O labirinto impresso na imagem de capa de Everything Is Alive (2023, Dead Oceans), mais recente álbum do grupo britânico Slowdive, funciona como uma importante representação de tudo aquilo que a banda busca desenvolver no primeiro registro de inéditas em seis anos. Sequência ao homônimo trabalho que deu fim ao hiato duas décadas longe dos estúdios, o disco convida o ouvinte a se perder em uma enevoada combinação de guitarras e vozes etéreas. É como uma extensão de tudo aquilo que tem sido explorado desde o inaugural Just for a Day (1991), porém, partindo de uma abordagem essencialmente atmosférica.
Exemplo disso fica bastante evidente quando, logo na abertura do trabalho, em Shanty, os sintetizadores antecedem as guitarras em um direcionamento quase transcendental. Nada que pareça prejudicar a já esperada massa de ruídos que o guitarrista Neil Halstead e seus parceiros de banda, os músicos Nick Chaplin, Rachel Goswell, Christian Savill e Simon Scott, têm incorporado desde o final da década de 1980, quando o grupo foi formado em Reading, na Inglaterra. Pouco menos de seis minutos que acabam servindo como uma minuciosa síntese de tudo aquilo que o Slowdive busca desenvolver em Everything Is Alive.
A diferença em relação a outros trabalhos produzidos pelo quinteto, como o cultuado Souvlaki (1993) e Pygmalion (1995), está na forma como o grupo parece seguir em uma medida própria de tempo. Em Prayer Remembered, por exemplo, as vozes nem aparecem, dando lugar a um jogo de sintetizadores e guitarras paisagísticas que fazem lembrar o encontro de Halstead com a harpista Mary Lattimore, em Silver Ladders (2020). É somente com a chegada de Alife, com suas batidas e vozes sobrepostas, que o trabalho avança e o labirinto sensorial proposto pelo Slowdive começa a fazer sentido, orientando a experiência do ouvinte.
Minutos à frente, em Andalucia Plays, o trabalho volta a desacelerar, porém, encanta pelo refinamento dado aos arranjos e versos descritivos que mergulham na intimidade de um casal. “Você é meu anjo / Vestindo sua camisa favorita / Tecido francês e bolinhas“, canta. Entretanto, é com a chegada da canção seguinte, a já conhecida Kisses, que o disco realmente diz a que veio. Seja pela força das guitarras ou pela combinação quase instrumental entre as vozes de Halstead e Goswell, tudo parece pensado para capturar a atenção do ouvinte e movimentar o registro, como uma extensão da fluidez adotada pela banda no álbum anterior.
Menos urgente do que a canção que a antecede, porém, marcada em essência pelos detalhes, Skin In The Game, vinda logo em sequência, mais uma vez destaca o trabalho do grupo inglês. São incontáveis camadas instrumentais, texturas e vozes que se entrelaçam de forma a brincar com a interpretação do ouvinte. Instantes em que a banda vai de encontro ao mesmo território criativo explorado em Souvlaki, conceito reforçado com a posterior Chained To a Cloud, composição que flerta com o dub, lembrando uma versão simplificada daquilo que o Slowdive havia testado em preciosidades como Souvlaki Space Station.
Posicionada no encerramento do trabalho, The Slab volta a impressionar pelo dinamismo das guitarras e fluidez adotada pelo grupo. É como uma resposta aos minutos iniciais do registro, onde a banda parece vagar sem direção, comprometendo a experiência do ouvinte. Da robustez das batidas, passando pelo uso sempre destacado das guitarras, poucas vezes antes o quinteto inglês demonstrou tamanha força em estúdio. O resultado desse processo resulta em uma obra de extremos. Um misto de calmaria e caos que, mesmo entre altos e baixos, demonstra o contínuo esforço do Slowdive em jogar com as possibilidades.
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