A feliz junção entre jazz e hip-hop, que continua a dar frutos até hoje.
Em plena explosão do grunge e da britpop, o resto do mundo não estava parado, embora pudesse parecer. Nos EUA o hip-hop estava num momento de viragem sob vários aspectos, ainda centrado nos projectos das primeira e segunda gerações clássicas do estilo, mas ganhando balanço para a explosão mainstream das décadas seguintes. Até que em 1993 surge um ovni que, ouvindo hoje, faz todo o sentido. Guru’s Jazzmatazz é o seu nome.
Guru era um rapper de Boston, metade do duo de hip-hop Gang Starr. Entre discos deste conjunto, decidiu avançar com uma ideia que lhe andava na cabeça havia algum tempo: explorar a fundo as ligações entre duas formas musicais genuinamente afro-americanas, o jazz e o hip-hop. Não foi ele o primeiro a fazer essa ligação, uma vez que esse namoro andava já em curso. A diferença é que, até então, o jazz americano servia sobretudo como uma das fontes onde o hip-hop ia buscar samples e bases musicais. Alguns desses exemplos ouviam-se em trabalhos de grupos como A Tribe Called Quest ou Stetsasonic, entre vários outros. A aposta de Guru, que é descrita pelo próprio logo na faixa introdutória de Jazzmatazz Volume 1, é juntar, no mesmo plano e no mesmo momento, dois géneros marcantes da música negra, ambos partindo da realidade do dia a dia. O encontro seria real, em estúdio.
Para ajudar nesta tarefa, Guru chamou alguns pesos-pesados do jazz, como Donald Byrd, Branford Marsalis, Lonnie Liston Smith ou Roy Ayers. A estes juntou uma série de MC e vocalistas, entre os quais o francês MC Solaar ou N’Dea Dvenport, cantora dos Brand New Heavies. A base rítmica vem da típica batida hip-hop que, juntamente com a instrumentação, acaba por dar a todo o disco um toque de acid jazz. Guru vai aparecendo sempre, aqui e ali, com um estilo laid-back que agora nos lembra coisas posteriores como os saudosos Ithaka, de Darin Pappas.
À distância dos anos, o som pode parecer-nos algo datado e já visto, mas isso foi porque esta série Jazzmatazz teve eco e sucesso, gerando novos capítulos (o volume 4 saiu em 2007) e muitos sucessores. Mais, a solução encontrada de comunhão real entre músicos destes dois géneros não era necessariamente óbvia, até porque muitos músicos estabelecidos de jazz viam o hip-hop e o rap como uma forma menor de música e um downgrade da mensagem musical dos negros norte-americanos.
Agora, quase nos interrogamos como ninguém se lembrou de fazer aquilo antes. Foi Guru quem o fez, e não nos deixou só um grande disco: influenciou nas décadas seguintes o diálogo estreito entre o jazz e o hip-hop. Ouçam-se os fantásticos últimos discos de Kendrick Lamar, com Kamasi Washington e Thundercat a bordo, para encontrar uma das muitas influências que a série Guru’s Jazzmatazz plantou entre nós.
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