segunda-feira, 17 de abril de 2023

Resenha Déjà Vu Tour 2022 - Live At Shepherds Bush Empire Álbum de The Mission 2022

 

Resenha

Déjà Vu Tour 2022 - Live At Shepherds Bush Empire

Álbum de The Mission

2022

CD/LP ao Vivo

Quando surgiu no cenário musical inglês/europeu em meados da década de 1980, o The Mission (conhecido nos Estados Unidos como “The Mission UK”) foi rapidamente associado ao subgênero do pós-punk conhecido como “gótico" (ou “dark”, como preferem alguns), muito provavelmente por causa de suas conexões com The Sisters of Mercy. As brigas e desentendimentos com o vocalista Andrew Eldricht fizeram com que Wayne Hussey (guitarra, vocais) e Craig Adams (baixo) saíssem do Sisters e formassem, na sequência, o The Sisterhood. Além disso, o repertório inicial era composto basicamente por canções que a dupla havia escrito quando ainda fazia parte do Sisters of Mercy, mas que não chegaram a ser gravadas. 

O Sisterhood se transformou em The Mission com a entrada de um segundo guitarrista, Simon Hinkler, e do baterista Mick Brown. Mas a verdade é que o Mission nem era tão gótico assim. O visual da banda era algo tipo “hippie de boutique”, Wayne Hussey era um grande entusiasta (e usuário regular, é claro) de LSD e sua música estava carregada de influências de artistas dos anos sessenta e setenta, como Doors, Neil Young, Led Zeppelin e Aerosmith. A versão de estúdio da música “Garden of Delight (Hereafter)”, uma das faixas de seu álbum de estreia, o ótimo (porém subestimado na época em que foi lançado) Gods Own Medicine, tem mais a ver com “Eleanor Rigby” dos Beatles do que qualquer coisa que tenha sido escrita pelo Bauhaus.

O Mission teve várias formações ao longo de sua carreira, mas a mais celebrada de todas sempre foi a original e com ela a banda concebeu seus melhores trabalhos, a saber: os discos Children (este produzido por John Paul Jones), de 1988, e Carved in Sand, de 1990. No ano passado, Hussey, Adams e Hinkler, acrescidos do baterista Mike Kelly (que entrou para o grupo em 2011), resolveram se reunir para uma turnê mundial cujo foco era passar a limpo os trinta e cinco anos de carreira. Apropriadamente chamada de Déjà Vu Tour, por pouco ela não foi "melada" pela saída de Kelly, em março de 2022, às vésperas de uma série de datas a cumprir no Reino Unido no mês seguinte (“Sentiremos sua falta e desejamos a você muito sucesso em seus projetos vindouros, mas será que dava para você devolver nosso equipamento? Precisamos dele para ensaiar”, escreveu Wayne no Instagram por ocasião da saída de Mike).

Foi com Alex Baum nas baquetas que o Mission seguiu em frente e cumpriu sua agenda no ano passado, incluindo um retorno ao Brasil em outubro. Dois shows no Shepherds Bush Empire, em Londres, foram gravados e o melhor das duas noites se transformou no magnífico álbum ao vivo Déjà Vu Tour 2022: Live at Shepherds Bush Empire, que estava saindo do forno lá fora quando o grupo tocou por aqui. Lançado nos formatos LP triplo (prensado em vinil vermelho e embalado em uma linda capa trifold) e CD duplo (e existe ainda uma edição de luxo com quatro compact discs contendo os dois shows na íntegra, mais um photobook), o disco foi lançado pela Live Here Now, selo especializado em gravações ao vivo de alta qualidade, sempre muito bem apresentadas visualmente, e que tem como público-alvo os colecionadores.
A título de curiosidade, a LHN Records surgiu em 2004 como parte do icônico selo Mute, após este ter sido adquirido pelo grupo EMI, e até 2015 foi um “braço" dos lendários estúdios Abbey Road para projetos ao vivo. O único problema é que em mídia física os títulos da Live Here Now só podem ser obtidos via mail order, através do site da gravadora, não sendo encontráveis em NENHUM outro lugar; e no caso das edições em vinil as tiragens geralmente são limitadíssimas. Para a sorte da maioria, Live at the Shepherds Bush Empire está disponível no Spotify. Mas voltando ao disco… aqui temos o créme-de-la-créme do repertório do Mission, isto é, seus maiores hits, acompanhados de canções que, mesmo não sendo igualmente populares, mostram que a banda sempre primou pelo alto padrão de qualidade do seu material, mesmo depois que os anos de glória (1986-1992) ficaram para trás. E tudo tocado com exímia competência - e cabe aqui essa observação, pois pouco se falou, ao longo dos anos, de como o diálogo entre as guitarras de Hinkler e Hussey, que soam como se uma não pudesse existir sem a outra, ou as impecáveis linhas de baixo do habilidoso Adams, emolduraram as boas composições da banda. E a entrada de um baterista mais jovem e cheio de fôlego renovou o gás dos veteranos, (re)injetando potência nas performances do quarteto. Se nunca lhe caiu a ficha sobre as habilidades musicais de Wayne e Cia. durante a audição de seus discos de estúdio, agora, com Live at the Shepherds Bush Empire, não tem mais desculpa. É claro que aqui as canções não têm o “verniz" que produtores como o já mencionado Paul Jones e Tim Palmer aplicaram nas versões de estúdio (arranjos de cordas, teclados, som mais limpo etc). Logo, as faixas soam um pouco mais despojadas, às vezes cruas, nesse disco. No caso de músicas como “Beyond the Pale”, por exemplo, isso realmente não é um problema. Mas em se tratando de “Hands Across the Ocean”, “Like a Child Again” ou “Tower of Strenght” (que encerra o álbum), parece que estamos mais a ouvir versões demo do que interpretações mais enxutas. Por outro lado, temos músicas que, ao vivo, são elevadas à sua quintessência. Esse seria o caso de “Met-Amor-Phosis”, “Naked and Savage”, "Belief" (uma pedra preciosa do lado B de Carved in Sand) e, especialmente, “Deliverance”. Os megasucessos “Severina”, “Butterfly on a Wheel” e “Wasteland" estão lá, impecáveis, tocados com perfeição, assim como “Serpent's Kiss”, um petardo resgatado diretamente do primeiro EP da banda, lançado em 1986; já “The Crystal Ocean” e “Swan Song” também foram recuperadas dos primeiros singles independentes, provando que o Mission não tem vergonha dos seus dias pré-assinatura de contrato com a Mercury/WEA; “Within the Deepest Darkness (Fearful)” e “Grotesque”, ambas da segunda noite em Londres, não fazem feio frente às demais faixas do disco, mas no lugar delas talvez ficasse melhor “Into the Blue” (também tocada na segunda noite) e “Hungry As the Hunter” (que foi tocada na primeira). Infelizmente, Déjà Vu Tour 2022: Live at the Shepherds Bush Empire não traz nenhuma versão cover, o que é algo a se lamentar, já que o Mission é conhecido por algumas boas regravações e por incluir em seus shows músicas de seus heróis/ídolos. Quem os viu no ano passado aqui no Rio de Janeiro (no espaço para eventos Sacadura154, no Centro) se deliciou com ótimas interpretações de “Tomorrow Never Knows” (Beatles) e de “Like a Hurricane” (Neil Young). Em todo caso, se o novo álbum ao vivo trouxesse essas ou outras versões, seria um bônus, um mimo para os fãs, já que o disco se sustenta perfeitamente apenas com o material do próprio grupo. O que é ótimo.

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