Quando se junta o pulsar funk da bateria à dissonância futurista das texturas isso é Tago Mago.

O rock vanguardista alemão dos anos 70, o chamado krautrock, foi um dos períodos mais inventivos da história da pop. Os Can são a típica banda desta estética: eruditos e libertários, fazendo filtros para os joints com as pautas do Conservatório. Fosse numa palestra do Stockhausen, fosse num concerto dos Floyd, jogavam sempre em casa. Esta promiscuidade cultural qualificava-os para o mais demente dos projectos: fazer uma síntese de toda a música contemporânea. E foi isso mesmo que alcançaram no ambicioso Tago Mago, reunindo a electrónica e o minimalismo do avant garde; a improvisação e a dissonância do free jazz; a melodia e o blues do acid rock; e o groove maníaco da bateria, roubado ao funk. O que mais sobressai nesta mescla é, justamente, a bateria, eufórica e hipnótica, subjugando com a sua omnipotência todos os outros instrumentos.

O caldo resultante é algo inteiramente novo, e a geração do pós-guerra precisava desesperadamente dessa novidade (se se colassem à música anglófila, perderiam a sua individualidade; se seguissem a tradição alemã, seriam cúmplices do nazismo). A pátria concreta era um tabu? Não faz mal, inventa-se uma pátria imaginada. Tago Mago é esse novo país, espacial e futurista, mais sonho do que coisa real.

Para gravar esta obra-prima, os Can viveram juntos num castelo durante cerca de um ano. Nada era muito premeditado. O que faziam, fundamentalmente, era improvisar. Essas sessões – que por vezes se prolongavam durante horas a fio – eram gravadas secretamente. Grande parte de Tago Mago resulta da edição dessas longas jams. Daí a sua frescura e fluidez.

À época, Tago Mago passou meio despercebido. Era um disco demasiado à frente do seu tempo. Mas a posterioridade ouviu-o com atenção. Eno, Bowie, Joy Division e Radiohead são alguns dos seus herdeiros. Recordá-lo nada tem de revivalismo. Ainda hoje sabe a futuro e a nada mais.