terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Crosby, Stills & Nash – Crosby, Stills & Nash (1969)

 

O feliz e frutoso casamento da folk e do rock tem no disco de estreia dos Crosby, Stills & Nash um dos seus momentos mais altos

No final dos anos 60, a música popular norte-americana estava dominada por duas correntes: a folk conotada com o movimento hippie, que perdia algum gás; e o rock, sobretudo da costa Oeste, caminhando para caminhos cada vez mais pesados e psicadélicos. Um dos fenómenos mais dominantes da década seguinte viria do cruzamento da folk e do rock, e da emergência suprema do singer-songwriter. Ora um dos grandes sinais desse movimento e um dos seus enormes impulsionadores foi este grupo, os Crosby, Stills & Nash.

Os três, apesar de jovens, eram já quase veteranos de outras experiências: Davis Crosby com os Byrds, Stephen Stills com os Buffalo Springfield e o inglês Graham Nash com os Hollies. No final de 1968, estes grupos tinham-se desintegrado ou excluído estes três músicos, que deram por si desempregados e desiludidos. A sua junção não era necessariamente óbvia, porque todos compunham, todos tocavam guitarra, todos tinham já uma bagagem que podia vir com mais ego do que o desejado (e nalguns casos vinha mesmo). Não havia baterista nem baixista fixo. O que havia era a grande vontade de fazer música, muitas ideias para temas originais, muito talento e três vozes que se fundiam de forma tremenda nas harmonias vocais que ficariam como uma das suas grandes imagens de marca.

O disco de estreia, homónimo, foi gravado rapidamente em Los Angeles, depois de uma tentativa, em Londres, de serem contratados para a Apple Records, dos Beatles, numa altura em que o grupo não tinha ainda sequer nome. Há, aliás, uma história curiosa à volta da capa do próprio disco. As fotos foram tiradas numa casa abandonada em West Hollywood, que tinha um sofá meio desfeito no alpendre. Na imagem que serve de capa, os músicos aparecem com a ordem trocada face ao nome do grupo, exactamente porque à altura da sessão fotográfica…ainda não havia nome. Quando decidiram que se chamariam Crosby, Stills & Nash decidiram fazer uma nova sessão com os rapazes na ordem certa. Acontece que, lá chegados, a casa tinha sido entretanto demolida, pelo que foram utilizadas as fotografias que já tinham sido tiradas.

Durante a gravação, surgiram de imediato os problemas que marcariam toda a vida da banda. A personalidade dominante de Stephen Stills cobriu tudo e, apesar dos três músicos contribuirem com temas, quase tudo o que aparece gravado em Crosby, Stills & Nash foi tocado por Stills, à excepção da bateria. O ex-Buffalo Springfield chegou a aproveitar momentos de ausência dos colegas para ir gravando coisas que estavam destinadas aos outros, gerando naturais discussões posteriores. No entanto, na esmagadora maioria delas, Stills levaria a sua avante, pela simples razão de que Nash e Crosby eram forçados a reconhecer a sua mestria musical e a concordar que o trabalho de Stills merecia figurar no disco.

No final de Maio, quando o álbum chegou às lojas, foi um sucesso imediato e ninguém imaginaria conflitos internos na banda, tal a fantástica harmonia (nomeadamente vocal) que emanava de Crosby, Stills & Nash. Entre os temas estão alguns dos grandes clássicos que perdurariam até hoje: “Suite: Judy Blue Eyes”, tema de Stills dedicado à sua ex-namorada, a cantora Judy Collins; a alegre loucura hippie de “Marrakesh Express”; a complexa viagem acústica de “Guinnevere”; o blues-rock “Long Time Coming” de Crosby; e a fabulosa “Wooden Ships, um dos grandes temas da década, escrito por Crosby, Stills e por Paul Kantner, dos Jefferson Airplane (que só anos mais tarde recebeu o crédito de composição pelo tema).

Terminada a gravação, e perante o sucesso do disco, insinuou-se um problema óbvio: não seria possível levar para a estrada aqueles temas complexos com apenas os três músicos. Stills era o instrumentista mais versátil, podendo tocar praticamente tudo menos bateria, mas não chegava para tudo. A resposta chegaria com a junção de membros não-oficiais e com a entrada de mais um peso-pesado: Neil Young, que fizera parte dos Buffalo Springfield com Stills e com quem tivera várias zangas devido à personalidade dominante de ambos. Young era um bom guitarrista e um teclista eficiente, para além de se estar a afirmar como um excelente compositor, prometendo mais material fresco para futuros discos deste supergrupo (o que se veio a confirmar muito rapidamente).

Com meia dúzia de ensaios, a banda preparava-se para embarcar numa digressão de quase 40 datas. O primeiro concerto com o novo alinhamento de músicos foi em Agosto de 1969, em Chicago, com a enorme Joni Mitchell a abrir o evento. No dia seguinte, estava prevista nova data, numa coisa chamada… Festival de Woodstock. Foi um verdadeiro teste de fogo, sobretudo porque, além da gigantesca multidão, estava presente boa parte da nata da indústria musical da altura. Não podiam falhar, e não falharam. Com um disco bem sucedido e com a presença em Woodstock no currículo, estavam lançados. Ainda no mesmo ano tocaram no Festival de Big Sur e no Altamont, no finalzinho do ano, com apenas cinco temas que ganharam nova vida em palco. Infelizmente, a banda não permitiu que a sua prestação fosse incluída no excelente documentário Gimme Shelter.

Num conjunto em mutação e desintegração aceleradas, foi em palco que os Crosby, Stills & Nash (& Young) cimentaram a sua reputação, até porque o registo em disco ainda deu alguns bons trabalhos mas em número insuficiente para construir um corpo de obra muito abrangente. Anos mais tarde, depois de zangas que pareciam definitivas, ainda os músicos se conseguiam juntar para longas e muito lucrativas digressões pelos EUA. O público norte-americano criou, de facto, uma sólida relação de amor com Crosby, Stills, Nash & Young.

E foi devido a esse sucesso e à sua fórmula muito própria que foi preparado o terreno para a afirmação de fenómenos como o “som de Laurel Canyon”, o cruzamento da folk e do country com o rock, ou o advento do singer-songwriter que fala do político mas também do pessoal. A descendência deste Crosby, Stills & Nash é longa e óbvia, dos Eagles à fase imperial dos Fleetwood Mac.

Mas, mais do que isso, é um fantástico disco por direito próprio.



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