Richard Wayne Penniman nasceu em pleno Natal de 1932, em Macon, Geórgia, Estados Unidos. Filho de pai que ganhava a vida contrabandeando bebida clandestina, e de mãe membro de Igreja Batista, Richard era o terceiro filho de um total de doze que o casal Penniman pôs no mundo. Sua família era bastante religiosa e conservadora, o que iria gerar mais tarde conflitos entre o futuro astro do rock e seu pai.
Na infância, Richard começa a cantar música gospel numa igreja evangélica que sua família frequentava, em Macon. Aprende a tocar saxofone e piano na adolescência. E é justamente na adolescência que os conflitos entre Richard e seu pai se tornam intensos. O estopim foi a homossexualidade de Richard que se revela mais aflorada, o que motiva seu pai a expulsá-lo de casa aos 15 anos de idade.
Expulso de casa, Richard ganha o mundo e inicia a sua carreira profissional cantando nos shows itinerantes de Doctor Nubillo. Entre 1949 e 1950, integrou a orquestra de Buster Brown, que o batiza com o nome artístico que o tornaria famoso no mundo inteiro mais tarde: Little Richard.
Little Richard na adolescência. |
Ao mudar-se para Atlanta, na Geórgia, Richard frequenta clubes e casas noturnas da cidade, e nelas tem contato com o rhythm and blues assistindo a apresentações de Roy Brown e Billy Wright, artistas que irão influenciá-lo artística e esteticamente. Torna-se amigo de Billy Wright, e dele adota o estilo de penteado, maquiagem e o bigode feito a lápis. Um outro artista influenciou esteticamente Little Richard foi o cantor Esquerita (1935-1986), cujo nome de batismo era Eskew Reeder Jr., e que se apresentava usando figurinos bastante extravagantes e topete exagerados.
Em 1951, Billy Wright apresenta Little Richard a Zenas Sears, um radialista branco que tinha um programa numa emissora de rádio em Atlanta dedicado à música. Richard tornou-se uma das atrações nas apresentações ao vivo que Sears costumava promover. Acreditando no seu talento, Sears fez algumas gravações de Little Richard e as enviou para a gravadora RCA Victor, que logo o chamou para assinar um contrato.
Através da RCA Victor, Little Richard lançou entre 1951 e 1952, quatro singles com duas canções cada uma, mas sem nenhuma repercussão, o que motiva o fim do contrato com a gravadora. Richard deixa Atlanta e vai morar em Houston, onde assina em 1953 com uma gravadora local, a Peacock Records, que lança dois singles, mas que também não causam nenhuma repercussão.
Billy Wright e Esquerita: referências estéticas para Little Richard. |
Desiludido com o fracasso comercial dos singles que gravou, Little Richard retorna a Macon em 1954. Nessa época, o pai de Richard já era falecido haviam dois anos. Foi assassinado a tiros inacreditavelmente pelo melhor amigo de Richard.
Para sobreviver, Richard foi trabalhar como lavador de pratos num restaurante em Macon. Mas ele não havia desistido da música definitivamente: em fevereiro de 1955, envia uma fita demo para a gravadora Specialty Records. Sete meses depois, veio a resposta da gravadora que enxergou em Little Richard, um artista que ela procurava para enfrentar no mercado fonográfico Ray Charles e Fats Domino, cantores pianistas negros que estavam fazendo um enorme sucesso. Richard além de cantar e tocar piano, tinha um estilo próprio e fora do comum de apresentar-se ao vivo.
Richard rescinde o contrato que ainda tinha com a Peacock Records, e assina com a Specialty Records, que de imediato escala Robert “Bumps” Blackwell para produzir as gravações do seu novo contratado.
Em setembro de 1955, Blackwell e Little Richard partiram para Nova Orleans, onde foram fazer as primeiras gravações do jovem cantor pela Specialty no J & M Studios, do engenheiro de som Cosima Matassa, estúdio fundado por ele em 1945 e que foi fundamental na formatação do som que daria origem ao rock’n’roll. Diversos astros da música como Fats Domino e Ray Charles, costumavam gravar no J & M Studios naquela época.
A contratação de Little Richard foi uma resposta da Speciality Records ao sucesso de Ray Charles e Fats Domino. |
Durante as gravações, Little Richard foi acompanhado por músicos da orquestra de Dave Bartholomew, e que se tornaram músicos de estúdio excepcionais como o saxofonista Lee Allen - cujos solos de saxofone tenor se tornaram padrão no rock'n'roll - Alvin "Red" Tyler (saxofones barítono), Huey Smith (piano), Ernest McLean (guitarra), Frank Fields (baixo) e Earl Palmer (bateria).
