Um novo início, após um reset à máquina velvetiana, resultou num disco sólido e delicioso – eis The Velvet Underground.
A noção de tempo torna-se sempre um pouco difusa quando analisamos discos dos anos sessenta – por essas alturas era comum as bandas lançarem álbuns novos todos os anos (às vezes até mais do que um…) e este frenesim que hoje desapareceu quase por completo (honrosa excepção para os prolíficos King Gizzard) fazia passar a ideia que as bandas andavam numa espécie de piloto automático. Nada mais errado no caso dos Velvet Underground, já que entre o segundo (White Light/White Heat (1968)) e terceiro (este homónimo) discos tudo mudou – num mero ano de calendário a liderança bicéfala de Cale e Reed quebrou, a banda muda de editora e lança um disco numa direção completamente oposta dos dois anteriores. Mas analisemos estas variáveis uma a uma.
John Cale era claramente o elemento mais fora da caixa da banda, usando a mesma como veículo de experimentação da sua veia artística. Lou Reed era o tipo que queria fazer canções. A conjugação de ambos resultou na perfeição em The Velvet Underground & Nico (1967) um dos discos consensualmente reconhecidos como dos melhores da História, mas o choque de vontades viria inevitavelmente ao de cima, Cale queria que o terceiro disco fosse ainda mais experimental e “anti-beleza” e Reed queria normalizar a coisa e assim chegar aos seus 15 minutos de fama. Reed, o vencedor do braço de ferro, decidiu então mudar de editora e lançar um álbum carregadinho de canções delicodoces, cativando os restantes elementos ao trazê-los também para os holofotes, confiante que este seria um novo início da banda, rumo ao estrelato.
“Candy Says”, canção de arranque não poderia ser mais fracturante em relação ao passado – é cantada por um membro novo da banda (Doug Yule que substituiu Cale), tem tom de manhã seguinte de festa brava e invoca uma das personagens do mítico Andy Warhol, forte influenciador da banda. Ficamos logo ali com a ideia geral de ao que vamos – um álbum puro reediano, confessional, com canções aparentemente simples mas perfeitas nessa sua simplicidade. Vou colocar aqui neste mesmo “embrulho” a leveza de “Pale Blue Eyes”, a tranquilidade de “Jesus”, a complacência de “I’m Set Free”, a diversão de “That’s the Story of My Life” e a fim de festa “After Hours” (cantada por Maureen Tucker, percussionista).
Pelo meio encontramos as malhas “What Goes On” e “Beginning to See the Light”, onde co-existem ainda os laivos de Cale que Reed incorporou exemplarmente nos seus riffs, criando canções icónicas que resistem ao teste do tempo e são hoje parte do cânone rock. E deixámos por fim “The Murder Mistery” a epopeia de 8 minutos onde tudo cabe, onde os Velvet são os Velvet originais, onde todos participam com a sua voz, onde a epifania e o caos reinam, um portento de poesia em forma de canção.
O álbum, no entanto, não vingou comercialmente. Os críticos apreciaram, mas o grande público não lhe pegou na altura e os Velvet continuaram por salas de concerto sombrias, América fora, a espalhar a sua magia. Felizmente (e merecidamente) são hoje vistos como seminais de todo um espectro da música popular. Só não vê quem não quer.
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