sábado, 20 de maio de 2023

Sérgio Godinho – Mútuo Consentimento (2011)


 

Um disco apenas bom, traído por algumas canções menores. Destaque para a valsa gótica “Em Dias Consecutivos”, de uma beleza arrepiante.

Em Domingo no Mundo (1997), Sérgio Godinho revolucionou a sua estética, rodeando-se de malta mais nova, vinda do rock alternativo (Nuno Rafael à cabeça). Esta mudança radical de abordagem – com guitarras eléctricas musculadas e uma sensibilidade indie – alienou muitos fãs mais velhos mas atraiu toda uma nova geração de indefectíveis. Lupa (2000) e Ligação Directa (2006) aprofundam esse caminho, integrando também Hélder Gonçalves (dos Clã) no desenho dos arranjos. De maneira que, chegados a Mútuo Consentimento (2011), já ninguém se surpreende com a modernidade da sua linguagem.

O que não quer dizer que o disco seja consensual, longe disso. Os velhos do Restelo continuam a vociferar: “ó, Godinho, não te deixes assim vestir”, horrorizados pela roupagem new wave, uma suposta traição às suas raízes na música popular portuguesa (um tiro ao lado, porque Sérgio sempre foi avesso a purismos, espetando logo guitarras eléctricas encharcadas em fuzz no seu disco de estreia, mas enfim). O subtexto é conservador, uma espécie de jurisprudência estética, que obriga um artista a um mínimo de coerência estilística, sob pena de apedrejamento na praça pública. Ora, imaginem que se aplicava esta regra a Picasso, acusando o cubismo de traição ao período rosa…

Desmontada a crítica à mudança, per se, por mais radical que ela seja, poderia acontecer que os novos arranjos fossem legítimos mas infelizes. Não é isso que sucede. Nuno Rafael não sabe fazer maus arranjos, mantendo o requinte e depuração a que sempre nos habituou (o pulsar do baixo em “Bomba-Relógio”, sugerindo o bater do coração, é disso exemplo). Os outros arranjadores – Sassetti, Noiserv e Hélder Gonçalves – mantêm sempre lá em cima o padrão de gosto.

O busílis da questão está em outro lado, na qualidade intrínseca das canções, independentemente da roupa que lhes vistam. Sérgio Godinho habituou-nos mal pois todos os 15 álbuns que fez no século XX (desde Os Sobreviventes até Domingo no Mundo) são de uma consistência insana (até Dylan, que é o Dylan, se espalhou de vez em quando ao comprido, por amor de Deus!).

Ora a partir de Lupa, o nível desceu um pouco, aparecendo, pela primeira vez na sua obra, algumas canções dispensáveis. É o que sucede neste disco com a funky “Eu Vou a Jogo”, cujo groove avassalador tenta disfarçar, em vão, a sua pobreza melódica. Claro que para cada passo em falso há uma mão cheia de melodias encantadoras (como as de “Bomba-Relógio” e “Vá, Lá!”). E as colaborações não poderiam ser mais certeiras: a singela canção-título (música de Francisca Cortesão) e a assombrada “Em Dias Consecutivos” (Bernardo Sassetti) são irrepreensíveis, talvez os temas mais memoráveis do álbum.

Se fica um leve amargo de boca é porque as nossas expectativas são irresponsáveis. O disco desilude por ser apenas bom.



Sem comentários:

Enviar um comentário

Destaque

ROCK ART - 78 West - Whatever It Takes (1993)

País: Estados Unidos Estilo: Southern Hard Rock Ano: 1993 Integrantes: Robert Reilly - vocals Scott Kunkle - keyboards Austin Lyons - guitar...