O primeiro single de Little Richard pela Specialty a ser lançado foi nada menos que “Tutti-Frutti”, em outubro de 1955. Ao contrário dos singles anteriores que Richard gravou pela RCA Victor e Peacock Records, este causou um grande impacto no meio musical norte-americano. A começar com a voz gutural de Little Richard no início da música ao berrar o indecifrável “Wop bop a loo bop a lop bam boom!”. O single alcançou o 2º lugar da parada de rhythm and blues da Billboard, nos Estados Unidos, e o 29º lugar no Reino Unido. As vendas do single atingiram a marca de 1 milhão de cópias.
Little Richard no auge da fama. |
Daí em diante, seguiram-se mais cinco singles lançados pela Specialty até o lançamento do primeiro álbum, dentre os quais o de “Long Tall Sally” (1º lugar na parada de singles de rhythm and blues da Billboard em março de 1956) e de “Rip It Up” (1º lugar na parada de singles de rhythm and blues da Billboard em agosto de 1956). A ascensão de Little Richard acabou atraindo a atenção de outros astros do rock’n’roll como Elvis Presley, Bill Haley, Eddie Cochrane e Pat Boone que regravaram as canções que se tornaram sucesso na sua voz.
Em março de 1957, a Specialty lançou o primeiro álbum de Little Richard, intitulado Here's Little Richard. Além das faixas lançadas anteriormente como singles, o álbum trouxe outras até então inéditas. Here's Little Richard é marcado pelo vozeirão agressivo e potente de Richard, e o seu piano frenético e nervoso. As raízes musicais que deram formato ao rock’n’roll, como o blues, o rhythm and blues, o jazz, o boogie-woogie e o jump blues, estão presentes ao longo das 12 faixas que compõem o álbum.
Bill Haley e Elvis Presley foram alguns dos astros do rock que regravaram sucessos de Little Richard. |
Here's Little Richard abre com a música que foi o primeiro single de Richard pela Specialty, a extraordinária “Tutti Frutti”, e o seu já conhecido grito indecifrável. Little Richard toca seu piano inquieto, enquanto Lee Allen faz os solos de saxofone tenor fenomenais, o que demonstra que nos primórdios do rock’n’roll, as guitarras ainda não tinham assumido o protagonismo nesse gênero musical.
Embora seja um rock’n’roll, percebe-se em “True Fine Mama” que Little Richard escancara nos seus vocais as suas raízes na música gospel que ele aprendeu a cantar na igreja durante a infância, uma influência que ele carregaria para o resto da sua carreira artística. Em toda a canção os vocais são apoiados no canto à base de “chamada e resposta”, um legado da música gospel que o rock’n’roll e a soul music herdaram.
“Can’t Believe You Wanna Leave” é uma balada romântica sobre um homem que sofre ao saber que a mulher que ama irá partir com outro homem. Richard faz um uso da sua voz potente, cantando de maneira estridente na busca de dar ênfase à dor desse homem que fora abandonado pela mulher tanto amou.
Em “Ready Teddy”, Little Richard canta sobre o efeito irresistível que o rock’n’roll causa nas pessoas. A música for regravada por Elvis Presley, Buddy Holly, The Tornados entre outros astros do rock.
Little Richard e sua banda em performance no filme Don't Knock The Rock (Ritmo Alucinante, no Brasil), em 1956. |
Little Richard canta em “Baby”, mas o piano aqui fica por conta de Huey Smith. Nesta faixa, os saxofones exercem um total protagonismo. A presença intensa dos saxofones prossegue em “Slippin’ And Slidin”, onde o saxofone barítono de Alvin Tyler, juntamente com o piano frenético de Little Richard, “forram” o fundo instrumental da música, enquanto Lee Allen desfila com solos magníficos com o seu saxofone tenor.
A contagiante “Long Tall Sally” é outra faixa antes lançada como single e que foi incluída no álbum. Richard canta alucinadamente e toca piano. Lee Allen mais uma vez se destaca com seu saxofone tenor em solos brilhantes. “Long Tall Sally” é um dos maiores sucessos da carreira de Little Richard. Foi regravada por vários artistas, dentre os quais Pat Boone, Elvis Presley e Beatles.
