quinta-feira, 25 de maio de 2023

Sérgio Godinho – Tinta Permanente (1993)

 

Um disco elegante, que cruza a guitarra com pinceladas jazz e arranjos eruditos. Dois temas tornam-se canónicos: a arabesca “O Elixir da Eterna Juventude” e a soturna “Fotos de Fogo”.

Na Vida Real (1986) e Aos Amores (1989) tinham um travo forte a jazz de fusão e um fascínio (muito anos 80) por sintetizadores. Tinta Permanente (1993) conta com um homem do jazz na direcção musical mas João Paulo Esteves da Silva escolhe um caminho não só menos jazzístico como também mais orgânico, onde os timbres naturais (como a guitarra de Sérgio e o piano de João Paulo) são dominantes. Tudo é agora orquestrado com uma precisão clássica e erudita, com arranjos de cordas e de sopros lindíssimos, desenhados a filigrana.

Quem mais beneficia deste requinte formal são os temas mais tristes (como “Enfim, SOS” e “Pequenos Delírios Domésticos”), que adquirem um dramatismo quase cinematográfico. Com “Fotos de Fogo” então nem se fala: quase que ouvimos o crepitar da lareira e o desfolhar do velho álbum de fotos, enquanto mergulhamos no terror das memórias de guerra.

Alguns temas mais enérgicos nem sempre resultam tão bem, com a sua rebeldia latente traída por arranjos demasiado engravatados (coros femininos incluídos). Não é o caso de “O Elixir da Eterna Juventude”: os sopros arabescos e baixo gingão põem uma morgue a dançar! Que delícia o seu rap hipocondríaco (os fãs de hip-hop que me perdoem mas o melhor flow em português é o do Godinho). Envelhecer é uma inevitabilidade e os remorsos sempre vãos, vai dizendo nas entrelinhas. À-pre-lom-pom-pom…



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