Resenha
Violeta De Outono & Orquestra
Álbum de Violeta de Outono
2023
CD/LP ao Vivo
Para este que escreve a presente resenha é sempre um grande desafio deixar de lado o sentimento de admiração quando o propósito é dissertar sobre obras de artistas pelos quais possuo especiais consideração e apreço. Um desses casos é o da banda paulistana Violeta de Outono, cujo som implodiu minha mente quando eu me encontrava em uma espécie de período de transição: estava deixando um pouco de lado meu interesse pela new wave e o pós-punk (temporariamente!) e começava uma fase de imersão nos sons dos anos 60 e 70. O Violeta, em especial por causa do seu álbum homônimo de estreia (de 1987), acabou se tornando a banda certa e no momento certo, já que ela fazia uma espécie de “meio de campo” ligando esses dois mundos. Mas o trio formado por Fábio Golfetti (voz, guitarra), Cláudio Souza (bateria) e Ângelo Pastorello (baixo), para minha imensa felicidade, consegue tornar essa tarefa mais fácil uma vez que seus próprios méritos como criadores e músicos se encarregam de fornecer razões de sobra para que se possa apontar, sem forçar a barra, as qualidades e virtudes tanto de seus discos de estúdio quanto de seus registros ao vivo. Com relação a estes últimos, vale destacar que eles nunca são mais do mesmo. Enquanto Eclipse (1995) e Dia Eterno (2017) trazem versões muito próximas ou praticamente fiéis às gravações de estúdio, Live at Rio Art Rock Festival ‘97 (2000) contém arranjos com ares progressivos e Seventh Brings Return (2009) é um tributo ao fundador do Pink Floyd, o guitarrista Syd Barrett. Não seria, portanto, diferente com o recém-lançado Violeta de Outono & Orchestra. Aqui temos o power trio sobre o palco do Teatro Popular do SESI (São Paulo) na companhia de uma orquestra de câmara regida pelo maestro Juliano Suzuki. Esse show, datado do dia 09 de novembro de 2004, já tinha sido lançado em DVD em 2006. Por razões desconhecidas, somente agora chega ao mercado no formato CD e com áudio remasterizado. Não perca a conta, caro leitor: já é o terceiro lançamento desde que o Violeta de Outono começou esse ciclo revisionista em 2017 por ocasião do trigésimo aniversário de lançamento do seu primeiro long play. Resta saber agora o que esse Violeta de Outono & Orquestra entrega para o ouvinte. A fórmula “banda de rock + orquestra” está longe de ser novidade e sabemos muito bem que nem todos aqueles que se aventuraram por essas águas colheram bons resultados. O risco de uma das duas facções assumir um maior protagonismo enquanto a outra é reduzida a um papel coadjuvante sempre existe. Nesse sentido, me pareceu acertada a decisão de se empregar uma orquestra de câmara (uma formação menor e mais maleável) em vez de uma orquestra completa. Dessa forma reduziram-se as chances do resultado final se parecer mais com uma luta entre Davi e Golias. Na faixa de abertura temos os músicos da orquestra apresentando um rápido “medley” de alguns trechos de canções clássicas da banda. O trio entra em cena na sequência, anunciado pelas notas da guitarra de Fábio Golfetti na inconfundível introdução de “Outono”, faixa que apresentou o VdO ao público em 1986. Aqui a sessão de cordas comparece em inserções pontuais num arranjo muito respeitoso com o original, não deixando dúvidas de que o momento pertence à banda. Porém, o jogo muda logo na canção seguinte, “Mahavishnu”, na qual o Violeta e a orquestra logram constituir uma grandiosa unidade orgânica em uma vibrante releitura soul (de longe esse é o ponto alto do CD). Um outro momento épico e sublime com banda e orquestra trabalhando juntos ombro a ombro é “Lírio de Vidro”. Essa unidade, contudo, perde força em “Mulher na Montanha”, na qual o grupo entrega a bola de bandeja para os músicos convidados enquanto toca de maneira burocrática. Mas o Violeta de Outono consegue recuperar a pelota e mantém a posse dela com brilho em “Blues” (com destaque para o baixo de Ângelo Pastorello), aqui numa versão recheada de referências e citações ao Pink Floyd, uma de suas principais influências. Outra homenagem a um outro herói da banda, o guitarrista inglês Robert Fripp, é “Espectro”, faixa instrumental construída a partir de “The Sailor’s Tale’”, do King Crimson. É importante aqui esclarecer que essa música nada tem a ver com a “Espectro” lançada pelo grupo num álbum de estúdio homônimo em 2012. Vale mencionar ainda que nessas duas ultimas o Violeta desfila sua força em campo com pouca ou quase nenhuma assistência. Há momentos pouco empolgantes também. “Supernova”, apesar de sua delicada beleza e impecável execução, parece deslocada em meio ao setlist, mesmo estando perfeitamente dentro da proposta do show/disco (ela soa como se estivessem dando à audiência uma “pausa” para esta poder dar uma esticada até a cafeteria da casa); “Eyes Like Butterflies”, escrita por Fernando Alge, baixista e antigo colaborador de Fábio Golfetti na versão brasileira do projeto Invisible Opera Co. of Tibet, é outra composição que parece não agregar nada (e, além disso, é um pouco chata também). Já a sequência formada pelas músicas mais lisérgicas do primeiro álbum da banda - “Faces”, “Sombras Flutuantes”, “Declínio de Maio” e o cover de “Tomorrow Never Knows” - soa como se o time tivesse consumido todo o seu gás no primeiro tempo. Apesar dos bons arranjos, tudo já começa a parecer um tanto arrastado
Mas isto aqui ainda é o Violeta de Outono, o que significa dizer que o jogo não termina perdido, principalmente quando a banda guarda para o final o gol de placa: “Dia Eterno”. Aqui não tem firula, nem verniz erudito. O que temos é Fábio, Cláudio e Ângelo trocando passes com a maestria que lhes rendeu a reputação que o trio conserva até os dias de hoje. É botar a mão na taça e correr para a volta olímpica. Violeta de Outono & Orquestra não chega a ser "o" grande disco ao vivo da banda, apesar de trazer algumas das melhores versões já feitas de determinadas canções de seu repertório. Isso mostra que seu material possui, potencialmente falando, a plasticidade necessária para se ajustar a esse tipo de formato de show. Além disso, Cláudio Souza, vale o registro, entrega aqui o que talvez seja sua melhor performance na bateria em toda a discografia do grupo, com um som bastante fluido, floreado e técnico na medida certa. Ou seja, no geral ainda temos mais pontos positivos do que negativos. Mas o grande mérito é o fato de que, na maior parte do disco, a orquestra não disputa espaço com a banda. Por outro lado, são pontuais os momentos em que o trio e os músicos de câmara conseguiram, juntos, elevar as músicas a um patamar mais elevado. É um pouco como aquele jogo cuja vitória do time se deu mais pelo brilho de alguns talentos individuais do que pela força coletiva. Mas, no fundo, o que importa mesmo é ganhar, não é?
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