“Miss Ann” é um rhythm and blues de ritmo moderado cuja letra trata da paixão de um homem pela senhoria Ann, a quem diz que estar ao seu lado, é como morar no paraíso. Um tormento toma conta de Little Richard em “Oh Why”, em que ele sonha que está preso por um crime que não cometeu.
Little Richard dando um trato no topete. |
Lançada antes como single, “Rip It Up” é um rock’n’roll sobre a felicidade de um rapaz que recebe o seu salário e sai na noite de sábado para se divertir. “Rip It Up” ganhou versões de Bill Haley & His Comets, Elvis Presley, Chuck Berry e Buddy holly.
Little Richard parece entrar numa maratona vocal em “Jenny, Jenny”, fazendo os vocais de “chamada e resposta”. Normalmente isso é feito entre o cantor e os vocais de apoio. Os saxofones pontuam todo andamento da faixa, tendo uma participação mais perceptível do saxofone barítono fazendo a base rítmica, enquanto o saxofone executa os solos.
Fechando o álbum, “Shes Got It”, um rock’n’roll sobre uma linda e sedutora garota de olhos azuis e longos cabelos negros. Animada, a música a partir da sua reta final traz um “duelo” entre o piano enlouquecido de Little Richard e os solos de saxofone tenor de Lee Allen, ambos tocando num ritmo como se estivesse disputando uma corrida.
Here's Little Richard figurou por cinco semanas em 13º lugar na parada de álbuns da Billboard, nos Estados Unidos. O sucesso que já vinha desfrutando desde o lançamento dos compactos, o levou a uma turnê pela Austrália com Gene Vincent & Blue Caps e Eddie Cochrane. No meio da turnê australiana e em pleno auge da fama, Richard anuncia que está abandonando a carreira artística para se dedicar à religião. Ao voltar aos Estados Unidos, decide que irá se dedicar à música gospel. Nos próximos sete anos, lança discos e faz shows voltados à religião.
Little Richard em 1962, quando se apresentou em Liverpool, Inglaterra, e teve os Beatles abrindo o seu show, dois anos antes da fama mundial. |
Em 1964, com a “Invasão Britânica”, capitaneada pelos Beatles, Richard volta ao rock’n’roll, uma atitude que se tornará constante ao longo de sua vida, o que demonstra um conflito entre a sua religiosidade e o rock’n’roll que permaneceu ao longo de sua vida.
Apesar de tudo, Little Richard já havia plantado as sementes do futuro do rock nos anos 1950 quando vivenciou a plenitude da sua carreira. Os cortes extravagantes de cabelo, os figurinos espalhafatosos e a sua postura um tanto quanto efeminada, anteciparam o glam rock de David Bowie e Marc Bolan nos anos 1970. A equação astro do rock, piano e excentricidade e apresentações explosivas, serviu de modelo para Elton John. Seu canto potente, agressivo e selvagem, influenciariam mais tarde os vocalistas de hard rock como Ian Gillan (Deep Purple) e Bon Scott (AC/DC).
Embora Richard tenha gravado vários discos durante a sua longa carreira, ele nunca conseguiu gravar um álbum que superasse Here's Little Richard, que em 2003, figurou em 50º lugar na lista dos 500 Maiores Álbuns De Todos Os Tempos da revista Rolling Stone.
Faixas
Lado 1
- "Tutti Frutti" (Richard Penniman - Dorothy LaBostrie - Joe Lubin)
- "True, Fine Mama" (Penniman)
- "Can't Believe You Wanna Leave" (Leo Price)
- "Ready Teddy" (Robert Blackwell - John Marascalco)
- "Baby" (Penniman)
- "Slippin' and Slidin'" (Penniman - Eddie Bocage - Al Collins - James Smith)
Lado 2
- "Long Tall Sally" (Enotris Johnson – Blackwell - Penniman)
- "Miss Ann" (Penniman - Johnson)
- "Oh Why?" (Winfield Scott)
- "Rip It Up" (Blackwell - Marascalco)
- "Jenny, Jenny" (Johnson - Penniman)
- "She's Got It" (Marascalco - Penniman)
"Tutti Frutti"
"True Fine Mama"
"Can't Believe You Wanna Leave"
"Ready Teddy"
"Baby"
"Slippin' And Slidin (Peepin' And Hidin')"
"Long Tall Sally" (Little Richard em
performance no filme
Don't Knock The Rock, 1956)
"Miss Ann"
"Oh Why?"
"Rip It Up"
"Jenny Jenny"
"She's Got It"
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