sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Crítica Polara: “Partilha”

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Crítica

Polara

 : "Partilha"

Ano: 2023

Selo: Burning London Records

Gênero: Indie Rock, Pós-Hardcore

Para quem gosta de: Againe e Ludovic

Ouça: Corte, 27-43 e Como Assim

Parece até que foi ontem que corri para baixar Inacabado (2008), último trabalho de estúdio da recém-dissolvida Polara. E talvez tenha sido ontem mesmo, afinal, desde que foi revelado ao público, há 15 anos, o então derradeiro segundo álbum de inéditas do grupo paulistano nunca mais saiu dos fones de ouvido. Para além dessa relação pessoal, o disco, assim como o lançamento anterior, Tempestade Bipolar (2005), se manteve vivo em uma infinidade de outras obras vindas posteriormente, vide as criações de artistas como Raçaeliminadorzinho e Ombu. É como se a essência da banda estivesse ali, em fogo baixo, porém, sempre presente, apenas aguardando o que se concretiza agora com Partilha (2023, Burning London Records).

Primeiro disco de inéditas da Polara em mais de uma década, o registro de dez faixas mostra uma banda tão afiada e potente quanto em seus anos iniciais. Hoje formado pelos músicos Carlos Dias (voz), Mario Cappi (guitarra), André Satoshi (baixo) e Fernando Cappi (bateria), o grupo continua a se aventurar na entrega de canções marcadas por temáticas urbanas, relacionamentos incertos e crises existenciais. São composições marcadas pela urgência dos elementos, como um inquietante fluxo de pensamentos que parte do cenário ao redor, mas a todo momento regressa aos tormentos pessoais que se conectam ao ouvinte.

Você ainda vê o presente / Como um presente só seu / Ou já perdeu o suficiente / Pra entender o que não fez?“, questiona Dias em 27-43, composição que funciona como uma boa representação das angústias e pequenas reflexões que movem o disco. É como uma extensão natural daquilo que o grupo havia testado nos trabalhos anteriores, porém, partindo de um evidente senso de atualização, busca por novos temas e questionamentos que refletem o amadurecimento da banda. Canções que apontam para o passado, mas em nenhum momento deixam de seguir em frente, orientando com urgência o desenvolvimento da obra.

Essa mesma potência explícita nos versos fica ainda mais evidente na formação dos arranjos e andamento rítmico dado ao disco. Logo de cara, somos surpreendidos pela bateria insana de Como Assim, música que não apenas assume a função de reapresentar o trabalho da banda à uma nova parcela de público, como instantaneamente arremessa o ouvinte para dentro do álbum. Pouco mais de dois minutos em que o grupo aponta a direção para o restante da obra, como um preparativo para o que se revela de forma ainda mais interessante em canções como Corte, com sua letra que funciona como um passeio caótico pela cidade de São Paulo, e Como Se Fosse, criação que contrasta a melancolia dos versos com a melodia das guitarras.

Mesmo quando desacelera momentaneamente, como em DisléxicoPartilha nunca deixa atrair a atenção do ouvinte. Há sempre novo elemento, seja ele instrumental, rítmico ou poético, que destaca a força criativa do grupo em estúdio. Composições que começam pequenas, por vezes despretensiosas, mas que assumem diferentes formatações e rumos improváveis, destacando a produção caprichada de Rafael Crespo. É o caso de Penhasco, música que cresce aos poucos, sem pressa, explodindo nos minutos finais. Claro que isso não interfere na entrega de faixas menos interessantes, como Dessa Vez, com suas vozes ásperas e versos que pouco acrescentam quando próximas de outras canções com temáticas similares, como Papéis de Carta.

Nada que pareça diminuir a força do trabalho. Do momento em que tem início, na já citada Como Assim, cada nova composição abre passagem para a música seguinte, evitando possíveis excessos e orientando com dinamismo a experiência do ouvinte até os minutos finais do material. São canções essencialmente curtas, porém, sempre expressivas e musicalmente apuradas, evidenciando um refinamento técnico poucas vezes antes percebido nas criações da banda. Instantes em que o quarteto traz de volta uma série de elementos originalmente testados nos dois primeiros álbuns, porém, longe de sucumbir à nostalgia barata, proposta que faz de Partilha um novo e necessário capítulo na discografia do grupo paulistano.



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