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A voz de Amália é a primeira neste disco, entoando “cantar como quem despe”. Em Bairro da Ponte despimos os preconceitos e vestimos as influências do fado, numa mistura esquizofrénica onde Stereossauro mistura hip-hop, electrónica, Camané, Papillon, beats, Rui Reininho e Dino D’Santiago.
Foi em 2014 que saiu o último disco de originais de Stereossauro, Bombas em Bombos, na altura já digno de nota nas influências, convidados e produção. Como exemplo, lembram-se do tema Verdes Anos, ouvido pela primeira vez em 2013 em versão freestyle, que ao remexer em Carlos Paredes mexeu também com algumas sensibilidades e abriu novos caminhos ao fado?
Stereossauro continua disruptivo e a pegar nas sonoridades, sagradas para alguns, de Amália ou Paredes, e a criar um estilo que mistura o tradicional e o moderno sem reservas, no que considera como “o começar de algo mais sério” nesta estética que já tinha explorado um pouco antes, em algumas músicas e colaborações. Desta vez teve acesso, dado pela Valentim de Carvalho, aos masters originais de temas de Amália Rodrigues e Carlos Paredes, entre outros, para poder isolar e aproveitar os sons que construíram este bairro. E “Verdes Anos” aparece como última faixa deste disco, na versão apresentada 2016 com DJ Ride.
Porque para alguns falar de fado é falar com pinças, dos que esquecem que Hermínia Silva foi uma das grandes apoiantes nos fados orquestrados e referindo, claro, Amália, mas também Paulo Bragança ou até artistas que aproximaram fado à pop, como Variações ou Heróis do Mar, e pensam que o fado é estanque, bem regrado e imutável. Este disco não será para vocês. Percebemos isto logo pela estética da capa de Bairro da Ponte, onde uma mulher, com ar de fadista, de rosa nos cabelos e de xaile, está a beijar um homem mais novo de cabelo oxigenado. Uma imagem que, como diz Stereossauro numa entrevista à Agência Lusa, “a tradição está enrolada com a modernidade e vice-versa”. O músico, nesse aspecto, é inovador, sem medos mas com respeito pela música e os artistas. E que conjunto incrível de participações ele conseguiu, que se complementam perfeitamente.
“O fado é igual em todo o lado” é como termina o tema “Duas Casas”, com participação de Capicua, uma música que soa inquestionavelmente a Capicua, tal como “Arleking” soa a Rui Reininho sem sombra de dúvida. Neste Bairro da Ponte, as vozes e talentos dos artistas convidados brilham em primeiro plano. Stereossauro é o fio condutor que através da guitarra portuguesa, da produção, da electrónica e tudo o que complementa as vozes, dá a homogeneidade ao disco. Garantidamente, basta não gostarmos de um destes artistas para saltarmos a faixa, o que pode ser problemático para quem conhece apenas o single, “Flor de Maracujá”, com Camané a cantar uma letra de Capicua e samples de Amália misturados com eletrónica e pensa que o disco é todo no mesmo tom. Se no lado mais tradicional do fado temos como representantes Ana Moura, Gisela João, Carlos do Carmo e até Paulo de Carvalho, eles estão entrecortados com Legendary Tigerman, Slow J, Reininho, Capicua, Dino D’Santiago, Razat, Nerve ou o colaborador do costume, DJ Ride. Porque mesmo que o fado seja igual em todo o lado, este não é só um disco de fado.
Já não vivemos um país de três F mas talvez, como canta Sr. Preto em “FFFFF”, “fado, futebol, fátima, festivais e fest, tudo é pop, tudo é hype, tudo é fado” e esta é uma reclamação do fado como mais que um estilo, mais que um bairro, que também é nossa identidade e tem de ser transportado para os tempos modernos, apropriado e modernizado, na mistura de influências que no fundo todos somos.
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