quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Lana Del Rey – Norman Fucking Rockwell! (2019)


 

Era um dos discos mais aguardados deste ano. A mestria dos vários singles que foram sendo lançados assim o antecipava.  E houve também um certo mistério em torno da data de edição e do nome. Saiu a 30 de agosto. O suposto final do Verão. Mas o sol continua a brilhar para Lana Del Rey. Fez o seu melhor álbum até agora.

Comecemos pelo início. Quem é – ou quem foi – Norman Rockwell, o nome que dá titulo ao quinto e mui aguardado novo álbum de Lana Del Rey? Norman Rockwell foi um pintor e ilustrador norte-americano (1894-1978) e que ficou conhecido por retratar com realismo e exactidão cenas da vida quotidiana da América, desde o jantar de rolo de carne assado num domingo à noite à parada de homenagem aos soldados recém chegados da I Grande Guerra. O seu trabalho nem sempre caiu muito bem junto da crítica que o tratava apenas como ilustrador, estatuto considerado menor que o de pintor. Mas como em tudo, o tempo veio dar-lhe o devido reconhecimento e Norman Rockwell é hoje considerado uma espécie de sumidade no retrato da sociedade norte-americana, a mais tradicional, a mais moral e politicamente correcta.

E o que é que isso tem a ver com Lana Del Rey? Tudo. A música, letras, videos e imagens que usa nos concertos e para se promover estão carregadas de símbolos e referências à sociedade e à cultura norte-americana, que são usados, ora com encanto ora com desencanto, ora com elogio ora com ironia, às vezes dissimulados, escondidos nas canções como se fossem uma sopa de letras.

Tem sido assim em todos os álbuns e, neste aspecto em particular, Norman Fucking Rockwell! não é diferente. Tal como se mantêm as canções sobre como é viver nos dias de hoje, com vitórias e derrotas e relações problemáticas e até submissas com homens que nunca saberemos se são personagens reais ou imaginárias.

Mas é só nestes dois aspectos que Norman Fucking Rockwell! se assemelha aos restantes álbuns. A alguns dos homens problemáticos que figuram neste disco, Lana Del Rey eleva-se e diz “que se fodam!”. E as referências à América e à cultura pop atual são tratadas com mais desencanto e ironia.

“Hawaii just missed that fireball, L.A. is in flames‚ it’s getting hot, Kanye West is blond and gone”, canta na grande “The Greatest” aludindo a vários acontecimentos recentes nos EUA, para depois concluir que “”Life on Mars” ain’t just a song, I hope the live stream’s almost on”. Na soberba “Hope is a Dangerous Thing for a Girl Like to Me Have – But I Have It” quase declama “Hello, it’s the most famous woman you know on the iPad; Calling from beyond the grave, I just wanna say, “Hi, Dad””. E em “Fuck it I Love you”, talvez um dos temas mais normais, ouve-se “So I moved to California‚ but it’s just a state of mind; It? turns out everywhere you go‚ you take yourself‚ that’s not a lie”.

Aliás, podíamos ter começado logo pelo Fucking e até pelo detalhe do ponto de exclamação do nome do disco. Como que a vociferar contra a América realista que Norman Rockwell pintava. “Give me Hallmark; One dream, one life, one lover; Paint me happy and blue; Norman Rockwell; No hype under our covers; It’s just me and you”, canta em “Venice Bitch” no mesmo verso que termina com um sarcástico “You’re beautiful and I’m insane; We’re American-made”. Por momentos lembrei-me do filme Assassinos Natos, de Oliver Stone, em que dois amantes se transformam em serial killers, mas acabam por se transformar em estrelas pop, adorados por toda a América e a figurar em todas as capas de revista.

Só por isto podíamos dizer que este não é apenas mais um disco de Lana Del Rey. De facto, não é sequer da mesma estirpe que os anteriores. Lana regressa às melodias mais introspectivas, soturnas e melancólicas que já nos tinha dado em Ultraviolence – o álbum de 2014 produzido por Dan Auerback dos Black Keys e que era, até agora, o seu melhor trabalho – mas melhora-as, dando-lhes ainda mais simplicidade e delicadeza.

Aqui não há fogo de artifício pop. Em Norman Fucking Rockwell! a bateria (ou a batida) virou subtil e foi substituída por um piano aconchegante que acompanha a voz, aqui claramente destacada, mas sem exageros, contida, às vezes em jeito de declamação ou lamento. Como em “Hope is a Dangerous Thing for a Woman Like me to Have – But I Have It” – o tema que encerra o disco de forma magistral. Ou em “Mariners Apartment Complex”, outra das canções mais extraordinárias deste álbum e, na verdade, das mais belas que Lana já fez. Ou ainda em “Venice Bitch”, um tema que parte de forma tradicional, ao piano, mas evolui para uma pequena odisseia de quase nove minutos, com uma guitarra psicadélico-progressiva e a voz de Lana a susurrar repetições. Sem dúvida, outras das melhores. Deste disco e e de todas as que já fez.

Este é, definitivamente, um disco de detalhes. É um disco suave, para se ouvir em conforto e com atenção e que lança no ar uma certa curiosidade sobre como serão os concertos desta digressão, que arranca a 21 de setembro nos EUA. É o disco onde a composição lírica de Lana e a composição musical do produtor Jack Antonoff (que trabalhou com Lorde, St.Vincent ou Taylor Swift) melhor se conjugam e atingem o seu maior patamar (será que Lana encontrou o seu produtor perfeito?). Em suma, é o melhor trabalho de Lana Del Rey até à data e um dos discos a figurar nas listas dos melhores deste ano.

Mas há um mas. Como qualquer disco, Norman Fucking Rockwell! é uma viagem, mas tem algumas pedras e desvios pelo caminho, ou seja, há por lá alguns temas não tão bem construídos ou mesmo forçados. São muito poucos, é verdade, principalmente num total de 14 temas, só que chegam para minar a coerência do disco como um todo. Mas sejamos sinceros, um álbum de nota máxima é algo em que se tropeça raramente. É mais fácil encontrar canções belas e magistrais. E em Norman Fucking Rockwell! há muitas.



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