Dazzle Ships foi uma marco na carreira dos Orchestral Manoeuvres in the Dark. Para o bem e para o mal, o álbum foi uma aventura de preço muito elevado. Afundou os novos heróis da pop eletrónica inglesa, mas emergiu mais tarde como uma verdadeira obra de arte intemporal.
As bandas que arriscam nem sempre conseguem satisfazer os desejos daqueles que as seguem apaixonadamente. Na história da música não faltarão exemplos ainda mais evidentes do que este, mas foi o que fizeram os Orchestral Manoeuvres in the Dark depois de terem atingido a fama e a glória merecidas com o seu extraordinário disco de 1981, o ainda hoje festejado Architecture and Morality, de que por estas páginas já vos demos a devida conta.
Teria sido muito mais simples e fácil que a dupla Andy McCluskey e Paul Humphreys continuassem na mesma linha de temas como “Souvenir” ou “Joan of Arc (Maid of Orleans)”, mas os artistas têm destas (boas) coisas, como manias, birras que fazem e que muitos não entendem. Mas não percamos tempo com os que desejam sempre mais do mesmo, e voltemos aos outros, aos que nos surpreendem, aos que arriscam e dão passos em frente, muitas vezes sabendo que os terrenos que pretendem pisar serão mais pantanosos do que seguros. Dazzle Ships representou isso mesmo, e como de navios se fazia o título, o álbum foi um titanic de crítica e de vendas. Pobres almas essas, as que não conseguiram ver ou perceber que o arrojo e a radicalização, mesmo que ligeiros, trazem muitas vezes à arte aquilo que está na sua essência: a capacidade de criar pontes de diálogo entre o que se espera e o que nem sempre se imagina.
O disco, como se disse, teve o azar de sair depois do estrondoso terceiro álbum da banda. Estávamos em 1983, e os novos meninos bonitos da new wave eletrónica made in UK tiveram a ousadia de atirar o passado às urtigas de rotinas já gastas e decidiram avançar numa nova aventura. Foram de barco e deslumbraram-se com a maquinaria que pilotavam. Numa clara homenagem aos seus antigos heróis do kraut (os Kraftwerk, pois claro), realizaram uma obra que só muito tempo depois começou a ganhar o devido respeito, tanto do público como da crítica, e que hoje é cultuada como momento seminal para o que muitos vieram a produzir no futuro. Experimentalismo e composições de travo pop foram os ingredientes da receita. E charme, muito charme derramado por cima dos breves trinta e quatro minutos de duração de Dazzle Ships.
A ideia da capa do disco teve como base um quadro de Edward Wadsworth, pintor inglês de transição entre os séculos XIX e XX. “Dazzle Ships in Drydock at Liverpool”, assim se intitula a pintura, forneceu a Peter Saville a ideia de uma capa de linhas cruzadas, ângulos pronunciados, ziguezagues, cores próximas das usadas em camuflagens de guerra. Edward Wadsworth, muitos anos antes, no início do século passado, havia sido contratado pelo governo inglês para camuflar os navios britânicos e assim, várias décadas depois, também os Orchestral Manoeuvres in the Dark resolveram aparecer dissimulados, escondendo-se por detrás de novas roupagens sonoras que começam a notar-se nos primeiros instantes da inicial “Radio Prague”, evocando de forma clara as ondas magnéticas de Radioactivität, dos seus meninos queridos de Düsseldorf. “ABC Auto-Industry”, “Dazzle Ships (Parts II, III and VII)” e “Time Zones” são os momentos que terão gerado maior incompreensão na altura em que o álbum surgiu, uma vez que não são canções, antes momentos capazes de criar e acentuar a estranheza ambiental (a camuflagem, pois claro) pretendida pela banda. Quanto a canções, elas também existem e em abundância, algumas de delicada, esquiva e fina beleza, como “International”, por exemplo, ou ainda “The Romance of The Telescope”. Outras, com mais acentuado pendor pop, podem ser encontradas em “Genetic Engineering”, “Telegraph” (a espaços, uma espécie de falsa gémea de “Enola Gay”) e em “Silent Running”, que pode fazer lembrar-nos, com alguma facilidade, de “Souvenir”, uma das mais belas canções synth pop dos anos oitenta.
Dazzle Ships é um disco que merece ser recordado e ouvido com a devida atenção. Mais do que um simples álbum de canções, é uma obra que, simultaneamente, fez submergir o esplendor da banda no tempo do seu lançamento, embora mais tarde tenha despontado em todo o seu fulgor e brilho intensos.
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