quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Whitney – Forever Turned Around (2019)


 

Forever Turned Around é uma representação fiel da solidão instantânea que sentimos quando estamos longe das pessoas com quem mais gostamos de partilhar a vida.

Arrependo-me de poucas coisas na minha vida. Tento nunca pensar no que poderia ter feito num certo contexto de modo a alterar o rumo das coisas, porque, quando o faço, acabo por dar mais força ao meu arrependimento.

Arrependo-me de não ter visto os Whitney em Paredes de Coura, e se pudesse voltar atrás no tempo, tenho hoje a certeza de que teria ido assistir a esse concerto e teria, com certeza, bebido uma cerveja fresca enquanto os ouvia a dar vida aos seus instrumentos, numa comunhão perfeita com a Natureza.

Estávamos em 2016. Eu era mais novo do que sou hoje e os Whitney também. Eu fiquei a dormir na tenda e eles subiram ao palco, onde apresentaram o seu primeiro álbum de originais, Light Upon The Lake, que havia sido lançado, na altura, há relativamente pouco tempo. As músicas estavam fresquinhas e eu não as aproveitei.

Três anos passaram e o conjunto de Chicago voltou ao nosso país por duas vezes (ao Vodafone Mexefest e ao NOS Primavera Sound) e eu continuei sem vê-los. (O leitor já deve estar a achar que eu nem gosto «assim tanto» da banda, mas eu juro que estes jovens norte-americanos me aquecem o coração e os ouvidos de uma forma especial.)

Em abril de 2019 a banda anuncia o lançamento do seu segundo álbum, Forever Turned Around, a ser lançado em agosto. O albúm já está cá fora, tem sido muito bem recebido, sendo que agora é a nossa vez de o receber. Mas antes considero ser importante recuar até 2014 para percebermos, afinal, quem são os Whitney.

No total, a banda é composta por oito membros. Desses oito, devemos referir individualmente dois deles, que são necessariamente as «principais» figuras do conjunto, até porque são os que dão a cara pela banda: Max Kakacek e Julien Ehrlich. Antes de tocarem em Whitney, faziam parte dos Smith Westerns, conjunto que se extinguiu em 2014. Por mais incrível que pareça, Julien, entre 2010 e 2012, chegou mesmo a ser o baterista dos Unknown Mortal Orchestra, tudo porque Jake Portrait (baixista dos UMO) trabalhava, nesse período, na loja de discos do pai de Julien, responsável pela educação musical do seu filho – Julien nem tinha 3 anos e já tocava bateria, por influência do seu pai.

Whitney. Antes do lançamento oficial de Forever Turned Around, a banda lançou três singles. O primeiro foi “Giving Up”, o segundo “Valleys (My Love)” e o terceiro “Used To Be Lonely”. Mas ainda antes do lançamento desses três registos, a banda partilhou um teaser no Youtube, como forma de dar a conhecer aos seus seguidores os primeiros traços de Forever Turned Around. O vídeo não tem mais do que dois minutos e é uma demonstração bastante fiel daquilo que o álbum viria a ser, devido à combinação de cenas da natureza (florestas, árvores, pores-do-sol e afins) registadas a partir de antigas máquinas de filmar com «cuts» de momentos da banda em estúdio. A canção que acompanha o teaser acaba por ser aquela que vem a fechar o álbum, com o seu título a fazer jus ao nome do projeto, “Forever Turned Around”.

A expressão «forever turned around» é, logicamente, fundamental para um correto entendimento do álbum em análise, mas o que é que quererá dizer? Nunca iremos conseguir invadir as cabeças de Julien e de Max (tanto um como o outro escrevem as letras das canções da banda), mas podemos tentar percebê-las.

Se em Light Upon The Lake seguimos uma estrada que nos conduz a um amor veranil e melancólico, em Forever Turned Around deparamo-nos com um estado de ansiedade, onde nada é certo e tudo é uma longa interrogação. Em Forever Turned Around, as margens calmas e límpidas do lago que tinha sido retratado no primeiro registo da banda transformam-se com o passar do tempo e com as sucessivas estações do ano.

Em Forever Turned Around, Julien e Max admitem, nas suas canções, o difícil que foi conciliar a típica vida de músico (a que é passada na estrada com os instrumentos às costas) com as pessoas – e respetivas relações – que deixavam em casa, nas alturas em que andaram um pouco por todo o mundo a apresentar o primeiro álbum da banda. Aqui, quando me refiro a «pessoas», refiro-me, especificamente, às namoradas dos dois músicos.

Forever Turned Around é uma representação fiel da solidão instantânea que sentimos quando estamos longe das pessoas com quem mais gostamos de partilhar a vida.

E quando essa separação é forçada, sentimos, dentro de nós (e fora também, e em toda a parte do mundo), uma ansiedade desmedida que, em momentos mais intensos, vem acompanhada por um medo ensurdecedor, que nos transporta para períodos passados, nos quais vivíamos numa solidão intransponível.

