segunda-feira, 15 de maio de 2023

Benjamim – Vias de Extinção (2020)

O nome continua enganador. Não se fiem nele. Benjamim já por cá anda há algum tempo e agora deu um pulo. Cresceu, mudou de rumo, avançou em direção ao passado e deve ter-se divertido à grande.

Apesar de não ter muitos discos publicados, a verdade é que são já alguns os anos de criação, de estrada, de gravações em nome próprio (se assim se pode dizer) e também para outros músicos. Compõe, toca, canta, grava, produz, Luís Nunes (este sim é o seu nome) é um homem irrequieto. Felizmente. Em inglês, apresentou-se como Walter Benjamin (não confundir com o ensaísta judeu alemão), e em português como Benjamim, embora também já se tenha feito acompanhar em disco com o amigo Barnaby Keen. Depois do celebrado Auto Rádio (2015), eis que Benjamim regressa aos escaparates das lojas com o recentíssimo Vias de Extinção. Dele fazem parte oito canções que não chegam a ocupar quarenta minutos do nosso tempo. Se o disco é curto em termos de número de faixas, é longo o prazer que retiramos de quase todas elas. Talvez se estranhe de início, mas também é certo que todos sabemos (e não é de agora) que o que nos pode parecer esquisito ou desusado, muitas vezes acaba por nos assentar como uma luva. É dar-lhe tempo, que quando a qualidade existe, acabará por vir à tona.

O Benjamim Luís Nunes já referiu em entrevistas anteriores ao lançamento de Vias de Extinção, que a base deste novo disco foi feita com um sintetizador velhinho, dos anos 80, o conhecido Roland Jupiter 6. Assim sendo, estranha-se a ausência de guitarras, é certo, mas a mudança do dedilhar das cordas para as teclas trouxe coisas novas à música do nosso bom artista. Uma espécie de regresso a um passado que não lhe conhecíamos, mas que nos agrada e nos agarra pelas melodias, e ainda por uma certa dose de soturnidade que o disco tem, que vai tendo cada vez mais à medida que avançamos nele até ao seu final “suspirado”. No seu todo, o álbum é noturno, romântico, boémio até.

Já lhe conhecíamos alguns singles, que a moda agora é mostrar as mangas antes do fato se apresentar completo e bem escovado. O primeiro foi “Vias de Extinção”, seguindo-se “Domingo”. Em ambos, reinam as diferenças que os separam. A canção que dá título ao disco parece vinda de um certo caos interior, encostando-se ao jeito das baladas singelas, malandras, retrôs. A segunda, no entanto, vai num sentido algo oposto. É mais estarola, mais a dar à anca, divertida, por vezes a roçar o kitsch, sobretudo naqueles sons iniciais bem particulares. No entanto, os temas mais conseguidos (é isso que nos dizem os nossos ouvidos) serão outros. “A Guerra Peninsular”, desde logo, merece destaque, não só por abrir o disco, mas por ser, sobretudo, uma canção de belos contornos instrumentais, mas também um tema enunciador do que podemos esperar dos seguintes sete. O longo instrumental inicial gera uma certa tensão que se estende e desenvolve até à derradeira “Serviço de Despertar”. Marca o álbum, e isso é sinal de caráter, de qualidade distintiva. “Urgência Central” é outro belíssimo momento, dos melhores de Vias de Extinção, com aqueles largos momentos finais de separação, de abandono face ao que ficou para trás. Talvez a letra da canção explique o final da mesma…

Muito se brinca em Vias de Extinção (no sentido sério da expressão, como é óbvio) com as teclas, com os sintetizadores, com o AKAI MPC, com Farfisas e Mellotrons. Os primeiros momentos de “Segunda-Feira” são a maior prova cabal do que dizemos, assim como os instantes finais da mesma. “Ângulo Morto” lembra Orchestral Manoeuvres In The Dark e é bem boa. O mesmo se pode dizer de “Incógnito”, essa bonita dedicatória a um dos lugares sagrados da nossa noturna e dançante Lisboa. Estamos na pista de dança quando a ouvimos, embora sem os apertos suados do mítico espaço da Poiais de São Bento.

Vias de Extinção é mais um triunfo de Benjamim. Saibamos ouvir o que nos propõe para que possamos retirar dele a sua beleza um tanto ou quanto fora de moda. Em “Serviço de Despertar” canta-se a palavra “arriscar”. É o que se espera de um artista, e foi isso que Benjamim nos deu. Ainda bem que assim foi.



Sem comentários:

Enviar um comentário

Destaque

Paco Ortega [Discografia]

  Discografia do cantor andaluz Paco Ortega, que iniciou sua carreira musical publicando como  Francisco Ortega  (você pode encontrar esses ...