terça-feira, 13 de junho de 2023

Porque Ouvir Rock Progressivo Hoje Em Dia?


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Geddy Lee do Rush em momento apoteótico


“Vitor, porque você escuta rock progressivo?”, foi o que um amigo me perguntou certa vez. “Gosto pessoal”?, pensei. Mas logo entendi que a dúvida do amigo tinha a ver com a necessidade de buscar funções práticas para a música. Por exemplo, ele gostava muito de funk – não o carioca, mas o estilo de artistas como James Brown, Tim Maia, Funk como Le Gusta, etc. Quando devolvi a pergunta (“e porque você escuta funk?”), a resposta estava na ponta da língua: “porque posso balançar o corpo! É um som com gingado, um som que me faz rebolar, dançar”!

A partir disso, devolvi essa pergunta para mim mesmo várias vezes ao longo dos anos seguintes. Porque eu gostava de rock progressivo? Um estilo fora de moda, de músicas longas, elaboradas, que trata de temas tidos como estranhos para a sociedade atual. Rituais como os de alguns primos meus mais velhos – que, em um fim de semana ensolarado, enrolavam uma seda e passavam horas em silêncio, apenas ouvindo bolachas do Pink Floyd, Focus, ELP, e outros – parecem tão anacrônicos hoje em dia. Enfim, o que bandas como Yes, Camel ou Van der Graaf Generator podem oferecer para os anseios do jovens do século XXI?

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Van Der Graaf Generator

Obviamente, não sou pretensioso a ponto de buscar uma resposta que soe definitiva. Mas tenho diversos palpites, que, apesar de tentar responder a algo mais universal, partem da minha própria experiência. Ouço progressivo porque encontro no estilo uma profundidade que não existe na música pop. Claro que existem músicas e músicas no pop; ou seja, penso que tanto artistas como Smiths ou Beyoncé podem se encontrar nesse enorme nicho que chamamos de pop – cada um a seu modo. E existem níveis de profundidade (ou falta dela) em cada um.

Só que, no caso do progressivo, podemos abordar essa profundidade em termos de forma e conteúdo. No primeiro caso, detendo-se sobre o aspecto formal, vale citar a elaboração sonora, melódica, rítmica e de arranjos. E no caso do conteúdo, boa parte das peças e temas lidam com conceitos bem interessantes, que vão além de frases feitas de livros de autoajuda.

Por exemplo, um aspecto bem interessante no prog é a perspectiva histórica (elemento comum com diversas bandas de metal também). Algo diferente da música pop tão imediatista e presa aos assuntos da moda. No progressivo, podemos encontrar álbuns conceituais como The Six Wives of Henry VIII, do tecladista Rick Wakeman, que conta a história das seis esposas de Henrique Oitavo, rei da Inglaterra nos séculos XV e XVI. Ou até mesmo na alcunha da banda Jethro Tull – que resgata o nome de um fazendeiro inglês do século XVIII que inventou uma revolucionária técnica de arado.

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Ian Anderson & Martin Barre do Jethro Tull em ação

Além dos dados históricos, há também um flerte significativo com a mitologia. No estilo, nos deparamos, por exemplo, com lendas como a de Scheherazade (dos contos árabes que compõem as Mil e Uma Noites), que inspira uma longa suíte da banda Renaissance. Ou as histórias do ciclo arturiano no disco The Myths and Legends of King Arthur and Knights of the Round Table, outro clássico de Rick Wakeman.

Outro aspecto que me chama a atenção, diferenciando o gênero dentro do leque da música popular ou do rock, são as constantes alusões à natureza e ao meio ambiente – elemento que aproxima o prog do estilo folk e derivados. Isso pode ser notado já no disco que é considerado o primeiro álbum conceitual do rock (e tido como marco zero do progressivo): Days of Future Passed, segundo trabalho dos Moody Blues, que simplesmente aborda o passar de um dia – desde o amanhecer até o anoitecer.

Renaissance
Renaissance

Claro que é possível encontrar tantos outros aspectos no estilo, como a recorrência de adaptações literárias (The Snow Goose, do Camel, adapta um livro do escritor Paul Galico), religiosidade (elemento presente em diversas canções do Yes, como ‘Close to the Edge’ ou ‘Awaken’), filosofia (o álbum Zarathustra, da banda Museo Rosenbach), apenas para ficar dentre alguns interesses dos artistas e bandas e progressivas. Mesmo temáticas mais universais e até mesmo contemporâneas costumam ser exploradas com igual profundidade (aqui, basta citar o grande nome do progressivo que é o Pink Floyd, em discos como The Dark Side of the Moon ou The Wall).

Mas essa listagem de elementos que distinguem o estilo progressivo não é o suficiente para responder à pergunta do meu amigo. Pelo contrário: se tantos aspectos pitorescos e fora da curva marcam o prog rock, porque ouvi-lo então? Afinal, se pensamos nos grandes nomes da indústria cultural atual – estes que dominam as rádios, os sites de streaming, que fornecem trilhas para produções audiovisuais e concorrem a Grammys – o rock progressivo talvez pareça um tanto quanto desajustado. Sem contar que, na correria da modernidade, as vezes é um luxo poder se dedicar a ouvir longas suítes de vinte minutos ou mais.

O Pink Floyd em momento 'facepalm'
O Pink Floyd em momento ‘facepalm’

Contudo, em uma era de nichos de mercado sustentáveis dentro de seus limites, é difícil dizer o que parece desajustado ou não. Na verdade, o julgamento que é dirigido ao progressivo geralmente se dá pelo fato de não ser mais um estilo hegemônico como era nos anos 70, quando discos como Tubular Bells (de Mike Oldfield) vendiam horrores, além de permanecer meses no topo das paradas. É um equívoco atrelar a suposta qualidade de algo à sua popularidade. Enquanto nicho de mercado, é possível dizer que o prog tem ampliado seu público, isso depois de algumas décadas circulando apenas entre poucos ouvintes.

O que vale afirmar é sobre como o progressivo atende à um público exigente não apenas por certo grau elevado de musicalidade, mas também por uma visão de mundo mais ampla e profunda que aquela costumeiramente disponível nos meios de comunicação e nos ditos “formadores de opinião” contemporâneos.

Mike Oldfield
Mike Oldfield

Nesse caso, vale lembrar a citação do ilustre filósofo indiano Jiddu Krishnamurti (que influenciou diversas letras e conceitos progressivos), quando diz que não é sinal de saúde estar ajustado a uma sociedade doente. A meu ver, é possível encontrar no estilo progressivo pontos de vista multifacetados, imprevisíveis, e talvez por isso, desajustados com as expectativas do senso comum.

O importante é que não apenas os grandes nomes progressivos setentistas, mas também diversos artistas novos como Steven Wilson, Opeth – e até alguns bem mais novos como Gandalf’s Fist – certamente permanecem relevantes e instigantes para ouvintes contemporâneos. Com um atraso de mais de uma década, esse texto seria a resposta que eu enfim daria a meu amigo curioso.


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