Shore é um disco belo. Respeitemos portanto a vontade do pai de António Lobo Antunes e tenhamos amor às coisas belas.
Três anos se passaram desde Crack-Up, na minha humilde e potencialmente enviesada opinião, melhor disco desse ano e quarto para a redação Altamont. E volto ao enviesada ali em cima só para o explicar melhor – num fã devoto o discernimento nem sempre é o melhor, pelo que ficam avisados que todo este texto tem um elevado potencial de exagero. Having said that, o álbum é uma maravilha. :-D
Robin Pecknold, génio que mexe todos os cordelinhos na banda e que desta vez até se assumiu como co-produtor do disco escreveu um longo statement sobre todo o processo de elaboração do mesmo, que aconselho ser lido por todos que se interessem minimamente pela banda. Do mesmo vou retirar um pequeno excerto porque me parece ser totalmente adequado para com este cantinho onde vos escrevo – o Altamont: “Music is both the most inessential and the most essential thing. We don’t need music to live, but I couldn’t imagine life without it.” Nós também não imaginamos. E a propósito disto relembrar um episódio ocorrido no festival Paredes de Coura de 2018, no qual, após um concerto sublime dos Foxes, Pecknold chama um jovem com quem andou a trocar mensagens via instagram e lhe oferece o seu próprio casaco. Momentos que ficarão para sempre.
Entremos então Shore adentro, e destacar antes de mais a origem do título do mesmo – tal como descrito no seu statement, Pecknold quis fazer um álbum “que fosse sentido como um alívio, o sentimento de colocar os pés na areia após um difícil momento de ter sido apanhado em correntes marítimas.” São 15 músicas que compõem o disco, com duração de 55 minutos, lançadas nas plataformas no equinócio, minuciosamente no minuto de ocorrência do mesmo (o objecto físico que contem a música só chega às lojas em Fevereiro de 2021, algo que o meu cérebro de velho ainda não consegue perceber a lógica, mas adiante).
O arranque é super suave, e logo aparece uma voz que não a de Pecknold, o que nos faz olhar novamente para o aparelho de onde a música sai para certificar que se trata mesmo de Fleet Foxes. Surpreendendo tudo e todos, eis que para abertura das hostes a banda convocou Uwade Akhere como cantora principal da canção e Georgiana Leithauser, Frederika Leithauser (filhas de Hamilton Leithauser) Juliet e Faye Butters como coro, afastando logo ali o cenário vai ser mais do mesmo. Depois Pecknold atira-nos “Sunblind”, uma ode a uma semi-extensa lista de pessoas que o influenciaram mas já nos abandonaram, cravando assim de uma forma clara, qual tatuagem, o seu nome na história dos Foxes. Richard Swift, John Prine, Jude Sill, Elliott Smith, David Berman, Curtis Mayfield, Jeff Buckley e Otis Redding são alguns dos citados, dando destaque a American Water, obra prima dos Silver Jews de Berman. É, apesar de falar de falecidos, uma canção que celebra a sua vida e legado, e como tal festiva e grandiloquente.
Seguimos com uma “Can I Believe You?” na mesma toada, folk vivaça e quiçá a mais próxima do registo inicial da banda, com momentos de pára arranca a meio e intensidade nos píncaros. No miolo é onde o disco é mais molengão, “Featherweight” leva-nos para um conforto e mantinha que nos adormece suavemente e só voltamos a acordar três músicas depois com as mais ritmadas “Maestranza” e “Young Man’s Game”, esta última com o regresso do coro infantil e dos sopros. “I’m Not My Season” é Pecknold vintage a fazer lembrar a pérola “Oliver James” no primeiro disco, praticamente voz e guitarra a ecoarem e a deixarem-nos arrepiados. Mais para o fim temos mais duas participações extra, Tim Bernardes canta um verso em português do Brasil em “Going-to-the-Sun Road” enquanto que em “Cradling Woman, Cradling Mother” é um snipet de Brian Wilson nas sessões de Pet Sounds que é utilizada no arranque, dando às canções uma aura ainda maior e arrebatadora.
Robin Pecknold sempre foi conhecido pelo seu perfeccionismo atroz, e este trabalho está um labor de artesão, conjugando vários intervenientes vocais, um quarteto de sopros, o coro de garotas, letras bem conseguidas e dando vivacidade à base folk no qual a banda sempre se movimentou. Shore é objecto fruto de pandemia e como tal olha para o mundo e para a sua escuridão respondendo com beleza, aceitação e luz. Todos precisamos disso para seguir com a nossa vidinha.
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