As duas primeiras canções do álbum, “Giving Up” e “Used To Be Lonely”, retratam bem os sentimentos expostos. Neste sentido, vale a pena incluir nesta parte do texto os primeiros versos de “Used To Be Lonely”: «Well it made no sense at all/ Until you came along/ I’m afraid you´re letting go / ‘Cause the only life I’ve ever known». São explicativos, não são?

A terceira canção do álbum é bem representativa da capacidade vocal de Julien Ehrlich, que fez dos seus falsetes a sua imagem de marca. A lírica desta canção é bem abstrata, no entanto, é facilmente reconduzível ao mesmo estado de alma, ansioso e intranquilo, que parece não se desprender do espírito do autor. Mas ele já está decidido e vai-se embora, dissolvendo-se no por-do-sol, como se com isso conseguisse alterar as formas do espaço e do tempo.

A quarta faixa é a “Song For Ty”, que começa com notas de guitarra reconfortantes. Na verdade, toda a canção é reconfortante, pois os nossos sentidos enrolam-se fácil e rapidamente na instrumentalidade da mesma. É, por isso, uma canção típica dos Whitney, que encontram naquelas harmonias límpidas oriundas do soft-rock dos anos 70 o seu habitat natural.

“Valleys (My Love)” fala sobre a temática da separação sob um ponto de vista mais objetivo – «Pretending everything’s alright/ We’ve been drifting apart for some time». Para além disso, a canção deixa bem explícito o efeito que a pessoa que está em falta tem sobre o autor – «And every time you come around/ Well, the days seem to slow down».

A música que Julien e Max se deram ao luxo de produzir em Forever Turned Around é curiosa sob um aspeto muito específico: os intérpretes conseguiram transmitir sentimentos negativos, como a ansiedade, o medo e o nervosismo, escondendo-os em músicas que, «à primeira vista», são alegres (devido aos seus instrumentais vívidos e contemplativos), mas que carregam em si uma boa dose de melancolia e tristeza.

Em “Rhododredon” assistimos a uma aproximação mais intensa às sonoridades de Light Upon The Lake – há um claro domínio de instrumentos de sopro. Este é um tema instrumental, podendo ser entendido como um interlúdio que antecede a faixa número sete, “My Life Alone”.

Em “My Life Alone”, temos mais do mesmo e isto não é uma crítica. É um elogio. O autor reflete, mais uma vez, sobre a sua solidão e conclui – e conclui sempre – que pretende voltar a estar na companhia da pessoa que lhe faz falta – «’Til we’re back together, dancin’slow». Analisado o aspeto lírico da canção, passemos agora para o aspeto instrumental da faixa: este é, talvez, o melhor momento de Julien pois esta é a faixa que reúne mais momentos de percussão, sobretudo através de lentas e pensadas batidas de bateria… Sim, em Whitney, o vocalista é o baterista. (É o que dá tocar bateria desde os 2 anos… Conciliar a bateria com o canto não parece ser muito difícil para Julien.)

Os Whitney parecem sempre conseguir reproduzir fielmente uma ideia – ou um estado de espírito – ao longo das suas produções, pois nunca perdem o sentimento condutor dos seus projetos. Haviam-no conseguido no álbum de estreia e conseguiram novamente nesta segunda experiência. E é por isso que todas as músicas invadem o ouvinte da forma mais natural possível. As harmonias são equilibradas; não há uma que seja mais leve ou mais pesada do que outra. E cada som está no seu lugar devido. Nós nem damos pelas guitarras em “Day & Night”, mas elas estão lá. É por isso que a musicalidade dos Whitney passa a correr pelos nossos ouvidos e nós quase que não damos por ela, de tão discreta que é.

A penúltima faixa do LP “Friend of Mine” é a mais longa do trabalho (tem 4 minutos e 10 segundos), mas, pelas razões anteriormente apresentadas, está em pé de igualdade com as restantes canções. Esta aborda um assunto diferente daqueles que foram apresentados nos outros momentos do álbum: em “Friend of Mine” deparamo-nos com uma relação, certamente de amizade, que se terá dissolvido com o tempo e com a distância.

Bem sei que a beleza é um prisma subjetivo, mas a derradeira faixa de Forever Turned Around (que tem então o mesmo nome do LP) pode mesmo ser a mais bonita das 10 músicas que Julien e Max esculpiram em conjunto. “Forever Turned Around” é uma porta entreaberta, pois não está fechada nem aberta. É uma despedida, sim, porque fecha este álbum e o ciclo que o circunscreveu, mas não soa a despedida. “Forever Turned Around” é um reencontro. Um bonito reencontro.

Os Whitney conseguiram, mais uma vez, guardar a sete chaves um sentimento numa produção sua. É um feito complicado; nem todas as bandas conseguem alcançar esse patamar criativo. Max e Julien foram capazes de colocar toda a ansiedade que foram sentido ao longo das suas jornadas em 10 músicas que, apesar de serem logicamente todas diferentes entre si, provêm do mesmo lugar e são feitas da mesma matéria: de saudade.




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