terça-feira, 19 de setembro de 2023

Review: Nightwish - Human. :II: Nature. (2020)



Mesmo que tenha iniciado no metal sinfônico e se transformado em uma das bandas fundamentais não apenas para a construção do estilo, mas sobretudo para a sua popularização, o Nightwish extrapolou o gênero faz tempo. Há anos a banda faz um som sem igual, dono de uma personalidade gigantesca e que não encontra parâmetro nem mesmo em nomes que são comumente associados aos finlandeses, como é o caso do Epica. O uso farto de elementos étnicos vindos de diferentes partes do globo, as orquestrações onipresentes, o protagonismo do teclado, os coros crescentes e invariavelmente arrepiantes, as harmonias vocais sempre elaboradas, a onipresente ligação com o prog: existe uma forma de Tuomas Holopainen construir o universo sonoro do Nightwish, e essa receita jamais parou no tempo.

Essa é a primeira impressão ao ouvir Human. :II: Nature., nono álbum do sexteto. É o Nightwish mais uma vez fazendo algo que não tinha feito antes. A banda dá um passo além em relação ao disco anterior, Endless Forms Most Beautiful (de 2015, que eu adorei mas muita gente torceu o nariz), algo natural após a efetivação da atual formação – Floor Jansen está na banda desde 2012, o vocalista e multi-instrumentista Troy Donockley desde 2013 e o baterista Kai Hahto desde 2014, sendo efetivado como integrante oficial após cinco anos apenas como músico de turnê.

Gravado entre agosto e outubro de 2019 em quatro estúdios diferentes (três na Finlândia e um na Inglaterra), Human. :II: Nature. tem produção do próprio Tuomas ao lado de Tero Kinnunen e Mikko Karmila, repetindo o trio que há anos vem assinando os discos da banda. Duplo, o álbum é dividido em duas partes. A primeira vem com nove músicas onde o Nightwish dá sequência à evolução da sua sonoridade, que nunca ficou parada nesses quase 25 anos de carreira. Já o segundo disco traz uma peça de música clássica – ou erudita, como preferir – predominantemente instrumental, que conta com algumas narrações em sua duração e onde a banda não utiliza os instrumentos tradicionais do rock e metal, como guitarra, baixo e bateria.

Um dos pontos altos de Human. :II: Nature. está nas interações vocais entre Floor, Troy e Marco Hietala. O Nightwish possui um trio de vocalistas que possibilita arranjos técnicos e intrincados, e a banda não se furta disso. Floor Jansen é um fenômeno da natureza, com uma voz absolutamente única. Troy vem com um timbre reconfortante e sereno, enquanto o baixista rasga o tom e possui uma técnica e uma agressividade que colocaram o som do Nightwish em um nível superior desde a sua estreia, em Century Child (2002). Nesse novo trabalho o brilho maior fica logicamente com Floor, que é a voz principal. Ela esá mais à vontade e solta que em Endless Forms Most Beautiful, como era de se esperar e como ficou evidente no ótimo ao vivo Decades - Live in Buenos Aires, lançado no final de 2019. Mas Troy Donockley ganha também grande destaque, sendo inclusive a voz principal da linda “Harvest”, assim como Hietala, que assume o protagonismo em “Endlessness”.

Liricamente o álbum fala basicamente sobre a vida, que é o tema recorrente em todas as canções. Inconscientemente, o Nightwish acabou compondo um trabalho que traz letras que adquirem uma dimensão totalmente diferente devido à pandemia que vivemos. E, nesse aspecto, a sonoridade, linhas vocais e arranjos ascendentes da banda, já carregados de emoção, deixam o ouvinte ainda mais à flor da pele. O disco transborda sentimento e beleza, tocando fundo quem não consegue separar a arte da vida real, o som que chega aos ouvidos e a incerteza que vem lá de fora. Isso faz de Human. :II: Nature. um disco único na carreira do Nightwish.

Consistente como de costume, o álbum traz destaques óbvios como a grudenta “Noise” (não por acaso o primeiro single), a linda abertura com a emocionante “Music”, a alternância de vozes de "Shoemaker", a belíssima “Harvest”, a incrível performance vocal de Floor em “Procession”, o peso e agressividade de “Tribal” e o fechamento da primeira parte com os contornos épicos de “Endlessness”. Já a parte orquestrada, que ocupa todo o segundo disco, é de uma beleza inebriante e mostra, de novo e mais uma vez, o incrível compositor que é Tuomas Holopainen. Quem ouve o Nightwish apenas pelo peso e pelo lado metal talvez não curta, mas azar dessas pessoas.

A conclusão é que Human. :II: Nature. traz, novamente, o Nightwish saindo de sua zona de conforto e explorando novos caminhos. O saldo é francamente positivo, com um resultado final que toca fundo no coração do ouvinte. Uma banda única e que, na minha opinião, está com a sua melhor formação. A consequência é mais um disco brilhante em uma carreira repleta de álbuns excelentes.


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