Os Big Thief sobem a parada e brindam-nos com uma pérola de disco.
(Ando às voltas com este disco há semanas, e continuo sem saber como começar esta crónica. Já escrevi a primeira frase e apaguei várias vezes, fui ouvir novamente o disco e perdi-me, voltei a apagar o arranque e reescrevi-o. Mas desta vez ganhou a necessidade de o fazer, em detrimento da indecisão de como o fazer; vai ficar assim mesmo.)
U.F.O.F. é sigla de (se a conjugação das três primeiras letras é sobejamente conhecida, a última so é aplicável mesmo neste disco) Unknown Flying Object Friend, o que nos permite ir buscar as palavras da vocalista Adrianne Lenker – “Making friends with the unknown… All my songs are about this.” – para tornar perceptível a escolha do nome para o terceiro disco dos Big Thief (e também para a segunda música do mesmo). Lenker é a força motora da banda de Brooklyn, que após presença no festival Paredes de Coura de 2018 já lançou um disco em nome próprio (o incrível abysskiss) e apresenta-se agora de volta com Buck Meek (guitarrista, e que falhou Coura), Max Oleartchik (baixista) e James Krivchenia (baterista).
Como acima referido, U.F.O.F. é uma pérola, daquelas que precisamos de mergulhar no mar profundo, com escafandro e paz de espírito, para a descobrir. Ou melhor, é um oceano recheado de pérolas, que vamos descobrindo aos poucos, a premiar quem faz da procura activa o seu modo de vida. A premiar quem se atira de cabeça para o mar e por ali fica, imerso, com os sentidos adaptados a uma realidade paralela de se ter água à volta em vez de ar. Lenker é uma observadora da natureza que nos envolve, questionando o papel dos humanos no planeta que habitamos, a forma como nos relacionamos com os outros elementos com os quais co-habitamos. Cria portanto um universo no qual as emoções, os sonhos, as memórias se interligam para uma melhor apreciação do que é viver. Cria um universo de pessoas, na sua maioria do sexo feminino (Jodi, Betsy, Jenni, Violet, Caroline) para assim perscrutar as várias facetas da sua personalidade, e ter uma melhor percepção da sua própria consciência. Estamos portanto perante um questionamento mais ancestral, longe das preocupações dos tempos que correm, longe das tecnologias que proliferam. Uma revisita às raízes, que é também peça chave na criação do folk rock – a base sonora dos Big Thief, às quais acrescentam laivos de shoegaze em “Jeni” e de rock mais visceral no fim de “Contact”.
Duas da músicas do álbum foram re-aproveitadas de abysskiss – “From” e “Terminal Paradise”. Enquanto que à primeira foi acrescentada uma bateria periclitante, à segunda a voz barítona de Meek é o elemento que a revigora e lhe dá uma nova roupagem, apesar de ser um exercício sempre difícil assistir a esta transformação sobre músicas que estavam muito bem na sua forma mais crua.
Ao terceiro álbum, os Big Thief dão mesmo um passo de gigante na sua carreira, na sua capacidade musical, que aparenta estar num pico de forma e de coesão incrível. Vieram em 2019 ao Primavera Sound no Porto mostrá-lo e é urgente vê-los em Lisboa, numa sala a condizer com a quietude e intimidade das suas baladas neste majestoso e delicado U.F.O.F..
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