? Os The Flaming Lips estão chegando, estão chegando os The Flaming Lips ?. Os alquimistas regressam a um território onde já foram felizes com o recente American Head, e salvam-nos com a melancolia deles.
Não se sabe bem que cogumelos os The Flaming Lips consomem, de tempos a tempos, mas abençoados sejam. Cogumelos, erva, LSD, todo um cocktail que os eleva a habitar um planeta só deles. Com American Head, a banda de Wayne Coyne e companhia volta a aterrar na sua never land, espaço onde o ambiente onírico se funde e confunde com uma qualquer realidade feita de som e sensação de efemeridade. Tudo parece ser volátil e passageiro, como a vida. E do disco, num modo geral e numa primeira abordagem, fica apenas isto: a melancolia de um final de tarde num país distante do nosso em qualquer dos quatro cantos do mundo.
Há muitos anos que a banda norte americana não nos brindava com um álbum assim. No entanto, no anterior King’s Mouth (2019) já se podia perceber o início de um novo caminho, de uma nova guinada no percurso de uma banda que já nos deu enormes álbuns, mas que também já nos ofereceu delírios (quase) totalmente desinteressantes.
American Head é um passo à frente na carreira dos The Flaming Lips, mas é, igualmente e ao mesmo tempo, um passo atrás. Como se explica esta aparente oposição de ideias? Muito simplesmente porque a banda americana, talvez farta e esgotada de experimentalismos inconsequentes vários, resolveu voltar a compor canções de forma mais tradicional, regressando ao tempo áureo da trilogia que melhor conseguiu revelar o seu imenso génio, a dos álbuns The Soft Bulletin (1999), Yoshimi Battles The Pink Robots (2002) e At War With The Mystics (2006). Melodias simples e bonitas, palavras reveladoras de episódios e histórias que gostamos de ouvir (mesmo que trágicas, patéticas ou sonhadoras), mas sobretudo porque American Head traz de novo a magia que fez com que esses três momentos da banda estivessem ainda (e sempre) tão perto de nós, ouvintes atentos ao universo ultra particular do grupo nascido em Oklahoma City há quase 40 anos. Pois é, o tempo passa, e talvez por isso mesmo Wayne Coyne revele neste álbum tantas letras que remetem para o passado (o sofrimento da mãe, a insanidade do irmão, as drogas, a visão próxima da morte…).
Não se faz um grande álbum sem grandes canções. Aqui também as há, naturalmente, mas não deixa de ser curioso, que ao fim de várias audições atentas, o que mais fica é o todo, o sentimento oblíquo que percorre de forma transversal todos os 51 minutos de duração do disco. “Flowers of Neptune 6” é um instant classic, claro, como também são superlativas as canções “Mother I’ve Taken LSD” (belíssimo tema sobre as dores de crescimento?), a inicial “Will You Return / When You Come Down” com o seu refrão-mantra que nos faz cantar repetidamente esse estribilho muito após o tema ter terminado, ou ainda a serena e misteriosa “Watching The Lightbugs Glow” com a participação de Kacey Musgraves, que também empresta a sua voz a “God and the Policeman”.
O que talvez mais impressione em American Head é o facto dos The Flaming Lips se afirmarem, uma vez mais, e apesar de todas as suas recorrentes transfigurações, na banda mais idiossincrática do planeta. Ninguém faz música como eles, mesmo quando copiam integralmente discos dos The Beatles ou dos Pink Floyd. São únicos, e por isso não têm com quem disputar seja o que for no mundo da música. Estão sós, fechados na sua resplandecente bolha criativa.
American Head dói e dá prazer, brilha e também é, ao mesmo tempo, de uma sóbria melancolia parda. Um dos discos de 2020 está aqui.
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