domingo, 24 de dezembro de 2023

Slow J – You Are Forgiven (2019)


 

Sejam bem-vindos à história de Slow J.

“Até que idade tenciona, Sam, continuar a ser The Kid?” A pergunta, que se ouve em Pratica(mente) foi feita há mais de dez anos e ainda hoje não se lhe conhece resposta. Acabado de esgotar Coliseu na celebração dos 20 anos de carreira, Sam the Kid continua irrequieto como se, em vez de um homem de 40 anos, debaixo dos holofotes estivesse um puto incapaz de sossegar, de definir o caminho entre a produção e a frente do palco, entre os Orelha Negra e a carreira a solo, entre os discos em companhias mais ou menos obscuras, projetos a solo ou faixas desconexas lançadas sem aviso para a internet. Sam, aposto, dirá que o seu caminho é esse e que se “a juventude é mentalidade” e se a “idade não interessa quando há capacidade” porque haveria de se limitar a uma só especialidade? Com talento à prova de críticos avessos a rimas e batidas, porque haveria, o puto Samuel, de se lançar ao caminho dos adultos, o das edições de coletâneas, das colaborações mediáticas, da música para novelas, rádios ou anúncios? Sam será sempre The Kid. Outros há, porém, que nem conseguem disfarçar os saltos bruscos de crescimento, próprios da adolescência, de quem, sem notar, se fez adulto, pai de família, músico de nome grande em meia dúzia de anos. Sejam bem-vindos à história de Slow J.

Nasceu em Setúbal em 1992, estudou engenharia de som em Londres, tocou guitarra em bandas de rock acelerado, regressou a Lisboa para estagiar na Big Bit Studios e em 2015 lançou-se em nome próprio, como rapper, com The Free Food Tape. Dois anos depois, chegava The Art of Slowing Down e um concerto no Super Bock Super Rock, o verdadeiro cartão de visita para o grande público. Passados outros dois anos, chega You Are Forgiven, o disco a assinalar a entrada na idade adulta, o disco que o confirma entre os melhores e mais seguros talentos entre os ‘putos’ da música nacional.

Podia ser regra num manual de instruções para se conseguir um bom disco – arrancar com a voz de Sara Tavares, ajuda quem ouve e, suspeito, quem grava também. Para outra regra do que podia ser O Manual de Iniciação a música tudo menos banal, a adaptação de um velho ditado: não há segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão. O manual, até ver, é imaginário, mas Slow J já mostra conhecer-lhe os cantos. You Are Forgiven arranca com “Também Sonhar”, uma das melhores faixas do disco, a única em que Sara Tavares canta, a que nos embala para o que segue. E não é bem hip hop, seguramente não é pop, não é música africana, também não é rock, muito menos será fado, e ainda assim, soa a tudo, soa a música de autor, soa a Slow J.

Em “FAM”, dueto com Papillon, passeamos até África e ouvimos a garantia: “onde come um, comem dois”. Mais à frente, em Lágrimas, é impossível não ouvirmos o tão nacional Fado e, sem nunca perder o mais evidente dos carimbos com que podemos catalogar Slow J, sempre com bom rap, do melhor do que por cá se ouve. Segue-se “Teu Eternamente” e depois outro dos grandes momentos de um disco sem pontos fracos, “Só queria sorrir”.

Nos primeiros anos de carreira, é conhecida é conhecida a convivência com NBC, histórico do hip hop e uma das melhores vozes da soul nacional, e Valete. A inspiração nos versos de Sam the Kid e Manuel Cruz também nunca foi escondida. Mas ao fim de seis anos de carreira, a música já é mesmo sua, madura ao terceiro disco.

Música marcante o suficiente para até, pasmem-se, desrespeitar o “Manual de iniciação a Música tudo menos banal”. É que esse alerta para os riscos de guardar o melhor para o fim, a sugestão que Slow J ignora. É com “Silêncio” que fecha o disco, a adolescência e também a porta da sala onde reunem os aspirantes a mestres do Manual. Slow J deixou de ser candidato e a declaração de intenções que deixou em Comida perdeu o tom de graça para a passar a real possibilidade. Será que vai mesmo “fazer ao Rui Veloso o que o Ronaldo fez ao Figo”? Ficamos à espera.


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