Dois anos depois da estreia em disco, os britânicos Placebo fazem o seu trabalho mais marcante, tornando-se uma voz para os inadaptados
Quando os Placebo – formados em 1994, em Londres – editam o primeiro disco, homónimo, de 1996, a cena musical estava a mudar. A britpop estava a caminho de se desintegrar, sob o peso da sua própria opulência, e o rock, apesar de ainda dominante, não mostrava um rumo concreto. Na estreia, o mundo fixou sobretudo a figura andrógina de Brian Molko, vocalista e guitarrista, e alguns singles que fizeram ondas e mostraram que estes rapazes estranhos podiam ter, efectivamente, alguma coisa de especial.
Essa confirmação, sem qualquer margem para dúvidas, surgiu logo ao disco seguinte: Without You I’m Nothing, de 1998, elevou os Placebo aos lugares cimeiros da primeira divisão da música pop/rock mundial, nas costas de um trabalho com uma melhor produção e uma mão-cheia de singles fortíssimos que ecoam até hoje.
Os Placebo sempre apostaram em duas coisas: em primeiro lugar, um imaginário eminentemente (sub)urbano-depressivo, dirigido aos adolescentes revoltados ou inadaptados; e em músicas que oscilavam entre as baladas negras e melancólicas e tiros rápidos e fortes de guitarra eléctrica. No segundo disco da sua carreira, o equilíbrio entre estas vertentes é atingido na perfeição.
Há aqui hinos incontornáveis da carreira dos Placebo e, mais do que isso, hinos de uma altura muito específica que marcaram a sua época, o final da década de 90. Ouçam-se as explosivas “You Don’t Care About Us” ou “Every You Every Me” e não acredito que qualquer indíviduo que não tenha ainda cessado de viver consiga resistir a ser contagiado pela sua viciante agressividade melodiosa. A própria faixa-título – mais lenta, mais dorida, mais complexa – é também marcante, levando mesmo o Deus David Bowie a ligar à banda a expressar a sua admiração. Em resultado disso, a canção foi regravada, com Bowie em dueto com Molko, uma honra na qual a própria banda teve dificuldade em acreditar.
E há ainda “Pure Morning”, que abre o disco, uma música aparentemente monótona e marcada pela electrónica e que tem uma história curiosa. Com o disco terminado, a banda voltou a estúdio para gravar uns lados-B, surgindo este tema. Quando o mostraram à editora, esta mandou parar a produção do álbum e insistiu em ter “Pure Morning” no alinhamento. O grupo resistiu, porque não tinha necessariamente grande fé na canção e porque não se enquadrava totalmente com o espírito dos restantes temas, mas acabou por ceder, e ainda bem.
Mas há mais além de grandes singles. Há a bomba agressiva de “Brick Shithouse”, a melancolia de “Ask for Answers”, as camadas rock de “Allergic (To Thoughts of Mother Earth)”, a depressão arrastada de “My Sweet Prince”, a melodia de pop saudosa de “Summer’s Gone” ou a beleza simples de “Burger Queen”, enfim, muita e boa música que raramente desce do nível muito bom dominante.
Neste disco temos novamente as letras sobre inadequação, drogas, indefinição sexual, agressividade, caminhos perdidos, noites longas e frias e ressacas solitárias. De certa forma, os Placebo dirigiam-se ao mesmo público que uns Suede iniciais, embrulhando toda esta confusão sentimental num rebuçado agridoce. Mas a banda de Brett Anderson – se bem que vinda do mesmo caldo cultural dos Placebo – sempre projectou uma certa aura de sedução, uma frustração e inadequação sempre com estilo e pose. Os Placebo, por outro lado, cativaram fãs de todo o lado, desde góticos a pré-emos, passando pelos rockers e chegando aos misfits e freaks adolescentes em geral. Se os Suede atraíam as garotas e rapazes que iam de rímel aos concertos, na plateia dos Placebo estavam também estes, mas muitas caras massacradas pelo acne e pela timidez. Se a britpop foi feita para rapazes que iam ao pub depois de ver a bola, os andróginos Placebo eram os tipos que provavelmente levariam porrada no mesmo pub.
A banda criada por Molko e Stefan Olsdal num pequeno apartamento num bairro social londrino continua activa, e tem alguns excelentes discos depois deste. Mas foi com Without You I’m Nothing que rebentaram a sério no mainstream, e se tornaram na voz e no conforto de milhares de adolescentes confusos e/ou de coração partido.
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