Los Hermanos apostam em acabar com o Carnaval e lançam disco em formato quarta feira de cinzas.
O segundo álbum é, consensualmente, um dos produtos mais difíceis de esgalhar na carreira de uma banda. No caso dos Los Hermanos, esse peso tornou-se ainda mais acentuado, devido à loucura que tomou de assalto o Brasil (e Portugal também) com “Anna Julia”, êxito instantâneo, usado e abusado até à exaustão, qual “Losing My Religion”, qual “Creep”, qual “Last Nite”, canções óptimas que se tornaram um monstro para as bandas que as criaram derivado da sua massiva repetição em rádios, tv e outros media afins. O normal seria que os quatro garotos se deixassem levar pelo êxito e, tal como desejava a sua editora, surfar a onda com mais hits orelhudos. Mas Camelo, Amarante, Barba e Medina tinham outros planos – mostrar o seu valor musical, o seu gosto pessoal, a sua devoção ao rock sempre com os pés bem assentes no patrimônio musical brasileiro. E foi assim que decidiram refugiar-se num sítio no interior do Rio durante uns meses para, com a merecida tranquilidade, fazerem o seu processo de introspeção e produzirem o seu disco mais abrangente.
Reza a história que Bloco do Eu Sozinho começou logo por levar nega da editora, Abril Music. Eles sim, queriam facturar em cima das 300 mil cópias vendidas do primeiro álbum, e chocaram de frente com a falta de uma música fácil para colocar a rodar na rádio de forma intensiva. Felizmente estavam a lidar com rapazes jovens mas com a cabeça no sítio, com segurança do que queriam para si, e que souberam manobrar tudo para que o disco saísse como desejavam. Aceitaram uma nova remixagem, feita por um produtor nomeado pela editora, mas este cedo percebeu ter pela sua frente um produto bem conseguido e não se distanciou muito das vontades dos Hermanos.
A sonoridade de Bloco marca sobretudo pelo distanciamento ao lado mais hardcore/ska pelo qual se tinha pautado Los Hermanos. A participação de Kassin também foi fulcral para a inclusão de uma maior diversidade de elementos, desde resquícios de dixieland e vaudeville, até uma maior integração de samba e MPB, mantendo a veia rock que trespassa todas as músicas do álbum. De realçar que por esta altura ainda o rock não tinha ressurgido do lado negro a que estava devotado mundo fora, ainda Is This It? não tinha sido lançado para o salvar, pelo que é ainda mais de salutar a coragem dos Hermanos de apostarem neste caminho, em clara contra-corrente com o mundo que os rodeava. Para se ter uma melhor ideia do que estamos a falar, a grande referência rock da banda eram os Weezer.
A mensagem do álbum é explícita logo no refrão da primeira música, “Todo Carnaval tem seu fim” – “Deixa eu brincar de ser feliz / deixa eu pintar o meu nariz”. Os Hermanos não pretendiam nada mais do que os deixassem fazer a sua música e assim, serem felizes.
Rodrigo Amarante também quis mostrar serviço e assina 5 das músicas de Bloco (algumas em conjunto com Camelo), colaboração essa que resultou em cheio sobretudo em “A Flor” e “Retrato para Iaiá”. E importa e muito realçar, num dos pontos altos do disco, e digo mesmo da carreira da banda, “Sentimental”, um estrondo de música, com um refrão de nos deixar a gritar aos berros
– Eu só aceito a condição de ter você só pra mim!
– Eu sei, não é assim, mas deixa…
– Eu só aceito a condição de ter você só pra mim!
– Eu sei, não é assim, mas deixa eu fingir e rir.?
A guitarra pesada não desaparece por completo – temos “Casa Pré-Fabricada”, onde também se junta à festa um teclado moog, e “Tão Sozinho”, que poderia ter encaixado muito bem no primeiro disco também. Obrigo-me também a dar o devido destaque àqueles 35 segundos finais de “Assim Será”, quando parece que a música já acabou mas afinal ainda se estica mais um pouco, só mais um pouco para o fim de festa em ritmo samba puro.
E deixei para o fim por serem os meus momentos favoritos de Bloco – “Cadê teu suín-?” é genial pela forma dos versos se colaram e se continuarem uns aos outros, para além da crítica inerente à indústria musical e da utilização de elementos do já acima referido dixieland; “Deixa estar” é um ska puro e que serve de trava-língua, ando há anos a tentar imitar e simplesmente não consigo.
Com Bloco Do Eu Sozinho os Los Hermanos provaram que é possível amadurecer dez anos em somente dois. Sozinhos, contra tudo e todos, sacaram da cartola um discaço que fica para a história da música brasileira e que ainda hoje se ouve com todo o prazer do mundo. E conseguiram fazer o que pedem no finalzinho de “Adeus Você” – que a vida deles seguisse adiante.
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