Com mais de 50 anos de experiência e uma fisionomia única e singular, os Soft Machine são sem dúvida uma das bandas mais influentes e originais do progressivo inglês. Grupo fundamental da cena de Canterbury e unido por um forte interesse pelo jazz de vanguarda, foi fundado em 1966 pelo baterista Robert Wyatt, o guitarrista Daevid Allen, o tecladista Mike Ratledge e o baixista Kevin Ayers. Com sua mistura de jazz, psicodelia e progressivo, eles conseguiram chamar a atenção e se posicionar como pioneiros nos três gêneros, sendo fonte de inspiração para várias gerações de músicos, incluindo o Pink Floyd. Ao longo dos anos, a Soft Machine foi transformando seu som, afastando-se da psicodelia para abraçar gradativamente o jazz fusion e o jazz-rock instrumental, tornando-se assim uma de suas maiores referências.
“Other Doors” é o primeiro álbum de estúdio desde “Hidden Details”, lançado em 2018. Conta com um line-up excepcional formado por grandes músicos da velha escola do jazz e do rock: John Etheridge (guitarras), Theo Travis ( tenor e sax soprano, flauta, piano e eletrônica), Fred Thelonious Baker (fretless bass) e John Marshall (bateria e percussão) que, aos 81 anos, se despede de vez da música e da Soft Machine. Conta ainda com a participação especial do ex-integrante Roy Babbington (baixo).
O álbum apresenta-se como uma suite, composta por várias secções que se articulam entre si. As diferentes durações e tempos de cada um geram um dinamismo que faz o som fluir de forma brilhante, combinando elementos do jazz, rock e música clássica para se fundirem em um único conceito. A técnica é sem dúvida impecável e a improvisação está na ordem do dia, criando diferentes tipos de atmosferas que estimulam a imaginação do ouvinte.
Começa com uma espécie de introdução, ´Careless Eyes´ , onde a flauta etérea e o violão dialogam entre si, criando uma atmosfera calma e suave. Ele então se reúne com um clássico da banda, ´Penny Hitch´ (do álbum ´Seven´ de 1974) para entrar em um ritmo mais groovy. As harmonias do baixo fretless unem-se perfeitamente com as do sax tenor e a guitarra de Etheridge dá a dose certa de psicodelia, gerando assim um jogo de texturas entre os três instrumentos. ´Other Doors´ , faixa-título do álbum, começa com um ritmo ágil e animado e depois desce com uma sucessão de solos de guitarra e sax que nos remetem aos melhores tempos do The Police. ´ Uso Torto´ é a peça mais longa do álbum. Oito minutos de improvisação ao melhor estilo free-jazz, com uma sonoridade mais sóbria que lhe permite expressar todo o seu potencial expressionista de forma descontraída. Outra ligação ao passado surge, desta vez pela mão de ´Joy of a Toy´ (do álbum “The Soft Machine Volume One” de 1968). Os baixos são o instrumento estrela e os responsáveis por gerar um clima de alegria através do diálogo constante. Uma melodia divertida, mas com uma pitada de psicodelia proporcionada pelos efeitos de delay e pela batida das cordas. Em ' A Flack of Hales´ a flauta reaparece, mas desta vez funciona como contraponto àquela que abre o álbum. Com som mais abafado, gera um clima mais sombrio ou tenso, que é enfatizado pelos elementos percussivos que se somam à melodia central. A guitarra de Etheridge em ´Whisper Back´ funciona como uma ponte introdutória para ´The Stars Apart´ , uma peça charmosa com um suingue calmo, mas bem jazzístico. O dedilhar da guitarra junto com o do baixo fretless conferem-lhe uma certa melancolia. Em ' Agora! Is the Time' os baixos dialogam novamente, desta vez reunindo dentro dos recursos do jazz e as cadências típicas do blues. Com 'Fell to Earth'vivenciamos um retrocesso aos anos dourados da Soft Machine. É sem dúvida a peça mais electrizante do álbum, muito avant-jazz e com uma instrumentação muito dadaísta, que procura abarcar todos os espaços. ´O Visitante na Janela´ continua com essa linha vanguardista, mas com uma melodia mais austera, nostálgica, sem tanta ornamentação instrumental.
'Maybe Never' nada mais é do que uma série de efeitos e recursos eletrônicos, um pouco de loucura psicodélica que, como 'On the Run' do Pink Floyd, busca nos colocar em um mundo de ficção científica. Ao mesmo tempo, funciona como uma passagem para a última faixa do álbum, ´Back in Season´, onde se experimenta um regresso dessa psicodelia a um som mais colorido e dinâmico, onde todos os instrumentos exploram em simultâneo a sua força expressiva.
Se há algo que caracteriza a Soft Machine é a vontade de inovar. A combinação de novas e antigas composições torna a proposta ambiciosa e mostra essa vontade de explorar novos terrenos musicais, mas sem perder a sua essência. Sem dúvida, “Other Doors” marca o fim de uma era, a era Marshall, mas também inicia um novo capítulo na trajetória da banda, um capítulo promissor na aventura instrumental chamada Soft Machine.
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