince abaixo”. Amantes do hip-hop, fingem uma bazófia gangsta (“makin’ records sellin’ like we smokin’ crack now”) para depois a contrastarem com a nossa vidinha de classe média (“my baby said she wanted adventure, I said baby, the outside was not safe”).
Pode alguém ser quem não é? Não convém. E os Hot Chip sempre assumiram o que são: bons meninos de boas famílias, que fazem música de dança para doutorados (electro-gangsta para quem não sabe distinguir cocaína de farinha maizena). Ninguém é mais não-wanna-be do que os Hot Chip. Preferiam clichés rock’n’roll? Escrevam no google “Nickelback”…
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